Capítulo Cinco

Davine quase rasgou o papel com os horários de Laura ao toma-lo para comparar com os dos outros, o que era uma merda, visto que Laura estava muito mais interessada em ser ignorada do que ser inserida, portanto, não queria saber quem estaria no mesmo ambiente que ela.

Ela nem tinha ideia de como chegaram a esse ponto, quando tudo o que queria era encontrar uma escapatória daquele fuzuê.

Aquele ato só provava que Laura estava certa ao julgar que a loira não tinha o menor respeito pelo espaço pessoal do outro.

Qual é, ela tinha o direito de se manter isolada, não?

Davine lançou um olhar por cima do papel e riu internamente com a expressão de filhotinho de cachorro bravo que ela tinha com suas grandes bochechas e olhos expressivos.

Aquilo era divertido.

— Vamos ver — disse ao capturar o papel.

Zuri se juntou a ela e lançou um olhar divertido para Laura por cima do papel.

Qual era a dessa gente que se divertia com sua irritação e sofrimento?

— Alguém aí tem inglês no primeiro horário? — Davine perguntou, enquanto Laura se sentia tão acuada e nervosa, rezando para todos os seus horários estarem desconectados com os delas, mas Martina praticamente gritou, animada:

— Eu tenho!

— Eu também — Maya se manifestou.

Laura já revirou os olhos por ter que aturar todas as manhãs logo no primeiro horário a garota que não parava de encarar ela.

— Eu tenho álgebra no segundo, alguém mais? — Zuri perguntou.

— Nós temos — Davine apontou para Laura e ela mesma.

Martina se aproximou e o grupo começou a debater sobre os horários enquanto os comparavam. Laura sequer conseguia — ou queria — entender o que diziam, apenas queria seu horário de volta para que conseguisse fugir dali.

Nem se importava se fosse parecer mal educada.

Já estava à beira de uma crise de nervos quando Martina se voltou para ela e entregou seu horário. Sorria.

— Vamos — chamou — temos inglês agora.

“Não me diga” pensou logo Laura, porém não se pronunciou para não estender o assunto.

Deu as costas ao grupo e a Martina sem dizer mais nada e caminhou rumo ao bloco de salas de aulas correspondente. Em pouco tempo, no entanto, a garota a alcançou junto a Maya.

— Por sorte nosso professor de inglês é legal, não é mesmo, Maya?

— Sim, isso é verdade — a garota confirmou.

— Você gosta de inglês, Laura? — Martina perguntou e a garota suspirou, não respondendo e apenas apressando o passo.

Martina gemeu de frustração ao ver como era difícil se aproximar dela.

— Você não é muito de falar, não é mesmo? — perguntou, sendo ignorada — eu também não sou. Maya pode confirmar.

— É verdade, mas você sabe ser chata quando quer — a cutucou e as duas riram.

A cada segundo Laura detestava mais Martina. Parecia que até o jeito de respirar era irritante, o que era uma pena, porque ela era tão bonita e ela a admiraria se simplesmente a deixasse em paz.

Laura parecia tão chateada, infeliz e aborrecida e Martina só queria se aproximar e tentar animá-la um pouquinho com uma amizade. De uma forma estranha, aquilo era um tanto atraente para ela, no sentido de que gostava do desafio que era se aproximar dela.

Tinha convicção de que conquistaria a amizade daquela garota.

Elas chegaram na sala, Martina segurando a porta aberta para que entrassem.

Laura até olhou para os outros lugares da sala, mapeando o ambiente e as pessoas que a encaravam, não gostava dos olhares deles, mas tinha que se sentar em algum lugar, então decidiu se dar por vencida e acompanhar Martina, que apontava um lugar no meio da sala.

Não é que estivesse aberta, mas se sentia sem escolha, já que Maya ocupou um lugar atrás das duas com aquele garoto alto demais que tinha estado em meio ao grupo por algum momento.

Laura estava com raiva por toda a situação, lançava olhares irritados na direção da garota sentada ao seu lado, que mantinha um impecável sorriso no rosto enquanto a olhava.

A medida em que a turma enchia, uma sensação de sufocamento familiar a tomou, as mãos suando enquanto tentava ignorar todo o barulho cheio de burburinhos por sua presença e a adolescente ao lado a encarando como uma idiota.

Se perguntava pelo que tinha de tão errado em si que ela não desviava o olhar. Não estava fedendo, tinha certeza disso. E a mãe a fizera arrumar um pouco o cabelo, então não estava tão estranha.

Talvez ela tivesse alguma tara em pessoas que obviamente a odiavam, porque aquilo era estranho demais. Laura sentia seu rosto queimar, totalmente vermelho enquanto raiva e timidez se mesclavam, a deixando insegura em meio a ansiedade que empurrava tudo em seu interior para dar as caras e tortura-la.

Laura sabia que não era feia, então não poderia ser um motivo. Sua família toda era bonita, então por que justamente ela iria ser feia? Só porque ela aparentava ter alguns quilinhos a mais por ser um pouquinho corpulenta?

Não, tinha certeza que ela não a encarava por isso.

— Pare de me encarar! — praticamente rosnou quando chegou em seu limite, vendo Martina desviar o olhar imediatamente de maneira quase inconsciente, voltando-se para a frente.

— Desculpe — pediu em um fio de voz, enquanto a outra ainda se sentia incomodada e sufocando com a própria ansiedade.

Resmungaria mais alguma coisa, mas não se sentia capaz.

Logo depois o professor entrou na sala e começou a falar coisas que Laura não conseguia prestar atenção, pois o coração batia tão acelerado que atrapalhava sua audição e concentração. Estava muito nervosa e se sentia muito sufocada e enjoada.

Ao mesmo tempo, estava paralisada.

Martina até prestou atenção no professor dizendo todas aquelas coisas sobre trabalhos, leituras, provas..., mas tinha parte da atenção em uma preocupação com a postura rígida da garota ao lado.

A turma riu quando o homem bem humorado disse que teriam tempo para diversão porque particularmente adorava um drama juvenil, e Martina até esboçou um sorriso, mas Laura ainda estava dura como uma estátua olhando para algum ponto à frente.

Não disse nada, no entanto. Se sentia um tanto intimidada.

E então o sinal soou, avisando o fim da aula. Laura se moveu de maneira letárgica, pegando o próprio material e caminhando para fora sem olhar para trás.

Martina a seguiu e viu a forma ao qual se escorou na parede assim que colocou os pés para fora da sala.

— Laura? — chamou, não recebendo uma resposta que decerto seria muito malcriada se ela tivesse forças para falar — você está passando mal?

Ouviu a garota respirar fundo com dificuldade e viu que era tão teimosa que a ignoraria e morreria sozinha se deixasse, então tomou as rédeas passando o braço em torno de sua cintura, dando um segundo para que se recuperasse do susto de contato e a guiando para fora, diretamente para os banquinhos na parte da frente da escola, a sentando lá e mirando seu olhar perdido que de uma maneira muito frustrante jamais chegava a encontrar o seu.

— Tudo bem — Martina murmurou — eu vou pegar sua mão agora e colocar no meu peito de uma maneira não pervertida, quero que tente acompanhar meus batimentos e respire comigo. Vamos lá.

Como avisado, pegou sua mão gelada e suada e apertou contra o próprio peito, respirando fundo. Laura não reagiu a primeira vez, mas tentou acompanha-la na segunda e seguiu o ritmo totalmente em silêncio até que ela se sentisse calma o bastante para tomar a iniciativa de se afastar.

— Melhor? — Laura confirmou com a cabeça — consegue voltar para as aulas ou...?

— Não — disse de pronto e tentando conter alguma rispidez — vou para casa.

— Sozinha? Tem certeza que consegue?

— Eu consigo — disse de maneira firme, o semblante fechando de maneira que Martina achou melhor parar de questionar.

— Ok, só me mande uma mensagem me avisando que não morreu no caminho ou algo do tipo. É justo, não? — questionou, mas sem dar tempo para que respondesse e pegando uma caneta e o pulso dela, onde escreveu o número.

Laura não disse nada, mas as duas chegaram à conclusão de que ela não conseguiria. Levantou em um ato automático e seguiu caminho para casa.

Martina ainda ficou um tempo observando-a se afastar até decidir voltar para as aulas, sendo questionada pelas amigas no intervalo se ela sabia o que havia sido feito da outra e explicando que ela parecia estar com dor de cabeça ou algo do tipo e foi embora, o celular na mão na esperança de que recebesse uma mensagem, mas Laura simplesmente havia chegado e se jogado na cama, dormindo após um longo momento de choro enquanto gritava na própria mente o quanto odiava aquele lugar.

Foi quando percebeu que a escola tinha duas presenças novas, que Zuri apontou serem irmãos de Laura. Sem hesitar nem por um segundo, Martina caminhou até a jovem de cabelos castanhos claros que conversava com um grupo de garotas de risinhos esganiçados.

Pigarreou, ganhando sua atenção.

— Com licença, você é irmã da Laura? — perguntou e a garota franziu o cenho.

— Uh, sim — respondeu — algum problema?

Martina indicou que se afastassem um pouco e contou quando estavam livres dos ouvidos das meninas bobas.

— É que ela teve uma crise de ansiedade hoje cedo e decidiu ir embora. Queria saber se ela deu notícias — falou.

Beatrice se manteve com as sobrancelhas erguidas enquanto assimilava a situação.

— Eu não sei de nada, mas talvez meu irmão saiba — disse, sacando o celular e ligando para o irmão, que respondeu com um grosseiro “o que foi, Bea?” — sabe da Laura?

— Por que eu deveria saber dela? — o rapaz questionou e Beatrice explicou a situação para ele que respondeu — bom, ela não me disse nada, mas deve estar bem. Ela sempre apaga depois de uma situação estressante, você sabe.

— Eu sei — Beatrice balbuciou.

— Vou m****r uma mensagem para a mamãe se ela pode verificar ela — Edward disse, no entanto, porque não é como se não se preocupasse — mas pode ter certeza de que ela acertou o caminho de casa.

— Ok — Beatrice respondeu — me avisa.

— Está bem — ele respondeu e sem se despedir simplesmente desligou, mandando uma mensagem para a mãe em seguida.

— Ele vai falar com minha mãe para verifica-la — Beatrice disse a Martina — certeza de que ela chegou e apagou, mas se quiser pode me passar seu número e te aviso.

Ela concordou com a cabeça e passou o número para a garota.

— Obrigada — agradeceu.

— De boa — ela respondeu, dando um último tchau e seguindo para perto das outras garotas enquanto Martina voltava para o próprio grupo.

Depois de recebida a mensagem do filho, Clara decidiu passar em casa no horário de almoço para verificar a filha, subindo ao quarto dela e descobrindo que sim, ela estava completamente apagada em uma posição que daria a ela muitas dores nas costas.

A ajeitou, sentindo sua pele febril, ajustou a temperatura do ambiente e saiu, avisando ao filho, que por sua vez avisou Beatrice, que avisou Martina.

Clara até notou o número em seu pulso e isso a deixou nervosa de certa forma, mas não queria intervir mais uma vez, a não ser que fosse realmente preciso. Não a deixaria chegar perto de uma... coisa daquelas.

O resto do dia chegou em um curso tranquilo, mas Martina ainda estava ansiosa quanto a se Laura mandaria uma mensagem ou apenas a ignoraria, o que seria um baita soco no estômago.

No entanto, passou-se todo o horário escolar e nada.

Os irmãos Ortiz chegaram em casa e encontraram a mãe. Beatrice havia narrado a preocupação da suposta nova amiga da irmã e ambos decidiram falar com ela.

Mãe e filhos se cumprimentaram, a primeira mandando-os subir e tirar a catinga do couro porque o cheiro estava de matar, eles resmungaram, mas depois riram e se aprontaram antes de se encontrarem no corredor e bater na porta da irmã com dois toques antes de desencostá-la e encontrar Laura sentada na cama abraçando os joelhos e olhando para o nada.

— Você está bem? — perguntou Beatrice — bom, na verdade sabemos que não. Sua amiga perguntou por você. Quis saber se tinha chegado bem.

Laura suspirou em resposta.

— Qual é o problema, Laur? — questionou Edward.

— É bobagem — a voz grave e rouca de Laura se fez ouvir, ainda que ela não tivesse movido um músculo.

— Não é bobagem se te faz chorar e te deixa doente — Beatrice retrucou com gentileza.

— Mexeram com você? — Edward foi direto.

Laura deu de ombros, porque realmente não sabia dizer.

— Disseram que queria ser meus amigos — contou — mas eu não quero amigos. Não tenho motivo algum para isso quando nem sabemos quanto tempo vamos ficar nesse lugar horrível.

Beatrice franziu o cenho.

— Mas o papai disse que é definitivo — Laura deu de ombros mais uma vez — ter amigos é bom, Laur.

— Deve ser, quando eles não são insuportáveis e invadem seu espaço.

— Me desculpe, mas com você só invadindo seu espaço mesmo. Você não deixa ninguém entrar, nem a gente, que é sua família — Edward disse em um tom cortante.

Não queria transformar aquela conversa em uma discussão, mas era algo que precisava ser dito e Laura sentiu a atingindo no estômago.

— Amigos podem ser insuportáveis, Laur, mas a gente se acostuma e... gosta — Beatrice disse, atraindo seu olhar confuso — você vê, diz que todos são insuportáveis, mas aquela garota se preocupou com você de verdade. Eu vi na cara dela.

Laura olhou para baixo, tentando digerir a informação.

— E mesmo se a gente for embora, existe esse negócio chamado telefone, que a gente usa para se comunicar com pessoas que estão longe — Edward a lembrou.

— E pessoas vêm e vão, Laur. A gente só pode aproveitar a companhia irritante delas e ser feliz enquanto estamos perto.

Laura assentiu para mostrar que estava prestando atenção.

—Eu... estou com dor de cabeça agora — ela disse.

Beatrice suspirou, trocando um olhar com o irmão e ambos decidindo deixa-la em paz. Levantaram, vendo que se deitava encolhida na cama, e caminharam até a porta.

Edward passou primeiro, mas Beatrice se deteve.

— Fale com ela — disse — nem que seja para agradecer. Acho que deve isso a ela.

Não esperou uma resposta, apenas saiu.

Os dois jovens foram para a sala, onde iniciaram uma discussão pelo controle da televisão.

Gabriel havia chegado pouco depois que os dois se enfiaram no quarto da irmã e se encontrava no quarto conversando aos sussurros com a esposa.

— Não, não pode ser — resmungou.

— Mas e se for? — questionou Clara, já um tanto arrependida pelo que contou ao marido, embora fosse até mesmo de certa forma impossível esconder algo dele.

— Não pode ser! — insistiu.

— Não é como se fosse demorar, ela já tem dezesseis anos.

— Ela só tem dezesseis anos — a corrigiu — é nova demais. Isso não está acontecendo, não pode...

— Pois eu acho que talvez seja melhor — Clara retrucou, não se comovendo pela expressão traída do homem — ela está vulnerável, sabe disso. E sabe que quanto mais demorar, mais vulnerável e mais difícil para a gente...

Ele negou com a cabeça.

— Ela não está vulnerável!

— Não dá para proteger Laura a vida toda, Gabriel — Clara tentou usar um tom mais amável, direcionando o rosto transtornado do marido para seu olhar e observando seus ombros caírem — não dá para protegê-la das coisas como são.

— Isso não significa que não possamos tentar — ele insistiu e Clara de certa forma achou graça em sua agonia.

— Você sabe, as coisas já estão acontecendo. Isso não deve demorar, não com ela sendo quem ela é e se tornando... ela!

— Não pode acontecer!

— Gabriel — Clara chamou no intuito de parar seu surto — estamos fazendo o possível, mas ela precisa crescer e... você sabe. Temos que deixa-la. E também acho que devemos prestar mais atenção no Ed.

Ele fez uma careta.

— Eu não gosto disso — resmungou — primeiro Laura, então Ed e logo vem Bea... isso não está certo.

Clara riu.

— Devia ter pensado nisso antes de concordarmos em termos filhos — zombou, ainda que entendesse seu sentimento — preste atenção no Ed. Vamos ficar de olho em tudo e as coisas vão ficar bem, prometo.

O silêncio caiu entre os dois.

No quarto, Laura olhava o celular em meio a dúvidas e medos.

Engoliu em seco antes de salvar o número escrito em seu pulso e abrir a caixa de mensagens e mirar a foto daquela garota tão bonita e irritante.

“Não pensa muito, só vai” instruiu a si mesma, então digitou rapidamente e enviou a mensagem simples que dizia: obrigada

A resposta veio rápida e em diversas linhas confusas:

Widsaioe

Desculpe! O celular ciu ns mihna cara!

Olá, Laurtiz!

Laura Ortiz**

Desculpe!

É a Marbsna

Martina**

Mas acho que você sabe...

Desculpe, estou nervosa.

Desculpe

Você está meljor?

Melhor*

Laura tinha que admitir que sorriu para a mensagem, tomando um tempo tentando se convencer a não responder, porque realmente só tinha planejado agradecer e bloquear o número dela. Se sentia nervosa, as mãos tremiam e o coração parecia a ponto de explodir, a conversa com os irmãos martelando sua cabeça.

Ninguém nunca tinha conseguido escrever meu nome assim.

Martina riu de puro nervosismo quando leu a resposta.

Eu sou especial.

Ah, jura, Marbsna?

Martina corou, envergonhada do pequeno — bom, não tão pequeno — surto.

Eu disse, sou especial.

É, eu achei legal. Ninguém me chama assim.

Martina sorriu, seu coração errando uma batida.

Isso não é mais verdade. Eu chamo.

Laura mordeu o lábio, tentando não sorrir ainda mais.

É verdade.

Martina também mordeu o lábio, ponderando quanto ao que deveria responder quando foi antecipada por uma mensagem nova de Laura.

Eu preciso ir agora. Descansar...

Martina suspirou antes de responder.

Bom descanso.

Obrigada.

Até logo, Laurtiz.

Até logo, Marbsna.

Fecharam os olhos sentindo o coração acelerado com a marcante certeza de que estavam irrevogavelmente entrando na vida uma da outra.

Nenhuma das duas sabia o que esperar com isso.

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