Capítulo X

Vincent deu um passo para fora da janela e Eleanore deu um gritinho, achando que ele fosse despencar dois andares e ir direto para o chão. Mas não, ao invés disso, seus pés se firmaram em uma espécie de chão invisível, que o manteve suspenso no ar.

 – Vamos, Ellie – Vincent alcançou a outra mão de Eleanore e a incentivou a acompanha-lo.

Ela estava sobre o parapeito da janela e olhou para baixo, vendo o chão a metros e metros de distância. Eleanore apertou as mãos dele com mais força, já que era seu único apoio. Ela sequer havia registrado que Vincent havia chamado ela por um apelido.

 – Não pode estar sugerindo que eu... a-ande... no nada!

 – Estou. Dê o primeiro passo.

Eleanore engoliu em seco e deu um passo à frente, rezando internamente. Mas não caiu, seu pé encontrou apoio em algo sólido, mesmo que fosse invisível. Ela tirou o outro pé do parapeito e logo estava planando no ar, como se fosse feita de nuvem.

Um gritinho animado escapou da boca de Eleanore, sem que ela conseguisse se conter.

 – Eu estou voando!

 – Relativamente – Vincent soltou uma das mãos dela e começou a andar normalmente.

As pernas de Eleanore bambeavam e mesmo que a altura fosse assustadora, ela não conseguia parar de olhar para baixo. A brisa agitava seus cachos ruivos, o frio gentilmente acariciando seu rosto.

 – Você é um feiticeiro? – Eleanore perguntou, enquanto olhava maravilhada a beleza da paisagem ao redor. As folhas amarelas e alaranjadas das árvores no outono, as montanhas se estendendo no horizonte cobertas por vegetação verde pálida. Podia até ver o vilarejo ao longe, repleto de casas e cortadas por ruelas. E, claro, a propriedade de seu pai à frente.

 – Sim, eu sou um feiticeiro.

 – Como? – Eleanore olhou para o rosto dele.

Ele a fitou pelo canto de seu olho.

 – Muitos anos de estudo e ensinamentos, além de prática, Ellie.

– Ellie? – Eleanore franziu o cenho, indignada com a petulância de Vincent, reparando apenas naquele segundo o apelido.

 – Eleanore é um nome muito grande, eu quis encurtar. – Ele nem a olhou, ignorando o quão inapropriado era chama-la por um apelido, quando se conheciam há apenas algumas horas.

 – Isso é inapropriado – pontuou Eleanore gentilmente.

 – Quem disse?

 – A sociedade – ela respondeu prontamente.

 – E o que a sociedade já fez por você, Ellie? Por que segue as normas dela?

Para ser aceita, ela estava prestes a dizer. Mas por que buscar a aceitação de pessoas que nem a conheciam, que nunca fizeram nada por ela? Além do mais, provavelmente todos já sabiam sobre seu sumiço, sabe se lá o que seu pai havia dito para justificar isso, provavelmente dissera coisas horríveis para desqualifica-la. Já deveriam estar fazendo fofoca e especulações.

Por que seguia as normas da sociedade? Porque foi isso que ensinaram à ela, obedecer sem questionar, apenas fazer o que lhe eram mandado. Mas não precisava mais fazer isso O que já tinham feito por ela? Nada.

Eleanore deixou o assunto de lado, aceitando silenciosamente seu novo apelido. Ellie soava bem e ela nunca teve um apelido antes.

Logo, Eleanore estava andando sobre a propriedade de seu pai, o que quase matou Otto, o cavalariço, de susto. Eles desceram como se houvesse uma escada invisível, que os deixou bem em frente a porta de entrada da casa.

Foi apenas então que Vincent soltou a mão de Eleanore e ela pôde sentir um ar gelado atingir sua palma. Ele deu duas batidas firmes com os nós dos dedos na porta e esperou.

Eleanore sentiu o coração batendo fortemente em seu peito, soando em seus ouvidos feito o tique-taque de um relógio, em um ritmo acelerado alarmante. Ela sentia as mãos se umedecerem de suor e só de pensar em ouvir seu pai gritando, encolheu os ombros como uma reação instintiva de submissão. Sentia-se gelada, como se não usasse roupa alguma e sua pele estivesse completamente exposta ao ar gelado outonal. Eleanore tremeu.

 – Ellie – a voz de Vincent chegou à ela, o que a fez focar sua atenção nele – Não tenha medo, não mostre que seu pai ainda tem poder sobre você. Eu não vou permitir que ele faça mal algum para você. Não precisa se preocupar com nada.

Ela assentiu com a cabeça. Não queria que seu pai a visse tão amedrontada por sua causa, mas era difícil controlar suas próprias emoções. Acreditava que Vincent poderia mesmo protegê-la, considerando que enfeitiçara uma casa inteira.

A porta se abriu e Edelina, uma das empregadas do casarão, surgiu. Ela se espantou ao ver Vincent, possivelmente por causa de sua aparência incomum, mas, apesar de Eleanore não saber como isso era possível, os olhos dela se arregalaram mais ao olhar para a menina.

 – Senhorita Eleanore! Graças a Deus! – Edelina juntou ambas as mãos sobre o coração e suspirou aliviada. – Estávamos tão preocupados com a senhorita. Fico tão feliz que você tenha voltado.

 – Pois não fique – Vincent a cortou, varrendo o sorriso do rosto de Edelina – Porque ela não vai ficar. Podemos entrar?

 – Quem é? – uma voz grave soou de um cômodo próximo e todos os músculos de Eleanore se contraíram em puro pânico.

Albert surgiu da cozinha atrás de Edelina. Era um homem bastante alto, com cabelos e barba castanhos, feições rígidas e endurecidas como pedra. Tinha os mesmos olhos azuis cristalinos de Eleanore, a única característica que ela herdou dele. Como sempre, ele usava um terno, sempre para exibir ser um dono de terras.

Quando viu a filha parada na porta, a cor sumiu de seu rosto e algo obscureceu seus olhos.

 – Eleanore! – o grito dele reverberou por toda a casa, chacoalhando os ossos da garota.

Ele avançou na direção dela e Eleanore se encolheu inteira, como se pudesse sumir dentro de si mesma. Mas, antes que ele pudesse alcança-la, Vincent se pôs à sua frente, como uma espécie de muralha protetora. Albert estagnou no lugar, quando percebeu a presença do feiticeiro ali.

 – Vincent Maddox – Albert cuspiu as palavras como se o nome dele fosse amargo em sua boca.

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