— Então, o movimento sindical está dando sinais de que vão às ruas para protestar em busca de melhorias salariais. — comentava o jornalista Kevin Andrews, diretor geral da redação, com sua careta lustrosa reluzindo o LED das lâmpadas da sala, sentado próximo, no lado esquerda de onde Ivy se encontrava. — Nossa fonte confiável dentro da fábrica Jones diz que isso será em dois dias. Temos que nos organizar para fazer a cobertura e se possível, entrevistar o pessoal da gerência...
A moça não estava mais prestando atenção no que ele dizia e sim lembrando no homem do elevador. Noah Schneider. Sua mão estava coçando para pegar o seu celular no bolso do blazer do homem e digitar o nome do moreno na barra de pesquisa, mas se conteve. Isso se ela encontrasse algo no G****e sobre ele. Quem sabe não era um desconhecido? Ou pior, namorado de alguma colega de trabalho que ela conhecia?
Ali não era hora pra ficar pensando em crush, como chamaria sua amiga Katherina. Não se envolvia com ninguém fazia tempo, desde que terminou com Adam, o Pervertido, como sua irmã Amanda, o batizou. Seu foco profissional a ocupava o suficiente para não querer se relacionar com homem algum, principalmente depois do fiasco da relação com o último namorado, Ivy decidiu ir na direção contrária do homens. Ela não era mais uma adolescente, que precisava mostrar para as amigas estar feliz dentro de um relacionamento para ser bem vista no seu círculo social. Era adulta e só estava agradecida pelo empréstimo do blazer, por isso queria saber mais sobre seu benfeitor.
Ora, era difícil achar um homem gentil em pleno século vinte e um. O que ele estava fazendo ali no prédio? Era o que atiçava sua curiosidade, mas que aquele cara bonito tinha sido um colírio para os olhos que sempre viam as mesmas pessoas por só ir de casa para o trabalho, isso ela não podia negar.
— Senhorita Lewis, você pode ser a nossa representante? — a voz de Kevin fez Ivy piscar os olhos e voltar a realidade, ao ver que ele falava com ela. Como alguém suportava conversar com ele durante algum tempo com aquela voz anasalada? Ela não sabia dizer.
— Como é? — perguntou, arrependendo-se de logo de imediato. Todos na sala a encararam. Agora tinha deixado óbvio que estava com a mente em qualquer lugar, menos na reunião. Segurou um suspiro pelo deslize. Andrews era um saco e precisava tomar cuidado com ele.
— Acho que a chuva que pegou gelou um pouco seu raciocínio, Lewis. — Caçoou o diretor, para a raiva da moça. Agora duas coisas esquentavam Ivy, o blazer do tal Noah e o ódio por ser motivo de piada, coisa que repudiava desde a juventude, por ser ter sido motivo de chacota por ser nerd e tímida no fundamental. — Como eu estava dizendo, uma das maiores montadoras automobilísticas do nosso país, a Hanson Motors, vai lançar seu novo carro de luxo em uma festa no Panamá, no próximo final de semana. E eu estava perguntando se você pode ir e acompanhar o evento como representante da Chankin. Fala um pouco de espanhol, não é?
Graças aos clube da língua hispânica que frequentou por todo o ensino médio e durante a faculdade, falava mais do que um pouco, mas o bastardo era machista demais para lhe dar qualquer crédito sem parecer cuspir.
Ivy ficou com muita vontade de dizer alguns palavrões em espanhol, mas se conteve:
— Sí. Você sabe que eu não faço transmissões. — Lembrou-lhe. Na questão da timidez, Ivy havia melhorado, mas falar pra todo o país não era algo que conseguia fazer sem gaguejar. Ela travava e já havia tentado para valer na época de estagiária e foi uma lástima, na ocasião de cobrir um amigo adoentado que estava acompanhando na transmissão no dia do incidente. Foi uma vez para nunca mais!
— Não se trata de transmitir o evento. Você deve ir apenas como representante da emissora e escrever suas impressões do evento e claro, puxar um pouco a sardinha da Hanson, pelo convite, obviamente. Seu texto será usado como narração na transmissão no nosso jornal, no bloco sobre tecnologia ou esportes, estamos decidindo ainda. — Esclareceu. — Não que você pareça entender alguma coisa sobre carros, mas não é preciso saber o nome de cada peça que compõe o motor. — Desdenhou, dando um risinho que foi acompanhado por outros homens. Ela ergueu a sobrancelha. Quem disse que não entendia de carros só por ser mulher?
Até que Ivy não entendia, mas ficou com vontade de aprender só para passar na cara do imbecil que uma mulher pode fazer qualquer coisa, até mesmo entender de carros. Ela odiava o tom depreciativo que Kevin usava.— Tudo bem, posso fazer isso. — Concordou. Quase nunca viajava a trabalho e pensando bem, seria uma ótima oportunidade de conhecer um lugar paradisíaco. Quem sabe não conseguiria pegar um bronze?
Carl Lewis, primo de Ivy e âncora do noticiário das 20h, encarou a moça do outro lado da mesa, onde estava sentando. Tubo bem? Perguntou ele, movendo seus lábios sem emitir som. Criados como irmãos desde pequenos, quando Ivy e Amanda foram adotadas por Logan Lewis, pai das garotas, Carl tinha desenvolvido um instinto fraternal em relação as primas, pois além do pai de Ivy e do primo serem gêmeos, eram melhores amigos e isso se refletiu na cumplicidade que os primos Lewis tinham. Ivy assentiu, para tranquilizá-lo. Seu corpo já estava mais aquecido e não via a hora dessa reunião acabar, se demorasse mais, não conseguiria finalizar sua mudança.
— Ótimo. Mark, você foi cotado para ser o correspondente francês enquanto a Faith tira férias. — Kevin comentou, coçando a cabeça careca com a ponta da caneta que segurava. — Seus documentos já estão prontos?
Algumas pautas depois e Kevin deu por encerrada a reunião. Os chefes de diferentes departamentos e responsáveis por setores como a redação, receptores de notícias e editores como Ivy sempre estavam em linha direta para que estivessem alinhados. Todos saíram da sala animadamente, satisfeitos por terem terminado a reunião extraordinária. Em geral, aquele era o encontro onde era programada a agenda da semana de tudo o que seria transmitido, observado com proximidade pelos responsáveis, a fim de que as notícias reportadas pela Chankin News tivessem a maior veracidade possível, pois era o legado que a emissora se orgulhava em levar. Trabalhar com notícias demandava seriedade, por isso uma equipe bem formada era fundamental.
Ivy deixou todos saírem da sala, e levantou-se para ir embora. Hoje era um dos dias que não precisa trabalhar, pois revisava os textos em casa e delegava tarefas de lá também, como ocorria algumas vezes na semana. Tinha decidido terminar sua mudança de uma vez por todas, levando todas suas tralhas da casa do pai para o novo apartamento, mas a reunião marcada de última hora havia desfeito seus planos.
— De quem é essa roupa que você está vestida? — Indagou Katherina Mason, sua secretária e amiga, com um copo de chá na direção da jornalista. — Vi você entrando aqui toda molhada e pedi um chá para ajudar você a se aquecer.
Elas começaram a trabalhar juntas durante um período de trainee de Katy na empresa e desde então, não se separaram mais.
— Obrigada Katy! — disse realmente agradecida, pegando o chá de hibisco, seu predileto. Sabia o sabor pelo cheiro gostoso que exalava de dentro do copo. — Deixei o carro com Amanda e eu já estava atrasada, tive que pegar chuva pra chegar a tempo do início da reunião. — Comentou, não respondendo à pergunta de Katy.
Ele era uma curiosidade que queria sanar sozinha.
Katy tinha cabelos curtos e simétricos, cortados sobre os ombros como uma oriental. Ela amava a cultura asiática e enquadrava isso em sua vida de várias formas. Seu apartamento era um pequeno oásis sulcoreano e ela quase tinha tatuado o nome do ator Lee Min Ho em sua pélvis, sendo impedida por Ivy horas antes de ir até o estúdio de tatuagem. A mulher ergueu uma sobrancelha cuidadosamente delineada por debaixo de sua franjinha, olhando questionadora para a amiga.
— Você e sua mania de tentar ser perfeita. As pessoas se atrasam. Não iam te despedir. — Desdenhou a morena baixinha, enquanto saíam da sala e seguiam para o elevador, a fim de chegarem ao andar debaixo, onde o andar da redação e a sala de Ivy se encontravam.
— Gosto de honrar as minhas responsabilidades. E pontualidade é uma forma de demonstrar isso. — Defendeu-se, sabendo que não era o primeiro e nem provavelmente o último perrengue que passaria por conta de seu trabalho.
O chá estava uma delícia de tão quentinho, analisou Ivy, sentindo o sabor adoçado na medida certa por Katy. Logo as moças chegaram na área da redação e passaram por entre algumas pessoas que estavam trabalhando lá, com seus computadores próximos dispostos de jeito típico de uma empresa composta por muitos jovens, um ambiente agradável e em cores suaves. Caminharam por entre as mesas e chegaram de frente a porta onde estava a placa escrito "IVY LEWIS, EDITORA".
— Se você quiser trocar de roupa, acho que tenho uma blusinha no meu armário. — Ofereceu Katy, ao adentrarem na sala. Ela sempre tinha roupas e maquiagem à mão. A secretária era uma perfeita material girl. — Não se preocupe, cabe em você. — Falou antes que a amiga perguntasse, já que Ivy vestia um número mais que Katy.
— Com certeza eu preciso, melhor tirar essa roupa molhada. — Disse, abrindo a porta e ligando o aquecedor da sala. — Não posso adoecer, porque vou para o Panamá daqui a pouco tempo.
— Então é melhor eu ir buscar logo, já volto! — afirmou Katy, saindo e fechando a porta com suavidade, como era comum fazer.
A mulher ficou sozinha na sala e tirou o blazer. Estava bem molhado devido ao contato com suas roupas e cabelo. Levou-o até o nariz e o inspirou, num instinto. Queria saber mais sobre ele e seu perfume poderia dizer algo. O cheiro dele era tão masculino! Um odor que Ivy nunca havia sentido, se aquilo era colônia, tinha certeza de que jamais sentira algo igual.
Porém, a mente dela trouxe à tona as palavras de sua inquietação.
"Fica mais bonito em você".
— Ele não...não estava flertando, estava? — refletiu consigo, passando a ponta da unha no tecido. — É claro que não! — gargalhou sozinha ao sentar na cadeira do escritório. — O cara foi legal, não foi nada demais.
— MERDA AMANDA! — gritou Ivy horas depois, vendo a frente de seu carro toda destruída. A irmã tinha batido o carro enquanto voltava para a casa e o motor acabou pegando fogo, queimando a frente do veículo que a irmã mais velha tinha terminado de pagar fazia pouco tempo.O estrago foi muito grande e o cheiro de fumaça, estava terrível.— Borboleta, eu posso te ajudar a pagar o conserto! — A garota de cabelos castanhos escuros e os mesmos olhos amendoados da irmã mais velha estava tentando apaziguar a raiva de Ivy, que só falava palavrões em momentos que estava transtornada, que era a situação exata. — Ou o papai paga, você sabe que ele não se importa! — Revirou os olhos, com os braços cruzados, mantendo uma distância segura da jornalista. — Quem manda não ser esperta e colocar seguro?!Ouvi Amanda usar seu apelido de infância para apaziguar a situação e deixou Ivy mais irritada ainda. Ela passava a mão delicada na lateral do carro destruído, sem acreditar que seu transporte est
Ivy chegou em Bocas Del Toro depois de pegar um barco táxi. Achou a experiência divertida e engraçada, a bela paisagem com ares caribenhos ajudou a se livrar do cansaço da longa viagem. Tinha saído de Toronto, fazendo uma escala na Costa Rica e só depois pousando no Panamá. A exclusividade do evento de lançamento do carro novo da Hanson já demonstrava que público atendia só pela escolha do local. O acesso não era dos mais baratos e ela estava custeada pela emissora, então quem tinha dinheiro para frequentar aquele tipo de evento, era bem de vida.Não demorou muito e ela já estava fazendo o check-in e o credenciamento para o evento no luxuoso hotel, totalmente reservado para o lançamento do novo carro da Hanson Motors. Conseguiu descansar um pouco quando se instalou no hotel, no quarto com grandes janelas e com vista para a praia. Aproveitou para enviar fotografar a vista e fazer inveja para a irmã, postando em suas abandonadas redes sociais, que só viam uma foto nova a cada seis meses
Tinha certeza de que era ele, estava de jeans e camisa de seda preta, que contrastava perfeitamente com seus olhos azuis límpidos. Samuel, o outro cara que deveria ser mais um figurão da montadora, levantou e eles se abraçaram. Formavam uma dupla e tanto aos olhos e o moreno parecia ter dito algo para o loiro, que riu longamente. Voltaram a sentar e Samuel bateu no microfone com o dedo, testando o som, o que chamou a atenção de todos os jornalistas, fotógrafos e demais convidados presentes. Iria começar a coletiva do grande lançamento automotivo. — Boa noite! Sou Sam Brown. — Ele nem deveria ficar dizendo aquilo, mas a moça ficou feliz por ter feito, já que era uma desavisada de plantão e deixou passar algo super simples como verificar quem eram os donos da empresa. — Sócio proprietário Hanson Motors! É um prazer que todos tenham vindo prestigiar o evento do mais novo lançamento, o Kronos. — Disse com uma voz clara e firme, característica de um homem que sabe impor sua presença.
— Olha, eu sei que você me ajudou naquele dia e que agora nos encontramos outra vez — ela apontou com a taça o que tinha ao redor — e ser o anfitrião deste evento, mas eu não quero sair com você, Senhor Schneider. — Talvez até quisesse em outro momento, mas a abordagem na coletiva tinha sido péssima. Como seria levada a sério no ambiente de trabalho se ele tinha convidado-a na frente dos colegas? Aquilo não pegaria bem no meio dos fofoqueiros profissionais que eram os outros jornalistas.Por cima do ombro dele, via os colegas com os olhos direcionados para a dupla Ele riu do que ela disse e foi um som grave e bonito. Mesmo de salto baixo, Ivy só batia perto do queixo dele. O cheio do homem chegou até ela, outra coisa que sua memória não fazia jus, além da aparência. Noah era mesmo uma presença marcante. — Não te convidei pra sair comigo, Senhorita Lewis. Ofereci uma exclusiva para a sua matéria, por causa de Jeremiah. — Ele comentou, referindo-se ao dono da Chankin News pelo prime
A jornalista decidiu não pensar muito sobre como seria o encontro no dia seguinte e virou a noite aprendendo sobre motores de carros esportivos e quase não se levantou com tempo o suficiente para se arrumar para encontrar com Noah para a exclusiva, na manhã seguinte. Quando se levantou, pegou o celular na mesa de cabeceira, sentido a brisa que vinha da janela aberta lhe refrescando e ao notar que estava atrasada, deu um pulo da cama. Sabia que ele poderia levar a entrevista com outras intenções, mas Ivy apareceria com tantas perguntas que ele ficaria com a garganta seca por falar demais. Daria seu máximo para fazer um trabalho excelente e o resto… deixaria que ele tomasse a iniciativa. Tomou banho rapidamente e após, colocou sua mala sobre a cama. Achou em meio suas roupas um vestido floral lindíssimo, de alças finas e renda, presente de quando Carl havia ido ao Hawaii com sua namorada. Em Toronto, nunca houve ocasião para usar, mas naquele momento poderia passar uma ideia errad
O vento brincava com os cabelos de Ivy enquanto Noah passeava rápido pelas ruas de Boca Del Toro. O carro rugia debaixo deles e ela sentia seu coração pulsando ao saber que estavam rápidos, mas sequer na metade da potência que o Kronos tinha. — Cuidado! — Ivy gritou, vendo a curva estreita da qual eles se aproximavam. As mãos dela apertaram os bancos de couro e a jornalista sentiu o cinto de segurança lhe apertar fixar no lugar quando Noah diminuiu a velocidade, mesmo que gradativamente. — Quer colocar uma música? — ele perguntou com um sorriso brincalhão, tranquilo ao dirigir algo que tinha projetado. Era muito claro para ela como Noah confiava naquele carro, como um produto que ele mesmo assinou. — Eu não sei se conseguiria… — a verdade era que seu estômago estava embrulhado da quantidade de comida que degustaram junto do nervosismo por estarem indo tão rápido e as pessoas parecem tão pequenas nas ruas estreitas. Tudo passava num borrão e ela se sentia como em Velozes e Furiosos
Ao bater a porta de seu apartamento, Ivy suspirou de cansaço. Estava moída das tantas horas de viagem a mais que fez por conta do mau tempo em sua primeira conexão. Não existia nada como a sensação de estar em casa, dormir na sua cama e tomar banho no seu banheiro. Iria gastar ao menos uma hora dentro de sua banheira, para relaxar todos os músculos tensos depois de tanto tempo dentro sem dormir.Estava tudo exatamente como ela deixou quando saiu para sua viagem para Boca Del Toro, o que era um alívio. Tirou seus sapatos e sentou no sofá, passando a mão no cabelo em um gesto habitual.Essa viagem aconteceu mesmo?Quando estava saindo do hotel, viu Noah no deck, de roupas trocadas e esperando por ela.— Você não achou mesmo que eu iria te deixar ir sozinha, não é? — ele perguntou, dando um sorriso ao notar como a pegou de surpresa.Foram juntos até o porto e ele queria se certificar que Ivy iria pegar o barco em segurança. Eles quase se beijaram em despedida, mas não estavam sozinhos
Ivy apagou as luzes fortes de seu quarto e deitou em sua cama macia, enfim, deixando seu corpo relaxar, percebendo que estava realmente cansada do dia cheio que teve. Mal tinha chegado de viagem e a visita da amiga não a deixou descansar como gostaria. A jornalista ficou até tarde dando colo para Katy e depois de um grande pote de sorvete de creme, apesar do frio na cidade, a amiga começou a contar que foi de surpresa até o estúdio de tatuagem que Victor tinha no centro da cidade e enquanto ela gravava alguns vídeos para o perfil profissional dele, chegaram algumas notificações de uma menina, perguntando se o encontro deles ia dar certo. Katy contou que saiu dizendo que ia ao banheiro para ver o que era aquilo. E depois de trancar a porta, abriu a conversa e o idiota, como ela disse, sequer tinha colocado senha no aplicativo de mensagens anônimo, onde vinha paquerando a garota há semanas, para o choque de Katy, que conseguiu segurar a raiva de quase jogar o celular dele no aparelho sa