04

“Hey, o que é isso?” Darlan entrou na sala na mesma hora, flagrando a filha agredindo o garoto.

“Ela chegou na sala e foi desligando meu videogame, falando que a TV é dela porque ela está de castigo do resto.” Dedurou o mais novo, se levantando. “E quando eu protestei, ela me xingou e jogou no chão.”

“Quem te deu autorização, Maju?” Carola e Nita já tinham saído da cozinha, e a mais velha estava brava.

“Ah, nem ver TV eu posso?”

“Pode, mas não dessa forma. Seu irmão estava usando, e você deveria ter pedido para ele se podia ver TV. E se ele ainda assim dissesse não, você deveria respeitar.” Bronqueou o pai, de braços cruzados.

“Ah, claro, defendam ele. Afinal, ele é o queridinho, não é?” A garota levantou do sofá, jogando o controle longe.

“É tudo para o Nico, sempre.”

“Não é assim que as coisas acontecem nessa casa, Maju.” Interveio Carola.

“Claro que é, mãe, é sempre assim. É tudo para o Nico, porque ele foi o filho querido e planejado. Deixa eu só lembrar uma coisa: se não fosse por eu e a Nita, vocês não teriam o Niquinho querido de vocês.”

“Maju, esse ciúme que você tem do seu irmão é irracional, minha filha.” Carola negou com a cabeça.

“Não, não é... Vocês amam mais ele, e não fazem a menor questão de esconder! Ele é o preferido e o mimadinho, tem um quarto só para ele, as coisas só para ele! Eu tenho que dividir tudo com a Nita, usar as roupas igual a ela... Eu to cansada disso! Eu só me fodo porque vocês insistem em que a gente faça tudo junto, e ela fica atrás daqueles idiotas e das ideias imbecis deles!” Explodiu a menina, pegando os pais de surpresa.

“Chega, Maju. Você vai agora para o seu quarto, vai se acalmar, e depois nós conversamos.” Avisou Darlan, tentando manter a calma.

“Que seja.” A menina saiu pisando duro, deixando os pais e os irmãos para trás, os mais novos bastante chateados.

“Eu não sei porque a Maju não gosta de mim.” Nico sentou no sofá, triste.

“Ah, Nico, a Maju não gosta de nada.” Nita sentou ao lado do irmão, o abraçando. “Eu tento ajudar, mas não consigo muita coisa.”

“Como assim tenta ajudar, Nita?” Questionou a mãe.

“Ah, eu deixo ela usar as minhas roupas, deixo ela colocar as coisas do jeito dela no quarto, para ela ficar menos nervosa.”

“Mas as roupas de vocês são iguais, nós sempre compramos ao mesmo tempo.” Lembrou o pai.

“A Maju é meio desleixada, estraga as roupas rápido. Aí eu fico com as roupas mais estragadas e deixo ela com as minhas, porque aí ela cuida direito.” Explicou a menina, inocente. “Mas ela não quer mais que a gente ande com a Luna, a Elis e os meninos. Ela quer que a gente ande com aquelas meninas fúteis aqui do prédio, e eu não gosto delas. E ela disse que por isso ela é obrigada a ficar com os nossos amigos, porque vocês não deixam a gente andar separadas.”

“E de onde ela tirou isso?” Perguntou Darlan, irritado. Encarou Carola, que estava chateada. “Nita, você e a Maju não são grudadas, filha... Se sua irmã quer andar com amigos diferentes, ela pode! Você não precisa ir atrás, está bem?”

“Tá, papai.”

“Quanto as roupas... Se a Maju estragar as dela, ela deve vir e falar com a gente, para comprarmos outra. Você não deve dar as suas, que você trata com zelo, para ela. E nem deixar ela fazer nada do que bem entender, só para não chateá-la. Estamos entendidos?”

“Sim, papai.”

“Bom... Agora coloquem a mesa do jantar, por favor, enquanto eu e sua mãe conversamos.” Pediu, vendo os filhos assentirem e irem para cozinha. Darlan suspirou, puxando a esposa e a abraçando. “Calma.”

“Eu sabia que isso ia acontecer um dia, Dan. Ela... É tudo nossa culpa, culpa do que eu senti quando estava grávida. A Maju é cheia de ódio do mundo, e a culpa disso é minha.” A mulher caiu no choro.

“Claro que não é, meu anjo.” Ele beijou a testa dela, secando suas lágrimas. “A Nita é um poço de amor e bondade, Carola, e também estava na sua barriga, junto com a Maju. Isso, infelizmente, é da natureza dela. Nós não somos os culpados por isso.”

“Nós somos os pais dela, Darlan... Nós... Falhamos.” A mulher disse por fim, se escondendo no peito dele e chorando em silêncio, enquanto ele apenas suspirava e a abraçava.

~*~

Luan estava sentado na escrivaninha, desenhando. Aquele era seu passatempo favorito, desde pequeno, e o jovem Cavalieri levava muito jeito na coisa.

“Luan? Vim pegar seu celular.” Avisou Marlene, entrando no quarto.

“Hã? Ah, acho que está no criado-mudo. Pode pegar.” Ele disse, sem tirar os olhos do desenho.

“Você não faz muita questão do celular, não é?” A mãe acabou rindo, se aproximando do filho e observando o que ele fazia.

“Na verdade, não... Mas vocês insistem em combinar nossos castigos.” O garoto deu de ombros. “Às vezes parece que tenho seis mães e seis pais.”

“Desculpe te desapontar, meu amor, mas só eu e seu pai que fizemos você, e só eu que senti a dor de te colocar para fora.”

“Eca, mãe, isso foi desnecessário.” Reclamou o menino, ainda focado no desenho. Marlene ficou observando mais um tempo, antes de apontar.

“A Luna tem uma pintinha aqui, igual a mãe dela.”

“Mãe...” Resmungou o menino, corando.

“Vai me dizer que não é a Luna?”

“Hã... Você não gosta que eu minta, então vão vou dizer nada.” Os dois riram. “Bom, meu castigo é só ficar sem celular?”

“Eu queria entender porque você entra nessas coisas, Luan... Você é tão tranquilo, filho, e está sempre no olho do furacão.” A mais velha se apoiou na escrivaninha, vendo o filho dar de ombros.

“Não é o que acontecia com você e o papai, mãe? Vocês queriam estar sempre com os seus amigos, e com isso entravam em furadas?” Perguntou o menino, vendo a mãe rir com gosto. “O Eric tem uma imaginação fértil demais, eu preciso colocar freios nele.”

“E tem a Luna também, não é?” A mulher arqueou a sobrancelha.

“Invocou com ela, hã?”

“Luan, você acha mesmo que eu e a sua madrinha não percebemos que tem algo a mais entre vocês, desde sempre?” Perguntou Marlene. “Por que você acha que nós escolhemos o Pablo e a Aline como seus padrinhos?”

“Por que eles são seus amigos?” Testou o mais novo.

“Bom, sim... Mas, também, porque seu pai achou que, sendo afilhado, o Pablo pensaria duas vezes antes de te matar por namorar a Luna.” Confessou a Cavalieri, vendo o filho arregalar os olhos. “Vocês tinham um mês de vida e não podíamos nem sonhar em deixar vocês afastados, que os dois começavam a gritar. Uma vez você estava mamando, morrendo de fome, e eu tive que segurar a Luna no colo, porque você não parava de gritar.”

“Não sei se estou mais envergonhado ou mortificado com essa informação... Mãe, você acaba de me broxar.”

Reclamou Luan, vendo a mãe gargalhar com gosto.

A porta foi aberta de supetão, revelando Junior. O loiro encarava a mulher e o filho, confuso.

“Você não veio aplicar o castigo nele?”

“Acho que fiz isso... Segundo o Luan, acabei de broxar ele.”

“Devo ficar preocupado com o fato da minha esposa estar broxando nosso filho? Aliás, você lá tem idade para broxar, moleque?”

“Ok, essa conversa já foi castigo o bastante.” Luan desligou a luminária, levantando da escrivaninha e indo para a cama. “Eu vou dormir e provavelmente ter pesadelos, em que eu estou mamando e a Luna está me observando.

Obrigado por isso, mamãe, se eu precisar de terapia, você quem vai pagar.”

“Boa noite, meu bem.” Marlene riu, pegando o marido pela mão e saindo do quarto.

“Alguém pode me explicar o que diabos acabou de acontecer?” Pediu Junior, fazendo Marlene rir mais.

~*~

Pablo tinha acabado de colocar Luna na cama, o que não era mais tão fácil, considerando que sua bebezinha já estava virando uma mocinha. Em sua cama, Aline ressonava com Gabe enroscado nela, os dois naquele dengo que era só deles e que o Gandia amava admirar.

E no último quarto do corredor, sua jovem rebelde dedilhava o violão, apesar da hora.

“Hey, pacotinho... Seus irmãos e sua mãe já dormiram, melhor suspender a música.” Colocou a cabeça para dentro do quarto, falando baixo.

“Desculpa, perdi a hora... Fico meio fora de órbita sem celular.” Se desculpou Luna, colocando o instrumento no apoio ao lado da cama. “Já está tarde?”

“Quase 22h, mas acho que nos desacostumamos a ficar acordados até altas horas.” Explicou o pai, vendo-a rir.

“Hã, eu queria falar com você. Podemos?”

“Claro, papai.” A menina se ajeitou melhor na cama, vendo-o sentar no pé da mesma. “Do que se trata?”

“Escuta, filha... Eu sei que eu sou um péssimo exemplo, tenho convicção disso. Sabe, eu aprontei muito, fiz muita merda quando eu era criança, até da sua idade. E chateia muito a sua mãe que você aja da forma como eu agia.”

Conforme ele ia falando, Luna ia ficando indignada.

“Retire o que disse.”

“Como?”

“Sobre você ser um péssimo exemplo. Você é um ótimo exemplo, pai, o melhor que eu conheço! Você se esforça tanto para cuidar de nós quatro, parou de cantar para cuidar da administração da lanchonete quando a Luna era pequena, está tocando tudo quase sozinho desde que o Gabe nasceu... Você é o melhor, pai, sério.” Disse Luna, o abraçando com força.

“Ah, pacotinho...” Pablo fungou, a abraçando.

“Acho que eu já passei do ponto de um pacotinho, pai.”

“Vai continuar sendo meu pacotinho surpresa, para sempre.” Prometeu o mais velho, beijando a testa dela. “Mas eu falo sério, filha... Você e seus amigos precisam começar a se controlar. Vocês já conseguiram me superar em advertências, suspensões e broncas.”

“Eu sei, pai, é só que...” Começou a menina, mas parou, envergonhada. “Deixa quieto.”

“Não deixo nada quieto não... Pode me falar, filha, o que quiser.” Pablo a abraçou pelos ombros, carinhoso.

“É só que eu sinto que, quando honro seu legado de bagunça, eu te deixo orgulhoso. Com alguma coisa, pelo menos.” Ela desabafou, o surpreendendo.

“Como assim, Luna?”

“Ah, pai, eu sei que você ficou louco de alegria quando o Gabe nasceu, né? Mesmo amando eu e a Luna, ele é menino, né? E você sempre quis alguém para andar de skate, jogar bola, fazer essas bagunças de menino. E eu e a Luna não temos jeito para essas coisas, você sabe. Eu só achei que, sendo bagunceira como você foi, eu te deixaria orgulhoso.”

“Luna, olha para mim.” Pablo segurou o rosto dela. “Sabe o que eu disse para a sua mãe, desde o começo da sua gravidez? Que eu queria, mais que tudo, que você fosse menina.”

“É sério?”

“É, muito. Quando a médica disse que você era menina... Nossa, eu quase pulei da cadeira, de tão feliz. Eu queria tanto ter uma filha, tanto! E eu queria porque eu achava que um menino seria tão atentado quanto eu fui, e que uma menina não me daria tanta canseira. Acho que errei no cálculo.” Ele explicou, vendo-a rir. “A verdade é que eu e sua mãe tentado criar você sem rótulos, e com isso acabamos te rotulando. Nós queríamos que você fosse que nem ela, que gosta de coisas de menino, e acabamos nos frustrando de ver que você não era.”

“Acho que todo o pai se frustra um pouco, não é?”

“É, isso é... Nós sempre imaginamos algo que queremos, mas esquecemos que quem decide são vocês.” Pablo sorriu, beijando a testa da filha. “Eu tenho muito orgulho de quem você é, Luna, e de tudo o que você faz... Mas você pode tentar me deixar menos de cabelo em pé, né? Nessa idade, eu to começando a ficar calvo já.”

“Continua muito gato, papai.” A menina o abraçou, rindo. “Acho que depois de hoje, todos nós vamos tentar nos comportar melhor.”

“Assim espero... Viu, quer comer um pouco de sorvete? Tem na geladeira.” Convidou o pai, vendo a filha sorrir.

“Vamos logo.”

Os dois foram para a cozinha em silêncio, sentando logo na bancada e atacando o sorvete ainda no pote de plástico.

“Pai?”

“Fala, pacotinho?”

“Me ocorreu uma coisa esses dias... Por que todos os nossos nomes têm quatro letras?” Perguntou Luna, curiosa.

“Digo, eu lembro que o Nico ia chamar Nicolas, a Lily ia chamar Lilian, e a Bina ia ser Rebeca. E quando a mamãe estava grávida do Gabe, vocês escolheram Gabriel. Mas, na hora de registrar e de chamar, ficou o apelido.”

“Bom, nós todos sabíamos que, mesmo se colocássemos o nome completo, o que ia prevalecer era o apelido.”

Explicou Pablo, vendo a filha assentir. “E, no final... Todos nós decidimos que amor deveria continuar tendo quatro letras... Não importando qual fosse a forma que ele tomasse."

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