Capítulo 4: A Tempestade

Ryan demorou pelo menos meia hora em uma única página. Ele não estava conseguindo se concentrar de nenhuma forma. Achar as palavras em espanhol que eles ainda não conheciam era fácil, o problema estava em saber o que escrever. Em conseguir tirar toda a cena recente com Naomi da mente, inclusive seu jeito de rir. Mesmo com ela ao seu lado praticamente, ele buscava a imagem dela sorrindo, só pra sentir o coração palpitar de novo. 

E quando olhava para o lado, lá estava ela, lindamente concentrada no que estava fazendo, como se o mundo tivesse parado, o frio não fosse tão frio, o céu não fosse tão escuro, o tempo não fosse o tempo, e restasse apenas os olhos brilhantes e cabelos esverdeados próximo a ele, com a cabeça baixa e a concentração ao máximo.

— Vai escrever ou não? Não ouço o barulho das teclas.

Ele olhou pra tela e coçou a nuca, levemente constrangido.

— Eu não estou conseguindo. Seu mistério está me matando. Eu não consigo entender porque me odeia tanto.

— Garoto, eu não odeio você. Eu tenho meus problemas e um homem atraente e sexy não pode entrar no meio deles, entendeu?

— Eu sou atraente e sexy? 

Um canto dos lábios dele se ergueu. Ela revirou os olhos e levantou, sentindo suas bochechas corarem, mas ignorando-as. Tirou ele do lugar e sentou, retomando de onde parou.

— Vai fazer sozinha?

— O que acha?

— Mas eu preciso do ponto e...

— Por acaso eu disse que iria tirar seu nome?

— Pero¹...

— Mas nada, senta aí e me ajuda a procurar algumas palavras, ok?

Steve sentou, ainda sem entender muita coisa, e ajudou quando ela pediu. Não fez mais perguntas e isso ajudou a acalmar Naomi. Ela estava falando mais do que deveria e isso tornava tudo mais perigoso. 

Queria gostar dele. Daquele garoto de sorriso confiante, olhar penetrante e cabelos aparentemente macios, mas não podia. Naomi tinha tido seu destino traçado há muito tempo e, nada iria quebrar o que já estava escrito. Nada que ela soubesse ainda, pois não desistira de ser livre das garras de Andrew.

Pouco depois ela enfim terminou. Na história, Melissa e George tiveram um final caliente, como sugerira Steve, mas Naomi sabia, se ele estava pensando que a vida real iria seguir o rumo daquela história, ele conhecia muito pouco da realidade. Finais felizes em histórias reais são quase inexistentes, e apenas para pessoas boas. Naomi ainda não sabia se era uma boa pessoa. Provável que não. Se fosse, não o trataria assim. Mas o que ela podia fazer? Fingir que não era fodida por dentro? Que seu passado tinha sido um terrível e doloroso pesadelo? 

O que ela viveu a transformou na mulher que ela era. As escolhas de outra pessoa afetaram a vida e a personalidade de Naomi. Aquela que nascera para ser o símbolo de uma grande história de amor, acabou se tornando a protagonista de uma história de terror.

— Bom, terminamos. 

Disse ela, por fim. Os pensamentos ainda se espalhando, mas tentando manter o equilíbrio.

— Acho que finalmente vai se livrar de mim.

Naomi identificou o pesar na voz dele e suspirou. Não gostava do que ele pensava sobre ela. Em geral ela não se importava, mas com ele era diferente. Ela gostaria de esclarecer tudo. Contar-lhe cada dor e ferida que ainda habitava seu peito e seu corpo. Mas não podia. Aquilo o colocaria em um perigo do qual ele nem conhecia a existência.

— Um dia você vai entender que sermos amigos é impossível. Mas quem sabe bons colegas? O tempo vai dizer. É melhor ir, vai se atrasar.

— Com esse tempo? 

Ele estava com a mochila nas costas e olhando para a enorme janela de vidro do quarto. A chuva não apenas estava mais forte, como também os ventos derrubavam árvores e os raios iluminavam o céu escuro. Ainda não estava nem no meio do dia e a escuridão dominava Bristol.

— Meu motorista deve poder levá-lo, vamos.

Eles não escutavam nada, apenas viam. As paredes eram revestidas e a prova de som. Era como assistir a uma tempestade no mudo.

Naomi desceu as escadas e encontrou o motorista conversando com uma empregada.

— Jerry, pode levá-lo para mim? 

O homem parou a conversa e se virou para Naomi.

— Desculpe senhora, mas a ordem da polícia é que ninguém saía de casa pelas próximas vinte e quatro horas. Telefonei para o senhor Andrew e ele informou que dormirá no escritório devido ao terrível tempo.

— Espera, seu pai é Andrew Noah?

— Agora não Ryan.

Ela olhou pra ele e voltou para Jerry, com uma expressão confusa.

— Está tão ruim assim? 

— Sim senhorita. Esses meses de inverno são os mais terríveis por aqui. 

— É, eu sei.

Ela bufou e virou-se.

— E agora? 

— Parece que não vai poder se livrar de mim.

— Deixa de ser egocêntrico. Estou falando do seu trabalho, dos seus irmãos. Quer dizer, você não pode dormir aqui.

— Andou mesmo me pesquisando? Eu estou começando a querer fazer o mesmo. Andrew Noah, não é? O que será que deve ter dele em? Muitas fofocas e intrigas? Mulheres? Aliás, aonde está a senhora Noah? 

O corpo de Naomi paralisou automaticamente. Cada segundo deixou sua respiração mais lenta. Seu rosto se assombrou de uma expressão dura e sombria. Ela queria socá-lo por seu atrevimento.

Mas o que adiantaria? Era engraçado porque, justo quando estava tentando ser legal, as coisas não ficavam a seu favor. E era por isso que ela não era amistosa. Ser boazinha tinha um preço muito elevado. 

— Lucy James está morta há 16 anos. 

Steve abriu a boca, mas Naomi se virou para o motorista.

— Peça para uma empregada providenciar um quarto de hóspedes pra ele e tudo mais. E por favor, não precisa falar com Andrew, eu mesmo o informo do que está acontecendo. 

— Sim senhorita. Algo mais?

— Não Jerry, vá descansar. Fique a postos para quando o temporal passar levar o senhor Blackthorn para casa. 

— Sim senhora. 

Ele se retirou. Naomi se virou para Steve e passou por ele, subindo novamente as escadas.

— Naomi! Espere. 

Ele a seguiu. Ela andou em passos apressados até o quarto. Fazia tanto tempo que não mencionava o nome de sua mãe que sentira uma dor intensa no peito, com as lembranças arrecatadas.

— Naomi, por favor, espere! 

Ele correu um pouco e chegou antes dela abrir a porta do quarto. Uma lágrima iluminava o rosto dela. 

Steve sentiu seu coração contrair dentro do peito. Tudo parecia ter paralisado naquele instante. Tinha feito a muralha em pessoa chorar? Com uma pergunta tão simples ele a magoara inimaginavelmente. E Steve sentia-se culpado por causar esta dor. 

— Me desculpe, eu não sabia.

— Por favor, saía.

— Naomi, me desculpe, por favor? Eu não quero mal entendido entre nós e muito menos machucá-la.

— Apenas saía Steve.

— Naomi... 

Ele levantou a mão para secar a lágrima dela, porém Naomi se esquivou e entrou no quarto, se trancando. Ela respirou fundo, limpou a lágrima e piscou rapidamente. Não iria chorar. Lembranças não deviam machucar. Não como machucava.

Ela deslizou pela porta e agarrou seus joelhos. Fazia tanto tempo que seu rosto não conhecia o calor das lágrimas e seu coração a dor aguda que as memórias causavam.

Ela tinha apenas sete anos e quase não se lembrava daquela época, mas as poucas memórias que tinha era suficiente para deixá-la inquieta e com uma enorme ferida aberta.

Depois de dois anos ela começou a viver o inferno dentro de sua própria casa. E tudo mudou desde então.

Steve foi levado pela empregada até o quarto de hóspedes, que não ficava longe do quarto de Naomi. Ele agradeceu e se instalou. O local era maior do que o quarto dele e de seus irmãos juntos. Tinha uma enorme cama de casal, um guarda roupa e banheiro próprio. Uma verdadeira suíte.

Mas para ele isso era apenas meros detalhes, tudo que houve nas últimas horas era o que importava. Os acontecimentos e a mistura de sentimentos eram o que realmente lhe perturbava.

Ver Naomi daquela forma mexeu com cada parte do corpo dele. E agora ele precisava fazer alguma coisa que pudesse diminuir a dor dela. Se isso fosse possível. Já que uma simples menção ao nome de sua mãe, depois de tanto tempo, ainda mexia com ela de tal forma.

Entretanto, para a sorte dela, Steve estava disposto a superar mais esse pequeno desafio, para com sorte, vê-la sorrindo e melhor, exatamente como ver o sol brilhar depois de uma tempestade.

¹ Mas

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