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LEMBRANÇAS DOLOROSAS

Marrento

— Antônio, já acabou as suas tarefas? — Minha mãe perguntou carinhosamente. Faço um sim com a cabeça e começo a guardar os meus materiais. — Ótimo, querido! — Ela sorri. — O seu pai já chegou, vá encontrá-lo e avise-o que o jantar será servido em alguns minutos.

— Está bem, mamãe! — Ansioso para vê-lo, saio correndo pela casa e o encontro sentado no sofá de vime, com algumas almofadas grandes e florais que fica em um canto da  da sala. Assim que me vir ele sorri e larga tudo, abrindo os seus braços para mim. Papai passa o dia inteiro fora de casa e a minha mãe sempre diz que o trabalho dele é muito perigoso, por isso eu nunca irei visitá-lo em seu trabalho. Preenchido de alegria eu corro na sua direção e pulo nos seus braços, recebendo muitos beijos seus. O som da sua risada me faz rir e logo que me coloca de volta no chão ele me olha com orgulho.

— O que o meu garoto fez hoje na escola? — pergunta agitando os meus cabelos com as pontas dos seus dedos e animado, começo a relatar os meus feitos. Entretanto, paro de falar quando a porta da sala se abre com extrema violência e um homem muito bem-vestido passa por ela. Seus olhos refletem a maldade e encaram o meu pai, depois a mim e a cicatriz que risca a sua face me causa medo.

— Vai lá para dentro, filho e encontre a sua mãe! — Papai ordena com um tom baixo. Ele parece tão nervoso quanto eu. Eu deveria ter lhe obedecido, devia ter corrido para longe dali e encontrar a minha mãe como me pediu, mas não fui. Eu precisava ter certeza de ele ficaria bem, por tanto, me escondi atrás de uma cortina grossa próxima a entrada do cômodo, mas não consigo ver muita coisa. Eles iniciam uma conversa a aparentemente calma, porém, dá pra sentir a tensão em cada palavra.

— O que faz aqui, Cicatriz? — Meu pai pergunta irritado.

— Casa bonita, Alexandre! Elegante… eu gostei dela!

— Saia da minha casa, agora! — Ele pede com um tom firme, mas o homem parece não se importar com as palavras rudes.

— Você não manda mais em nada aqui, Alexandre — rebate calmamente, mas o meu pai ri.

— Não seja idiota, Cicatriz! — Papai fala intimidante, mas o som alto da sua risada me faz estremecer.

— Só para você saber, Alexandre, os seus homens estão todos mortos lá fora e como ver, você está sozinho. Vê algum segurança por aqui para te ajudar? — Um silêncio toma conta do lugar por um curto espaço de tempo.

— O que você quer? — Percebo a raiva nas palavras que saem da boca de meu pai.

— O seu poder, a sua fonte, os seus lucros. Eu quero tudo que você tem!

— Leve o que quiser, Cicatriz. Só deixe a minha família em paz e tudo será seu. — Ele volta a rir.

— Não é bem assim que as coisas funcionam, Alexandre. Você sabe disso, não é? —  Escuto o som da sua respiração alta.

— O que quer dizer com isso?

— Que só pode haver um rei nesse lugar. E para que outro rei venha dominar o primeiro precisa morrer. — Eles fazem silêncio por uns poucos instantes e o meu coração dispara forte quando ouço a voz da minha mãe dentro da sala.

— O que está acontecendo aqui? — Ela parece nervosa e... agitada. — Alexandre, eu já disse que não quero… 

— Vai lá para dentro, Laura! — Meu pai a interrompe duro e áspero.

— Linda esposa, Alexandre! — Cicatriz diz audacioso.

— Laura, vai agora! — Ele ordena mais alto e logo escuto o som dos saltos altos ecoarem rápido pelo piso de madeira. — Se quer me matar, faça isso longe da minha casa e da família, Cicatriz. Peço que poupe o meu filho e a minha esposa. — Ele suplicou e eu fechei as minhas mãos em punho.

— Faremos da seguinte maneira, Alexandre. Eu mato você primeiro, depois mato a gostosa da sua mulher e faço do seu filho o meu cachorrinho de estimação. — Ele riu alto outra vez e os seus homens o acompanham.

— Não se atreva! — Meu pai esbravejou entre dentes e antes que ele terminasse de falar escutei dois tiros dentro do cômodo. Amedrontado, fechei os meus olhos bem apertados e levei as minhas mãos aos meus ouvidos.

— Tragam-na para mim! — Cicatriz ordenou e eu senti o meu coração disparar forte no meu peito. Em seguida escutei os passos firmes saindo da sala e logo depois a minha mãe começou a gritar pedindo que a soltassem e chamando pelo meu pai. Ela foi levada para a sala e mais dois tiros ecoaram pela casa inteira. O silêncio reinou logo em seguida e eu comecei a chorar baixinho. — Encontrem o garoto! — Ele voltou a ordenar e apavorado saí correndo do meu esconderijo e fui apressado para as escadas.

— Ali! — Um deles gritou e antes que eu alcançasse os primeiros degraus eles me alcançaram. Gritei feito louco, me debati tentando me soltar, mas era inútil, eu sou pequeno demais. Os homens me soltaram diante do homem com a cicatriz no rosto e inevitavelmente olhei para o meu pai caído no chão. Um tiro no peito e outro na cabeça. O seu corpo estava caído em uma grande poça de sangue e imediatamente me apavorei. Contudo, o traficante se agachou bem na minha frente, segurou o meu rosto com as suas mãos e me fez olhá-lo nos olhos.

— Você vai me servir muito, garoto! — falou baixo, porém firme e sorriu. Eu me afastei dele e o encarei enraivecido.

— EU ODEIO VOCÊ! — gritei, mas ele apenas riu de mim.

— Marrento ele, não é? Taí. Vou te chamar de Marrento!

Abro os meus olhos puxando o ar com força e no mesmo instante sinto o meu peito doer com a opressão. Apavorado, olho para todos os lados e me dou conta de que estou em um hospital. Tento me acalmar e forço a minha mente a lembrar como eu vim parar aqui.

 — Seja bem-vindo de volta, senhor Fox! — Uma enfermeira diz sorridente e entrando no quarto. Caralho, do que ela me chamou? Indago internamente. — O senhor ficou desacordado por duas semanas inteiras. Como está se sentindo? — Ela pergunta enquanto verifica os aparelhos.

— Com sede! — falo com dificuldade. Sinto-me fraco e sonolento. Droga, o que está acontecendo comigo?! Em resposta, a enfermeira sorri para mim.

— Eu vou chamar o médico. Ele irá avaliá-lo e só então saberei o que lhe dar, ok? — informa, se afastando.

Volto a fechar os olhos e torno a abri-los encarando o teto branco na minha frente. Lembranças do aeroporto preenchem a minha mente com força. Jasmine entregou uma pasta cheia de dinheiro para o Cicatriz. Tinha um jatinho particular pronto para a nossa fuga e depois, ela fugiu para longe de nós dois... para longe de mim. Merda, ele ia atirar na própria filha! Filho da puta! Ele ia matar a Jasmine bem na minha frente! Lembro-me de entrar em uma luta corporal com o meu algoz tentando tomar a arma das suas mãos, então escutei o disparo, o meu peito começou a queimar como o inferno e cambaleei para trás. Cicatriz me olhou nos olhos e desferiu outro disparo, mas esse acertou o meu braço. Puxo a respiração com dificuldade e olho ao meu redor. Não sei quanto tempo se passou, mas logo pude ouvir as sirenes. Muitas delas. Lembro-me de olhar para trás e ver a minha princesa subir na moto, e ir embora com ele. Ela parecia feliz nos seus braços.

...

O movimento da pista do aeroporto tornou-se considerável. Muitas pessoas corriam apavoradas por conta dos tiros, malas estavam caídas por todos os lados e os policiais já começam a invadir o local. Cicatriz foi obrigado a baixar a arma e saiu correndo, misturando-se na multidão e eu me forcei a levantar do chão, e me arrastei para a lateral de um carro. Alguns disparos foram efetuados e vi alguns dos meus amigos serem presos. respirei fundo e com dificuldade e procurei uma saída. Vi algumas pessoas embarcando em um avião a uns três metros de onde estávamos e ali estava a minha grande chance. Ainda abaixado, puxei a pequena maleta caída no chão para perto de mim e me arrastei para o outro lado. Assim que alcancei uma distância segura, ergui o meu corpo e procurei andar normalmente para não chamar a atenção. Em um carrinho cheio de malas encontrei um boné e uma camisa com a logo do aeroporto. Vesti-me discretamente e me misturei as pessoas, saindo dali imediatamente.

...

— Bom dia, senhor Alex Fox! — O médico diz assim que entra no quarto. E, porra, por que eles estão me chamando assim?! — Como está se sentindo? —  Ele pergunta com seu tom profissional.

— O meu peito dói muito e eu não consigo respirar direito. Como… como eu vim parar aqui?

— Não se lembra do que aconteceu, senhor Fox? — Fox, Alex, mas, que droga é essa?!

— Não.

— O senhor estava em um avião e um dos passageiros estava armado. E ele… — O encarei perdido. Não foi isso que aconteceu realmente. Penso, mas não falo nada.

— Ele atirou em mim. — Completo a sua frase. Não sei de onde ele tirou essa história tão maluca, mas isso vai me ajudar e muito a sair daqui sem nenhum problema.

— Foi o que nos disseram, senhor Fox. Não entendemos bem como tudo aconteceu.

— Estou com sede — repito.

— Claro! A enfermeira lhe dará um pouco de água, mas não pode exagerar ainda. O senhor levou dois tiros e perdeu muito sangue. É normal que se sinta fraco por um tempo. E não se preocupe coma a perda de memória, logo tudo fará sentido. — Apenas aceno com a cabeça e o observo sair do quarto.

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