Logo, ignorei todos e me recolhi no sótão, aquele pequeno espaço que me pertencia, para tratar sozinha os meus ferimentos.
Depois de terminar tudo, deitei-me na cama, encarando em silêncio o céu noturno manchado de escuridão profunda.
"Tudo o que eu queria era que o tempo acelerasse…
Mal podia esperar para fugir de uma vez por todas desta família fria e sem coração."
Nos três dias seguintes, a família Blackwood mergulhou com entusiasmo nos preparativos para a festa de alta de Sera, que também celebraria sua nomeação oficial como curandeira da alcateia.
O carinho do meu pai por ela era tão grande que ele não apenas expressou o desejo de adotá-la oficialmente, como também declarou que ela era infinitamente superior à própria filha.
Em contrapartida, durante toda a minha vida, minha família jamais participou de nenhum dos meus marcos: nem na minha formação, nem no trabalho, nem mesmo na minha primeira transformação. Desde que minha mãe morreu, suportei todos esses momentos importantes completamente sozinha.
No dia da festa de celebração de Sera, meu pai vestiu pela primeira vez, em anos, um terno feito sob medida.
Demonstrando o quanto considerava aquela ocasião especial.
Ainda assim, ninguém pareceu se lembrar de que os méritos de Sera vinham, na verdade, dos resultados da minha pesquisa.
Já que nenhum convite me foi enviado.
Era como se todos tivessem esquecido que eu ainda existia naquela casa.
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Pouco antes de saírem, Sera bateu na porta do sótão.
No entanto, seu rosto já não exibia a doçura ou timidez habituais.
— Aria Blackwood, ajoelhe-se e implore.
— Quem sabe assim eu consiga convencer o papai a te perdoar.
Ao ver minha completa apatia, o sorriso verdadeiro escapou de seus lábios.
— Você é melhor do que eu em tudo, menos em uma coisa: nunca aprendeu a bajular as pessoas certas.
— Por isso só consegue assistir, impotente, enquanto seu companheiro, sua família e até seus méritos são todos arrancados de você pelas minhas mãos.
— Sabe o que me intriga de verdade? É o fato de você ainda não ter se matado. Qual o propósito de continuar existindo, se tudo o que faz é rastejar como uma vira-lata? Hahahaha…
Sera ainda disse muitas outras coisas depois daquilo.
Sem demonstrar qualquer receio de que eu contasse a alguém.
Afinal, era como se dizia o ditado: "A corda sempre arrebenta para o lado mais fraco."
Ela tinha plena consciência de que, independentemente do que eu dissesse, ninguém acreditaria em mim, por isso permaneceu tranquila.
E só se retirou quando Ethan apareceu para chamá-la para a festa.
Assim que Sera partiu, estendi a mão debaixo da cama e puxei um dispositivo de gravação ainda ligado.
Logo, toquei suavemente o botão de "Parar gravação".
Já que aquele também marcava o dia da minha partida daquela cidade.
Antes de partir, queria que a família Blackwood visse, com os próprios olhos, o tipo de flor venenosa que haviam cultivado.
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Meia hora mais tarde, o carro enviado para minha missão de pesquisa secreta finalmente chegou.
E ao ver que eu carregava apenas o retrato da minha mãe, o motorista ficou visivelmente confuso:
— Precisamos sair agora. Tem certeza de que não vai levar nenhuma outra bagagem?
— Não é necessário.
Apertei o retrato contra o peito e balancei a cabeça.
Além daquilo que carregava nos braços, não havia mais nada que eu quisesse levar comigo.
Ao chegar ao aeroporto, sentei na sala de espera e, por um instante, permiti-me contemplar a luz quente do sol atravessando as janelas.
Visto que aquela cena marcava o início do meu renascimento.
Foi então que Damien ligou.
No dia anterior, ele havia retornado ao salão do leilão para verificar as gravações das câmeras de segurança.
Só então percebeu que Sera havia perdido o equilíbrio por conta própria, e que eu não tivera qualquer envolvimento.
— Depois da festa, gostaria que a gente conversasse, porque entendi que fui duro demais com você e quero me desculpar por isso.
— Ah, e me desculpa por ter esquecido do seu aniversário. Eu estava ocupado demais e acabei não lembrando. Mas vou compensar dessa vez, até porque já comprei o seu presente.
Embora ele pedisse desculpas, sua voz não carregava nenhum sinal de verdadeiro arrependimento.
Isso porque ele ainda tinha certeza de que eu aceitaria tudo sem hesitação.
Na cabeça dele, como sempre, bastaria me agradar um pouco para que eu voltasse correndo.
Só que, agora, as coisas haviam mudado.
Logo, o silêncio que se formou do outro lado da linha começou a deixá-lo nervoso.
Até o momento em que o anúncio de embarque ecoou pelo terminal.
Fazendo com que o pânico tomasse conta da voz de Damien:
— Espera, que som foi esse? Onde você está agora?
Com isso, encerrei a ligação, joguei o celular no lixo e bloqueei permanentemente a ligação mental com Damien e minha família.
Pois a pessoa que eu me tornara não seria mais tocada por afeto falso.
Fosse meu pai, meu irmão ou meu antigo amor de infância... Eu não queria ver nenhum deles nunca mais.
Com esse pensamento, dei o primeiro passo.
E me lancei em um caminho sem volta.