Capítulo 2
A minha loba não dormia direito desde que o vínculo entre companheiros começou a se desfazer. Ainda assim, tentei fingir. Eu realmente tentei. Olhos fechados, respiração lenta, minha loba encolhida como um filhote no canto da minha mente. Mas quando o colchão cedeu e um calor familiar pressionou minhas costas, soube que o jogo havia acabado.

Braços deslizaram ao redor da minha cintura, e Alfa Martin — meu chamado companheiro, aquele que costumava fazer minha loba ronronar — roçou meu cabelo como se tudo estivesse perfeito.

— Simona. — Murmurou, com voz de veludo e culpa. — Por que você ainda não está dormindo? Está brava comigo por eu ter perdido seu aniversário hoje?

— Estou com um pouco de dor de cabeça. Não consigo pegar no sono. — Murmurei.

Ele tensionou ligeiramente. Depois de seis anos juntos, ele já conseguia farejar minhas mentiras. Mas ele fingiu, talvez para acalmar sua própria consciência.

— Dor de cabeça de novo? — Perguntou suavemente, colocando os dedos nas minhas têmporas. — Deixe-me ajudar. Ele começou a massagear suavemente, e eu odiava o quanto aquilo era bom. Odiava ainda mais que o cheiro de gardênia que ele carregava fizesse minha loba espirrar dentro da minha cabeça.

Eu não conseguia mais sentir nosso vínculo de companheiros nele .

O aroma de rosa e chocolate que antes me deixava louca de desejo havia desaparecido completamente.

Soube que, há apenas alguns dias, Alfa Martin havia feito um perfume sob medida — ele pediu algo doce, com uma nota de gardênia, sem ser enjoativo.

Mas eu era alérgica à flor favorita da nova companheira do meu companheiro.

— Martin. — Disse, afastando sua mão enquanto minha pele começava a coçar. Enrolei-me firmemente no cobertor, me protegendo do cheiro. — Estou bem. Vá descansar.

Ele se afastou.

— Simona, você está realmente brava comigo por eu ter perdido seu aniversário?

— Estou apenas cansada. — Disse. — Não pense demais. Você sabe que eu te amo.

Ele me olhou como se eu fosse sua salvação. Como se eu ainda importasse.

— Eu também te amo. — Sussurrou, e então puxou uma pequena caixinha de veludo do bolso.

Dentro havia uma pulseira de safira, brilhando sob a luz da lua. Ele a prendeu no meu pulso como se fosse uma promessa, e não uma tentativa de suborno.

— Houve um evento importante na alcateia hoje. — Disse. — Eu não podia perder.

Ele se referia à celebração. Aquela em que todos brindaram a ele e à Luna Yvonne.

Minha loba rosnou baixinho, mas eu a mantive sob controle.

Quase.

— Certo. — Murmurei. — Não se pode perder uma coroação pública. Ele não percebeu o veneno nas minhas palavras. Ao invés disso, inclinou-se, deixando beijos descerem pelo meu pescoço, a mão roçando a cicatriz na minha barriga.

— Simona. — Sussurrou. — Vamos ter um filhote. O sangue fugiu do meu rosto, deixando-me pálida.

Ele percebeu o erro tarde demais.

Claro que ele esqueceu.

Cinco anos atrás, Martin quase foi despedaçado por lobos renegados. Eu liderei a retaliação. Mudei de forma no meio da corrida, conduzindo os guerreiros da Alcateia da Coroa Sombria para a batalha. Encontrei-o sangrando sob uma parede desmoronada, a adaga de prata de um lobo renegado erguida sobre seu peito.

Não hesitei. Mergulhei à sua frente.

A lâmina não atingiu seu coração, mas destruiu meu útero.

Nenhuma transformação poderia curá-lo. Nenhuma magia de lobo. Nem mesmo a Deusa da Lua poderia reverter o preço que paguei para salvá-lo.

Eu não podia ter filhotes. Pelo menos, não do jeito natural.

Mas eu me preparei. Congelei meus óvulos anos atrás — quando Martin ainda me trazia flores silvestres e fazia meu coração disparar.

E agora?

Agora ele beijava a cicatriz com reverência, sussurrando:

— Ter você é suficiente.

Mentiroso!

Minutos depois, ele adormeceu. Sua respiração desacelerou. Seu abraço em mim se afrouxou.

Cuidadosamente, peguei seu telefone e o desbloqueei.

O código ainda era o meu aniversário. A tela acendeu, e lá estava eu. Tela de bloqueio. PIN de conversa. Foto de perfil.

Todos sempre diziam que Alfa Martin me adorava como se eu fosse a própria Deusa da Lua.

Pois é. Aparentemente, agora, ele rezava em dois altares.

Abri o seu álbum de fotos privadas.

Minha loba soltou um rosnado baixo assim que a primeira imagem carregou.

Martin e Yvonne estavam rindo, trocando um beijo apaixonado enquanto se abraçavam.

Eu deslizava pelas fotos como se me esfaqueasse a cada movimento.

[Martin, o filhote e eu sentimos sua falta.]

Dizia a última mensagem de Yvonne.

Três meses de gravidez. E ela já havia reivindicado minha coroa de Luna antes mesmo do bebê ter garras.

Devolvi o telefone, me enrolei nos cobertores e virei as costas para ele.

Então, reservei uma passagem para o encontro das bruxas.

Já que o vínculo de companheiros foi quebrado, era hora de eu reivindicar o que é meu.
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