A minha loba não dormia direito desde que o vínculo entre companheiros começou a se desfazer. Ainda assim, tentei fingir. Eu realmente tentei. Olhos fechados, respiração lenta, minha loba encolhida como um filhote no canto da minha mente. Mas quando o colchão cedeu e um calor familiar pressionou minhas costas, soube que o jogo havia acabado.
Braços deslizaram ao redor da minha cintura, e Alfa Martin — meu chamado companheiro, aquele que costumava fazer minha loba ronronar — roçou meu cabelo como se tudo estivesse perfeito.
— Simona. — Murmurou, com voz de veludo e culpa. — Por que você ainda não está dormindo? Está brava comigo por eu ter perdido seu aniversário hoje?
— Estou com um pouco de dor de cabeça. Não consigo pegar no sono. — Murmurei.
Ele tensionou ligeiramente. Depois de seis anos juntos, ele já conseguia farejar minhas mentiras. Mas ele fingiu, talvez para acalmar sua própria consciência.
— Dor de cabeça de novo? — Perguntou suavemente, colocando os dedos nas minhas têmporas. — Deixe-me ajudar. Ele começou a massagear suavemente, e eu odiava o quanto aquilo era bom. Odiava ainda mais que o cheiro de gardênia que ele carregava fizesse minha loba espirrar dentro da minha cabeça.
Eu não conseguia mais sentir nosso vínculo de companheiros nele .
O aroma de rosa e chocolate que antes me deixava louca de desejo havia desaparecido completamente.
Soube que, há apenas alguns dias, Alfa Martin havia feito um perfume sob medida — ele pediu algo doce, com uma nota de gardênia, sem ser enjoativo.
Mas eu era alérgica à flor favorita da nova companheira do meu companheiro.
— Martin. — Disse, afastando sua mão enquanto minha pele começava a coçar. Enrolei-me firmemente no cobertor, me protegendo do cheiro. — Estou bem. Vá descansar.
Ele se afastou.
— Simona, você está realmente brava comigo por eu ter perdido seu aniversário?
— Estou apenas cansada. — Disse. — Não pense demais. Você sabe que eu te amo.
Ele me olhou como se eu fosse sua salvação. Como se eu ainda importasse.
— Eu também te amo. — Sussurrou, e então puxou uma pequena caixinha de veludo do bolso.
Dentro havia uma pulseira de safira, brilhando sob a luz da lua. Ele a prendeu no meu pulso como se fosse uma promessa, e não uma tentativa de suborno.
— Houve um evento importante na alcateia hoje. — Disse. — Eu não podia perder.
Ele se referia à celebração. Aquela em que todos brindaram a ele e à Luna Yvonne.
Minha loba rosnou baixinho, mas eu a mantive sob controle.
Quase.
— Certo. — Murmurei. — Não se pode perder uma coroação pública. Ele não percebeu o veneno nas minhas palavras. Ao invés disso, inclinou-se, deixando beijos descerem pelo meu pescoço, a mão roçando a cicatriz na minha barriga.
— Simona. — Sussurrou. — Vamos ter um filhote. O sangue fugiu do meu rosto, deixando-me pálida.
Ele percebeu o erro tarde demais.
Claro que ele esqueceu.
Cinco anos atrás, Martin quase foi despedaçado por lobos renegados. Eu liderei a retaliação. Mudei de forma no meio da corrida, conduzindo os guerreiros da Alcateia da Coroa Sombria para a batalha. Encontrei-o sangrando sob uma parede desmoronada, a adaga de prata de um lobo renegado erguida sobre seu peito.
Não hesitei. Mergulhei à sua frente.
A lâmina não atingiu seu coração, mas destruiu meu útero.
Nenhuma transformação poderia curá-lo. Nenhuma magia de lobo. Nem mesmo a Deusa da Lua poderia reverter o preço que paguei para salvá-lo.
Eu não podia ter filhotes. Pelo menos, não do jeito natural.
Mas eu me preparei. Congelei meus óvulos anos atrás — quando Martin ainda me trazia flores silvestres e fazia meu coração disparar.
E agora?
Agora ele beijava a cicatriz com reverência, sussurrando:
— Ter você é suficiente.
Mentiroso!
Minutos depois, ele adormeceu. Sua respiração desacelerou. Seu abraço em mim se afrouxou.
Cuidadosamente, peguei seu telefone e o desbloqueei.
O código ainda era o meu aniversário. A tela acendeu, e lá estava eu. Tela de bloqueio. PIN de conversa. Foto de perfil.
Todos sempre diziam que Alfa Martin me adorava como se eu fosse a própria Deusa da Lua.
Pois é. Aparentemente, agora, ele rezava em dois altares.
Abri o seu álbum de fotos privadas.
Minha loba soltou um rosnado baixo assim que a primeira imagem carregou.
Martin e Yvonne estavam rindo, trocando um beijo apaixonado enquanto se abraçavam.
Eu deslizava pelas fotos como se me esfaqueasse a cada movimento.
[Martin, o filhote e eu sentimos sua falta.]
Dizia a última mensagem de Yvonne.
Três meses de gravidez. E ela já havia reivindicado minha coroa de Luna antes mesmo do bebê ter garras.
Devolvi o telefone, me enrolei nos cobertores e virei as costas para ele.
Então, reservei uma passagem para o encontro das bruxas.
Já que o vínculo de companheiros foi quebrado, era hora de eu reivindicar o que é meu.