Capítulo 2

Donna havia chego no quarto já fazia algumas horas, o sono parecia querer puxar ela para a cama, mas algo a impedia de relaxar. Talvez fosse o receio de ser acordada por gemidos, ou, como da última vez, ter um casal quase transando em cima dela. Só o pensamento fez com que a garota levantasse rapidamente e fosse verificar a porta novamente. Seria humilhante cometer o mesmo erro duas vezes.

Se jogando na cama e virando o rosto para a janela, a platinada olhou para as luzes que estavam ao longe, piscando em azul, vermelho e amarelo, talvez Jackson estivesse lá dançando ou bebendo, ela não costumava acreditar muito nas palavras do punk. Normalmente ele dizia que estava cansado, mas, milagrosamente, o mesmo aparecia nas fotos dos eventos. A garota poderia se vestir e tentar socializar junto do amigo, dançar e beber um pouco para esquecer como o bimestre havia sido um saco, entretanto, da última vez em que Belladonna e Jackson estiveram sozinhos com uma garrafa, uma desgraça aconteceu. Definitivamente ela não confiava em si mesma.

O som do próprio estômago a fez voltar para o dormitório, naquele momento ela se lembrou de porque estava achando estranho estar usando pijama e tênis. A garota iria sair para comprar alguma coisa para comer, a carteira cor de rosa ainda estava em cima da mesinha de cabeceira para isso. Dando um tapa na própria testa, Donna se levantou e colocou uma jaqueta enquanto saía do quarto.

O lugar estava mais vazio do que horas antes. O barulho da festa estava um pouquinho mais alto e o vento mais gelado, a ideia da jaqueta foi muito bem recebida. Ela caçou entre os bolsos seus preciosos fones, tirou a mão de um carregando um pedaço do que seria um fone. Sussurrando um palavrão, a garota foi andando em direção a lixeira para jogar os restos mortais. Pelo menos o dinheiro que sua tia mandava mensalmente estava próximo de ser depositado e iria poder comprar algumas porcarias, entre elas parte do material necessário para sobreviver as aulas até o fim do ano letivo.

Não era como se ela odiasse a faculdade, na verdade tinha uma extrema aversão às pessoas de sua classe. Rochelle era a primeira delas a quem os sentimentos ruins eram direcionados, desde o primeiro dia a garota vinha sido um pé no saco chato pra caramba. Ainda mais com o prazer sádico que a morena tinha em transformar a vida de Donna em um inferno, insistia de uma forma absurda para estar nos mesmos grupos de trabalho que ela, chegou até uma época que começou a discutir consigo mesma se a mulher havia se apaixonado. Sendo bem sincera, Belladonna ainda acreditava naquela opção.

Não tinha muito contato com o resto da turma, porém, se a metade não estava lambendo os saltos de Rochelle, eles eram um povo chato que facilmente caíam nas fofocas bestas do campus. Bem, não era toda a sala, alguns eram legais, entretanto faziam parte dos grupos dos fanáticos por serial killers ou os místicos extremistas, com aquele povo ela realmente não queria estar perto. Ainda era fresca a lembrança de quando sem querer derrubou o baralho de tarô de Vanessa, uma das místicas extremas, e as cartas Torre e Carruagem caíram no chão viradas para cima, o resultado desse incidente foi ela ganhar algumas ervas e incensos do grupo. Donna agradeceu, mesmo que a maioria das coisas nem tenha usado, ela também tentou buscar o significado na internet, porém era coisa demais para ela querer se preocupar. Não com umas provas de direito penal chegando.

Só de lembrar daquilo a platinada ainda soltava uma risada nasalada.

— Senhorita Vasilisa, — a garota sentiu um arrepio estranho ao ouvir aquela voz. Ela virou o rosto e sentiu um leve frio correr por seu abdômen. — que surpresa ver algum aluno fora, e de pijamas, a essa hora.

Edgar Fitzgerald estava parado perto de um banco de concreto, segurando um cigarro entre os dedos e vestido lindamente de forma casual. O que Belladonna não daria para usar a desculpa de que não havia sido com ela naquele momento.

— Professor... É realmente anormal. — principalmente um pijama de morceguinhos comendo maçãs, a garota pensou querendo bater em si mesma.

— Não querendo ser um pouco intrometido, — a fumaça do cigarro fez contraste com a noite e com as luzes amareladas do estacionamento. — mas acho que os dormitórios tem toque de recolher, não?

O frio em sua barriga já havia se transformado em uma pequena geleira. O final do verão era a época favorita dos coiotes saírem a caça, pelo menos naquela m*****a cidade era. Desde que havia se mudado, no final do último outono, os relatos que ouvia sobre os animais eram um pouco assustadores demais.

— Eu acho que acabei esquecendo... — ela tentou dar uma risada baixa, mas a única coisa que queria fazer era voltar para o dormitório. — Aliás... Bem... Eu não pude me desculpar direito com o senhor pelo incidente de, bem, hoje cedo...

Foi a vez de Edgard rir. Donna olhou para ele levantando uma sobrancelha, não queria soar mal-educada com alguma expressão de “desgosto”, poderia talvez piorar o que ele, uma pessoa importante do corpo docente, pensasse sobre a aluna bolsista.

— A senhorita Montes disse que você era péssima com desculpas.

Se a garota não havia entendido antes, naquele momento entendeu menos ainda. Porém, não quis gastar mais tempo tentando conversar com o professor, enquanto estava ali a lojinha de conveniência ficava mais próxima de fechar. Deu uma despedida um tanto mal feita e voltou seu caminho em direção a rua. Podia sentir os olhos de Fitzgerald arranhando suas costas, continuou andando determinada a chegar a esquina, prestando atenção em coisas mais interessantes do que um professor que nem aula para ela dava.

A platinada olhou para o pequeno bosque que começava atrás dos dormitórios, as lendas da cidade a fizeram questionar se não valia a pena voltar e pegar o carro só por precaução de algo acontecer. Ela anda não havia visto um coiote de lá correr, e nem queria, mas poderia ter certeza que não poderiam correr mais que cem quilômetros por hora.

O barulho das árvores fez com que o gelo de seus ossos ficasse ainda mais rígido. Olhou rapidamente para lá ouvindo uma vozinha idosa contar a lenda no mundo de sua mente, um ótimo momento para lembrar.

Quando Belladonna mudou-se para a cidade, por conta da aprovação da universidade, a primeira pessoa que conheceu foi uma senhora muito gentil que insistia para chamá-la apenas de Lily. A garota não entendia o porquê de ninguém entrar na lojinha de Lily, era tudo muito vazio e empoeirado, porém, haviam pequenas esculturas e pinturas tão lindas que chegava a dar dó de ver tudo aqui ser perdido.

Depois de dez minutos conversando com a senhora, Donna entendeu porque era tão vazio.

“Os coiotes gigantes correm por essas terras desde antes de eu ser uma criança curiosa”, ela havia começado a contar puxando a atenção da jovem. “Dizem que nunca deveria entrar no caminho naqueles seres, seja para a caça ou por infortúnio da vida. Minha mãe sempre disse que a morte era carregada por seus dentes e o sangue grudado em seus pelos eram tão densos que nem mil anos de chuva limparia”.

Algumas pessoas tinham olhado para as duas na lojinha com um certo penar. Mesmo as crianças apontando os dedos e pedindo aos adultos que comprassem os bonequinhos da Senhora Lily, ninguém se atrevia a entrar naquele lugar aconchegante.

“Diziam os sábios há muito tempo que o fim do verão tinha cheiro de sangue, não saia de casa durante as noites que antecedem o outono.”

Um uivo fez com que Donna apertasse a jaqueta e começasse a correr para a lojinha de conveniência, fugindo de lembranças que provavelmente levariam seu cérebro a pregar peças como aquela. Quando estava na frente de seu destino, a realidade lhe deu um tapa na testa. Estavam no fim do verão, durante noites iluminadas e já passava das dez da noite, era extremamente óbvio que estaria fechado.

— Você só pode estar brincando comigo... — a platinada encostou na porta de vidro e fechou os olhos com força.

Talvez o encontro desastrado com o professor fosse um sinal bem grande avisando que realmente não era para ela sair do dormitório. A possibilidade de ir se arrumar para a m*****a festa parecia ainda mais tentadora, ao mesmo tempo que dormir com fome também parecia tão interessante quanto.

A rua parecia mais longa durante o caminho para a volta, a Lua, por mais que brilhasse no céu, dava a impressão de que havia esquecido de iluminar aquela parte. A prefeitura também tinha se esquecido desse fato, ao que parecia já que só os postes das esquinas estavam funcionando devidamente.

Mas, quem iria se preocupar com as luzes nessa época? A cidade inteira tinha um toque de recolher não-oficial que todo seguiam a risca, ninguém iria se importar se os postes não estariam funcionando, quase tudo parava ao pôr-do-sol. Aquilo a assustou mais do que o pensamento de estar tecnicamente no escuro, estava sozinha, se algo acontecesse não haveria uma única alma que saísse para ajudá-la. Até porque, se algo acontecesse seriam os coiotes.

— Parece que demos sorte, Jay. — a poucos passos de distância, dois homens estavam parados.

O corpo de Donna parou instantaneamente, antes de se aproximar mais.

Um dos rapazes, quem ela percebeu que era Jeremiah, seu colega de classe, começou a andar em direção a ela, com um objeto brilhante em mãos. O medo cresceu em seu peito da mesma forma que o sorriso daquele homem.

Donna não pensou duas vezes antes de começar a correr para o lado contrário, não precisava ser uma estudante para saber que ficar parada só pioraria tudo. Não ousou olhar para trás, não quis pensar se haviam mais com eles, apenas começou a correr o máximo que seu coração suportasse.

Estava sem o celular, sem seu estilete e, se a sorte não estivesse ao seu lado pelo menos um pouco, logo estaria sem vida. O ar já estava começando a exigir mais, seu corpo estava exigindo mais do coração, mas as pernas não ousaram parar. Mesmo entrando no bosque, desviando as árvores e raízes. Ela não ousou parar.

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