||002|| Joquempô

  Faz exatamente uma semana que chegamos na casa da vovó e já estou um pouco triste por ter que ir embora amanhã, por mim eu ficaria as férias inteiras aqui e se duvidar escolheria trocar todas as coisas da cidade grande por essa calmaria.

Durante toda essa semana não houve um sequer dia de paz entre mim e o Isaac, o único momento de entendimento entre nós foi o primeiro dia no lago. Depois disto, todas as vezes em que ele abriu a boca para falar eu desejei ser surda. Rebecca passou dia após dia chorando e se culpando pelo término, eu aviso e aviso e não adianta de nada, em menos de vinte quatro horas de um longo sermão dizendo "não corra atrás dele". Peguei ela ligando diversas vezes para Liam e em todas caía na caixa postal. Não me admira muito esse garoto ser amigo do Isaac, inclusive foi ele quem apresentou os dois.

Papai foi embora mais cedo, disse que tinha negócios para resolver, pegou um ônibus e disse tchau. Sempre era assim, ocupado demais para nós, mas ele nunca deixou de ser um bom pai.

Peguei meu celular que estava em cima das minhas roupas secas no gramado e olhei as notificações, Lauren já tinha me enviado umas trinta mensagens e me ligado umas três vezes, com toda certeza ela tem algo — que não me importava nem um pouco, — para contar.

Lauren se tornou minha amiga por acaso, na oitava série, quando ela acidentalmente derrubou suco de uva na minha blusa favorita e foi dali em diante que a garota extrovertida se tornou minha amiga, a garota nada amigável.

Retornei sua ligação, mesmo sabendo que ela só queria jogar conversa fora, não que eu não gostasse pelo contrário, era sempre divertido escutar o que Lauren tinha para falar. Ela sempre transformava algo simples em um livro.

— Finalmente lembrou que eu existo! — Sorri ao escutar sua reclamação assim que ela atendeu o telefonema. — Você não vai acreditar!

— Não mesmo, me conte.

— O Math, ele me chamou pra sair!

   Matthew Evans meu melhor amigo de infância, mais conhecido como paixonite platônica da Lauren. Apesar de Math ser meu amigo eu sempre aconselhei que Lauren ficasse bem longe das garras dele, porque apesar de ser um pouquinho melhor que Isaac — qualquer um é, — Matthew também fazia parte da lista de garotos que devem ser evitados.

— Na verdade ele não me chamou exatamente pra sair — Prosseguiu ela, eu apenas soltei uma risada baixa revirando meus olhos. — Mas foi quase isso.

— Bom, agora você já pode mudar seu status de relacionamento. — Brinquei.

— Faz só uma semana que você foi pra casa da sua avó e eu já sinto sua falta. Ainda bem que você volta amanhã.

  Eu não estou tão feliz por ter que voltar logo, mas ao mesmo tempo eu gosto de passar as minhas férias com Lauren, a gente aproveita bastante com um filme clichê e um balde de pipoca quase todas as noites.

Não se preocupa, você vai enjoar de mim quando eu voltar.

— Vou mesmo!

  Passamos alguns minutos conversando e Lauren me contou tudo o que esta acontecendo por lá, ela me disse que até foi em umas dessas festas que pessoas como Isaac vai e que Ambar estava lá, dizendo sobre seu "relacionamento" — que só existe na cabeça dela — com Isaac e em como ela estava sentindo a falta dele.

Ambar Foster a capitã das líderes de torcida que todo mundo idolatra, menos eu, não só pelo fato dela se achar a rainha da escola, mas Ambar Foster e eu nunca nos demos bem. Quando entramos no ensino médio isso só piorou e todas as vezes que vejo ela pendurada em Isaac sinto vontade de vomitar. Ela sempre gostou dele, mas ele nunca demonstrou nutrir o mesmo sentimento, pois segundo Rebecca eles só estão "juntos" por serem o topo da estúpida cadeia social estudantil. Da mesma maneira que Ambar é capitã das líderes de torcida, Isaac é capitão do time de futebol americano. Uma idiotice total, prefiro fazer teatro.

— Quer dar uma volta de carro? — Levantei o olhar e vi Isaac na minha frente, ele estava segurando as chaves do Opala do meu avô do qual ele ajudou a concertar nessa última semana. — A gente pode tomar um sorvete, eu fui chamar a Rebecca, mas pelo jeito ela não tá afim. — E eu sei bem o porquê.

Concordei me levantando e parando em sua frente, percebi que ele analisou meu biquíni e sorriu, no momento me senti um pouco desconfortável, principalmente pelo fato de um "poste humano" — Como eu carinhosamente o apelidei. — estar tampando totalmente o sol e a minha visão enquanto analisava meus peitos. Tentei ignorar a forma como ele me olhava e fui até o carro ao seu lado.

— Você vai assim? — Ele perguntou assim que entramos no carro, olhei para ele enquanto colocava o cinto e dei de ombros. — Então vamos. — Ele ligou o rádio e uma das minhas musicas favoritas estava tocando "Stay With Me - Sam Smith". Um sorriso de canto apareceu em meus lábios e aquilo foi o suficiente para ele aumentar o volume e seguir adiante.

«»

  Isaac estava me encarando enquanto eu aproveitava o meu segundo sorvete de morango, que por incrível que pareça foi ele quem escolheu para mim. Era estranho estar perto dele, pois apesar de não nos darmos bem — na maioria das vezes,— Isaac sabia muitas coisas sobre mim e eu sobre ele, como por exemplo o fato do meu sorvete favorito ser de morango, ou então eu saber do seu repúdio por lagartixas.

É inevitável não tê-lo por perto, de qualquer maneira — mesmo que não era do meu agrado,— o garoto dos olhos castanho escuro estava em todos os momentos da minha vida e isso era estranho.

— O que foi? — Perguntei após meus devaneios enquanto o seu olhar sobre me mim já me causava desconforto.

— Nada, estou apenas apreciando você. — Ele sorriu inclinando seu corpo para frente apoiando seus cotovelos sobre a mesa enquanto colocava seu rosto sobre as duas mãos.

— Já pode parar. — Murmurei levando meus olhos em outra direção tentando evitar sua feição, mas era impossível não sentir como se alguém me vigiasse.

— Quando terminar, quer ir até o parque que fica aqui perto?

  Já estava tarde, acho que mamãe estava querendo nos matar, já que hoje deveríamos terminar de arrumar as nossas coisas e confesso também que eu estava morrendo de frio por ter vindo apenas de biquíni. Aliás eu e Isaac achamos que o centro desse lugar era pelo menos um pouquinho mais perto, foram exatos quarenta e seis minutos até encontrarmos um lugar habitado e com lojas.

— Acho melhor irmos embora, minha mãe deve estar querendo nos matar.

Apesar de desapontado ele concordou pegando as chaves e me chamando para me levantar, mas antes ele me analisou e arqueou uma sobrancelha. Com toda certeza ele notou que eu estava morrendo de frio e assim que saímos da loja ele retirou sua camiseta e me entregou sorrindo e negando com a cabeça.

— Isso que dá ser tão teimosa! — Revirei meus olhos colocando sua camiseta que em mim ficava parecendo um vestido e me senti mais confortável.

— Eu não pensei que era tão longe. — Resmunguei entrando no carro e ele entrou logo em seguida me olhando. — Obrigada. — Agradeci um pouco sem jeito.

— Disponha. — Isaac colocou o cinto e girou a chave na ignição, mas o carro não ligou, ele tentou mais uma vez e mais uma, outra vez e nada. Frustrado ele me encarou e eu correspondi o seu olhar. — Eu vou ver o que é.

  Concordei descendo do carro logo depois dele, observei ele levantar o capô uma grande fumaça subiu para o seu rosto fazendo com que ele tossisse. Ele me olhou e eu entendi seu olhar, ele não sabia o que fazer, assim como eu.

— Estamos ferrados. Vou tentar ligar pra mamãe.

  Corri para o carro e busquei meu celular dentro do porta luvas, rapidamente tentei desbloquear e ele não deu sinal de vida. A bateria tinha acabo, mas que merda.

— To sem bateria, o que vamos fazer? — Foi minha vez de parecer frustada, levei a mão até a cintura. — Eu sabia que vir aqui com você seria uma péssima ideia, desde quando sair com você daria certo? — Resmunguei para mim mesma.

— Fica calma tá bom? Não é como se a gente estivesse do outro lado do mundo. — Ele disse revirando os olhos. — A gente pode ir andando até a casa do lago, pode demorar, mas...

— Ficou doido? — Interrompi Isaac. — E vamos fazer o que com o carro do vovô? Largar ele aqui? Ou você tem uma bolsinha secreta pra guardar ele?

— Então qual a sua ideia brilhante? Ligar pra mamãe com o seu celular sem bateria? Então vá em frente!

  Fiquei escorada no carro por alguns segundos, eu estava muito estressada, a última coisa que eu queria era ficar a noite toda olhando para a cara desse garoto. Me virei para ele e estava prestes a jogar na sua cara que tudo aquilo era sua culpa, porém ele foi mais rápido. Me deu as costas e saiu andando.

  — Onde você tá indo? — Eu disse indo atrás do mesmo em passos apressados, já que sua perna era muito maior que a minha. — Não pode simplesmente me deixar aqui.

— Tanto posso que estou fazendo exatamente isso. — Antes de sumir ele me entregou as chaves do carro e me deixou ali plantada.

  Eu afirmo novamente que odeio esse garoto e agora que ele foi embora me sinto sozinha, mas ao mesmo tempo dou graças a Deus. Fecho o capô do carro e me apresso a entrar no banco de trás e trancando-o. De qualquer jeito quando ele chegasse em casa — seja lá que horas, — ele falaria de mim. Não falaria?

«»

  Não sei exatamente em que momento eu dormi deitada no banco de trás do carro mesmo, só sei que acordei assustada com batidas no vidro, de primeira pensei que era um assaltante ou algo do tipo. Mas era apenas Isaac me olhando um pouco bravo, talvez ele tenha batido bastante.

  Abri a trava das portas e ele entrou rapidamente, pelo jeito estava morrendo de frio por estar sem sua camiseta que ele havia me emprestado.

  Ficamos em silêncio por alguns minutos até ele me olhar pelo retrovisor, ele virou a cabeça para trás e colocou seu braço sobre o banco do passageiro.

— Eu não ia embora. — Ele disse um pouco baixo, mas me encarou logo em seguida e eu me mantive em silêncio. — Eu procurei uma loja que ainda estivesse aberta e pudesse me emprestar um telefone ou algo do tipo. Sua mãe já está vindo e pode ter certeza que ela está furiosa.

  Um sorriso de canto surgiu em meus lábios com as suas palavras, principalmente sobre minha mãe, mas fiquei contente que pela primeira vez ele não pensou somente no próprio rabo, isso de certa forma me surpreendeu, mas me mantive quieta e apenas concordei com a cabeça enquanto passava os dedos nas pontas do cabelo.

— Vamos ficar um pouco aqui dentro, quer jogar alguma coisa? — Ele me perguntou passando para trás e deixando sua bunda passar na minha cara, assim que ele se sentou ao meu lado sorriu largamente e isso me fez rir. — Vamos jogar joquempô?

  Assenti e ele começou dizendo "joquempô" e deu risada cortando minha mão assim que ele viu que tesoura ganha de papel. Assim ficamos por uns cinquenta minutos, também jogamos jogo da velha com uns papéis velhos que estavam dentro do carro, além de termos brincado de quem sou eu.

  Quando mamãe chegou com o vovô corri para abraçá-la e pedir desculpa, mas ela sorriu e disse que estava tudo bem se estávamos seguros. O vovô deu uma olhada no carro e disse que chamaria o guincho no dia seguinte e que podíamos ir embora. Assim que chegamos em casa eu estava exausta e depois que tomei meu banho eu capotei na cama, nem mesmo me lembrei de arrumar minhas malas para ir embora e até esqueci que hoje era nossa "despedida".

  No dia seguinte mamãe me acordou bem cedo e me ajudou, mas fiquei muito triste quando tive que me despedir dos meus avós. O verão estava chegando ao fim e tudo voltaria ao normal, ou quase tudo.

  Rebecca não estava nada bem como antes e depois do dia que ela ligou para Liam ele mandou uma mensagem dizendo que não estava afim de pesos mortos irritantes e deixou bem claro que era para ela não ligar mais, pois estava atrapalhando seus "lances".  Tentei ajudar, mas não consegui fazer nada quando a vi chorando baixinho de noite, eu sempre fui horrível em conselhos e para mim a melhor maneira de melhorar era sofrendo, apenas abracei-a fortemente e deixei que ela chorasse. Isaac — apesar de ser um babaca aos meus olhos, — foi o que mais consolou ela e fiquei impressionada novamente, ele ainda citou que se encontrasse esse imbecil novamente quebraria a cara dele. Um ponto para o Isaac, zero para mim.

  Quando chegamos em casa, papai não estava em casa e muito menos atendia as diversas ligações da mamãe. Nada de novo. A única coisa de nova é que Isaac vai passar o restante das férias na casa de sua tia Mary e eu agradeci aos céus, caso contrário ele iria viver em casa e eu não estava nem um pouco afim de aguenta-lo o resto do verão.

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