Capítulo 03

Havia andado o dia todo sem encontrar o riacho, minha boca estava seca e meu corpo desejando um gole que fosse de água, até do vinho da boate eu sentia falta agora, mas só do vinho.

Agora a noite se aproximava e a idéia de fazer uma fogueira me parecia tão insensata, se aquele homem havia entrado aqui sem medo então deveria ter outros e eu precisava ser o mais discreta possivel, afinal pensando agora para onde eu iria?

Se fosse na delegacia eles arrumariam um jeito de me pegar de volta ou me matar, e minha casa?

Estariam me esperando agora lá sem dúvida.

Será que meus pais ainda viviam perto da tribo Kai? Ou minha finalmente convenceu meu pai a se mudar para a cidade?

Será que eles acham que morri? De certa forma eu morri.

Estava sentada pensando nessas coisas quando notei uma figura saindo das sombras, uma muito alta.

Me levantei do chão de sobressalto segurando uma pedra pronta para jogar quando um rosto familiar foi iluminado pela lua.

Era o mesmo homem com seu olhos castanhos avermelhados de mais cedo, agora ele se aproximava cuidadosamente carregando um prato enrolado em um pano, junto ao prato uma garrafa de água que me lembrou o quanto eu estava com sede.

- Não vim fazer mal, não se preocupe.- revelou deixando o prato aos meus pés, recuei diante dele e ele se afastou mas ainda se manteve na minha linha de visão.

- Pode comer, está ótimo, beba a água também.- garantiu e fez gestos para que eu comesse, ainda acreditava que eu não falava seu idioma.

Olhei para o prato e pensei que beber e comer parecia um sonho.

Mas não conhecia esse homem, não sabia o que tinha nessa água ou comida, ainda não confiava nele nem entendia para quem ele trabalhava.

- Deve estar achando que eu envenenei a comida.- refletiu ele e se aproximou do prato, abriu o embrulho revelando um ensopado com um aroma delicioso, meu estômago roncou ao sentir tal aroma, o homem retirou uma colher que estava enrolada no pano e mergulhou no ensopado.

A levantou cheia de carne e o que me pareceram batatas até a boca provando-a.

Deixou a novamente no prato e abriu a garrafa de água, mas antes que provasse eu a segurei a tomando para mim.

Assenti com a cabeça para ele, já era o suficiente, abri rapidamente a garrafa e bebi vários goles de água desesperadamente.

Eu estava com tanta sede que praticamente esqueci que ele estava ali até que o ouvi dizer.

- Me chamo Ravi.

Parei de beber a água e o encarei, seu olhos castanhos avermelhados estavam brilhantes agora, mas partiam mais para o vermelho do que o castanho, vestia uma camisa e casaco pretas, casaco que retirou e o estendeu para mim.

Balancei a cabeça que não e ele o colocou de volta.

- Então é um ensopado de galinha delicioso, prove.- sugeriu mantendo distância.

Peguei o ensopado e devorei em poucos minutos, não me importei que Ravi estivesse me observando, ainda não confiava nele mas ele não me parecia um mal imediato.

Entreguei a ele o prato sem chegar muito perto.

Bebi mais água e permaneci longe.

- Acho que devíamos fazer uma fogueira.

- Não!- exclamei me arrependo imediatamente porque Ravi me olhou com um sorriso triunfante.

- Eu já estava suspeitando que você falava meu idioma, então você se perdeu da sua tribo? Apesar de eu acreditar que você seja mestiça, não sabia que eles aceitavam mestiços nas tribos, de qual tribo você é? Esses olhos azuis são da sua mãe ou do seu pai? Você é muito clara para uma indígena, certeza é mestiça.- disparou a perguntar.

Não respondi.

- Caladona não é? Bom um mistério a ser desvendado.- anunciou ele.

Quem era esse cara?

- Qual seu nome?- perguntou.

Eu o ignorei e me recostei na árvore me virando para a escuridão, meu vestido em trapos revelava muita pele e isso me fez ficar mais ereta.

Ravi tirou o casaco e jogou-o para mim que caiu nas minhas pernas, era um casaco enorme e me cobria quase como uma manta.

Estava tão quentinho, estar quente no frio da noite era uma sensação maravilhosa.

- Esse casaco sempre me acompanhou nas horas que precisei, foi uma pessoa especial que o deu para mim.- contou.

Me agarrei a ele mais ainda e senti seu cheiro tão bom, tão quente.

Ravi estava sentado a alguns metros de mim, depois de um tempo se deitou e eu fiquei observando enquanto seu peito subia e descia.

- Você provavelmente não encontrou o riacho não é? - perguntou ele seu olhos fixos no céu estrelado acima de nós.

Não respondi.

Mas isso não o impediu de continuar falando.

- Achei que nunca encontraria ninguém aqui nessa mata, você sabe o que dizem desse lugar, amaldiçoado por criaturas do demônio.- contou ele e sorriu logo em seguida.

Demônios? Eu conhecia muitos demônios e eles não viviam nessa floresta.

- Mas olhando para você sinto que você já conheceu muitos demônios.- sussurrou como se adivinha-se meus pensamentos.

Sim Ravi, eu quis concordar com ele mas não disse nada.

Era estranho estar diante de um homem e não ser obrigada a falar o que desejam, a fingir.

Agora nessa floresta eu não sentia vontade de falar e não falava, não conhecia esse homem mas se fosse para me fazer mal já teria feito.

Até agora tinha feito o bem, mas isso não significa que eu confie nele, nunca mais eu confiaria em ninguém.

- Gosto de observar as estrelas, a lua e todo o céu, não tem lugar melhor para fazer isso do que aqui na floresta, sem grandes edifícios, e tudo mais das cidades, aqui é tranquilo e reservado.- ele falava de modo calmo deitado.

- Afinal, qual é seu nome? Não quer contar? Tudo bem.

A noite que já estava fria com o passar das horas foi ficando mais fria, Ravi não falou mais nada desde então, me segurei muito para não adormecer perto dele, mas eu me sentia exausta demais, lentamente minhas pálpebras foram se fechando e minha última visão foi de Ravi se levantando e indo embora.

Eu quis dizer para ele retornar e levar seu casaco mas só de pensar em me separar dele eu sentia frio.

Em algum momento da madrugada senti alguém me cobrindo com uma manta grande e quente, abri meus olhos e vi olhos castanhos avermelhados.

- Nina.- sussurrei antes de adormecer novamente.

O ouvi rir e sussurrar.

- Nina, significa fogo.

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