Estrela: Meu Segredo está no Céu
Estrela: Meu Segredo está no Céu
Por: Marcela Farias
1º Capítulo: A História de Orquídea

Escrito durante o início da Quarentena do Covid-19, esta história é dedicada a todos aqueles que na realidade cruel da vida, mesmo assim, ainda sonham, pois são os sonhos que nos fazem querer viver. E mais especialmente, aos amantes e apaixonados que ficaram distantes durante a Quarentena e, aquele que um dia adentrou o jardim do meu coração. 

A História de Orquídea

           Pé-de-moleque, bolo de fubá e sonho eram os doces preferidos de Orquídea. Coisas que nem sempre ela tinha para comer. A bisavó de Orquídea chamava-se Tomasia Mucama. ‘Mucama’ porque esse foi o apelido que ela recebeu quando se tornou mucama de uma sinhazinha branca dos cabelos loiros. Tomasia foi escrava na fazenda da família Souza, que se localizava num município do interior de São Paulo, até que houve a abolição da Escravatura em 1888. Na época da escravidão no Brasil, era comum os escravos receberam o apelido segundo a profissão que exerciam, essa como se vê, era exercida forçadamente. Havia uma única fotografia da sua bisavó, pintada a mão, dando ares coloridos numa época em que a fotografia ainda era preto e branco. A menina de pés descalços, com doze anos de idade, usava uma longa saia larga, uma blusa aparecendo os ombros, típica roupa dos escravos, os cabelos presos com uma faixa em volta e um semblante sério; estava em pé com uma das mãos pousada em cima do ombro da menina Maria Carolina, de sete anos de idade, que possuía os cabelos encaracolados enfeitados com laços, porque a sua bisavó a tinha enfeitado assim. Usava também um vestidinho gracioso, e segurava uma boneca de porcelana e, estampava na face um meio sorriso de satisfação com a vida; o que sempre gerava fascínio ao mesmo tempo repulsa em Orquídea ao ver a servilismo da sua antepassada. 

          Orquídea era mulata, como se nota, descendentes de escravos, era uma menina estudiosa, sempre gostava de relembrar a história da família revirando o único álbum de fotografias que havia em casa. Só havia estudado até o quinto ano do Ensino Básico da época de 1960. Havia tido pouca escolaridade como maior parte dos brasileiros, no entanto, o suficiente para tornar-se uma professora no Sertão Nordestino e, depois em Manaus, capital do Amazonas, que um dia fora um centro comercial da exportação de látex, ou borracha, extraído da seringueira, que é o mesmo utilizado para fabricar pneus, brinquedos, matérias de cozinha e entre tantas coisas. Orquídea amava história, sabia de cor os nomes de todos os presidentes, então, andar pelas ruas do centro histórico da antiga capital da borracha, era fascinante para ela. 

          Quando professora para crianças, morou cerca de quatro anos com uma senhora já viúva, porque ela ainda era moça e, estava longe da família, que ainda moravam no Rio Grande do Norte. Naquela época moças solteiras não podiam morar sozinha. As duas sempre iam à missa juntas, às vezes, rezavam o rosário, e, também foi a mesma senhora que lhes apresentou Helena, aquela que se tornaria a sua melhor amiga e, foi essa que lhe apresentou as Irmãs Franciscanas da Porciúncula, pois Helena estava se encaminhando a tornar-se uma freira. 

          A primeira vez que Orquídea olhou para os semblantes das irmãs, achou-as serenas e atinou que eram mulheres que trabalhavam arduamente, que acordavam às cinco da manhã para rezar as laudes e, depois iam à missa. Ouvir-lhes contar suas histórias era mergulhar num mundo de paz, coisa que Orquídea sempre precisava, pois descobriu aos poucos que dona Josefa, a senhorinha com quem residia não era fácil, depois que o marido morreu, tornou-se amargurada, e, de vez em quando descontava toda a sua dor em Orquídea. Orquídea não compreendia, pois a perda de uma pessoa, não justificava a amargura. Então, Orquídea vez ou outra pensava em ir embora. Mas para onde iria? Voltar para casa no Rio Grande do Norte seria enfrentar o semblante de um pai dominador, que pegava todo o seu salário, conseguido com muito sacrifício, não sobrando quase nada para comprar roupas o que mais precisasse. A vida no Nordeste naquela época nem sempre era fácil, então, por vias das dúvidas ela simplesmente permanecia onde estava.

          Contudo, conforme visitava as irmãs franciscanas e, ia auxiliar Ir. Miguelina nas aulas de catequese, começou a brotar dentro dela um desejo de tornar-se freira. Ela que sempre desde a sua infância havia sido uma menina religiosa, pois assim eram a criação da maioria das meninas daquela época no Brasil. Muitas vezes a vida religiosa para a menina também era a oportunidade de ter mais estudo.

           ─ Por que este nome, minha filha? Perguntou Ir. Antônia, que estava ao lado direito de Orquídea, de um jeito brincalhão, enquanto as irmãs riam por causa do meu nome. 

           Estavam tomando café da manhã, no refeitório das irmãs, no convento de Santo Antônio, em Manaus, que em geral, ficavam em profundo silêncio, só conversavam normalmente durante a noite, que aliás, as conversas aconteciam com muita alegria, devido ao dia inteiro de silêncio. E foi assim, que Orquídea aprendeu como era a vida das irmãs, e, que consideravelmente sentia-se imensamente atraída. 

           ─ Porque a minha mãe sempre gostou muito de orquídeas, irmã. 

           ─ Aí batizou com um nome de uma flor?! 

           As irmãs riram outra vez. 

           Essa era uma coisa que Orquídea também gostava nas irmãs, riam das coisas mais simples da vida. 

           ─ Eis formosa também como uma orquídea. Disse Ir. Miguelina, que estava ao lado esquerdo de Orquídea, dando uma batidinhas nos braços desta. A irmã que era portuguesa e, morava a anos no Brasil como missionária pela província de Santa Clara, ainda possuía um leve sotaque do português de Portugal.

           ─ Obrigada, irmã. Respondeu docemente a jovem. 

           Orquídea havia adquirido um amor especial pela religiosa, era sempre assim tão carinhosa assim como ela necessitava; alguém para tocar em uma das suas mãos e, dizer que está tudo bem e, que a amava. E quem sabe um abraço, como a sua mãe fazia quando era menininha. Em casa, só havia dona Joseja, onde todos os dias tinha que ouvir sermões. Mesmo assim, Orquidea sabia que voltar para casa da sua família seria pior.

           ─ Ela acorda todos os dias e, já precisa virar o rosto para o sol, para ser regada uma vez por semana, senão murcha. Disse risonha outra irmã, aliás uma jovem irmã. 

           Orquídea amava o seu nome, ser uma flor de tamanha beleza e fragilidade a encantava; então, não havia brincadeira quanto a isso que lhe incomodasse. A orquídea que tem uma aparência selvagem, mas é sensível a qualquer vento mais forte. Assim, orquídea é uma flor com raiz forte, mas que na verdade, é frágil.

           Helena também estava empolgada na conversa, não conseguia disfarçar o sorriso, logo ingressaria no postulantado, pois naquela época diferente de hoje, a formação de uma irmã que podemos chamar de vida ativa, ou missionária, era muito mais rápido. 

           A única coisa que lhe tirava a atenção de Orquídea em seguir a vida religiosa, era “Dora”, irmã de Helena, que sempre aparecia para visitar a irmã. Era completamente o oposto da irmã. Andava sempre bem arrumada e, chamava a atenção dos homens pela a sua beleza peculiar... e Dora gostava muito do efeito que causava nos homens.  

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