Um velho Amigo

Retornando a sala notava que a porta de seu apartamento havia ficado aberta, deveria tomar conta disso melhor, ainda mais sendo uma mulher sozinha em uma cidade que não conhecia muito bem, caminhava para fechar a porta e em seguida decidia que comeria alguma coisa, abria o freezer para olhar o que havia lá exatamente, de acordo com seu pai ele havia comprado algumas marmitas de um restaurante próximo para ela comer durante a semana, assim ela não precisaria se preocupar em preparar comida para levar no almoço muito menos preparar algo quando chegasse em casa depois do trabalho para jantar, se encontrava tudo organizado no freezer com as etiquetas da data de fabricação e o vencimento, como não teria que se preocupar com isso, a melhor coisa para comer naquele momento era um sanduiche apenas para ganhar coragem de começar os trabalhos de organização de suas coisas, porem para comer mesmo que fosse tão simples precisaria de pelo menos um prato, objeto que estava guardado em uma das caixas, portanto teria de qualquer forma iniciar a organização, agradecia então mentalmente a si mesma do passado por ter deixado tudo etiquetado, no canto da sala colado ao sofá se encontrava uma caixa de papelão com o nome “cozinha” escrito, soltava então uma respiração profunda recordando-se que as facas estavam lá dentro, seria incrivelmente difícil cortar a fita assim, iniciou então a procura de algo cortante o suficiente para abrir um buraco na fita adesiva, olhava em volta do apartamento procurando por volta de um minuto, porem sua atenção era retirada da sua procura ao ouvir alguém bater na porta, não poderiam ser seus pais já que o combinado era eles voltarem para casa assim evitando mais dor na separação, Catherine caminhou até a porta e ao abri-la se deparava com um belo rapaz, aproximadamente um metro e oitenta de altura, aparentava ter seus trinta anos, forte, de barba bem feita e cabelos em um castanho bem claro, praticamente loiro, olhos azuis e sorriso que não lhe era estranho, seu olhar para ele começava com uma imensa desconfiança até que finalmente ouvia sua voz e memorias vinham a sua mente.

— Catherine, Cathzinha, quem diria que aquela pirralhinha ficaria uma moça tão bonita, se soubesse que você ia ficar assim teria ido passar férias na sua casa para fazer um investimento a longo prazo – O rapaz falava em um tom muito bem humorado, aquela voz, aquele rosto.

— André? — Indagava Catherine incrédula em quem havia acabado de bater em sua porta.

— O próprio, em carne e osso, quando você era pequena eu sempre ganhava um abraço, agora não ganho mais? —  Ele questionava logo abrindo os braços e recebendo aquilo que havia pedido, um abraço, um ato que demonstrava muito mais que um simples cumprimento, mas um aconchego.

— Não posso acreditar que você está aqui, não posso mesmo acreditar, o que você faz aqui? Você mora perto daqui? Quer ficar aqui um pouco? Nossa não sei nem o que dizer, como é bom ter um rosto conhecido — Seus questionamentos vinham com o abraço sendo desvinculado.

— Vamos por parte Cath, primeiro adoraria entrar, sabe eu achei uma receita ótima de um drinque que talvez você goste, me lembro que quando pequena você adorava os drinques coloridos nos filmes, hoje eu posso fazer e você beber.

— Claro, claro, entre por favor — Ela o concedia espaço para passar, assim que ele adentrava já caminhava para a cozinha abrindo a geladeira — Em menos de cinco segundos já abriu minha geladeira, você continua um folgado André!

— Sabe, ajudei seu pai a arrumar a casa, não é a primeira vez que abro essa geladeira, inclusive se você olhar bem, eu deixei uma garrafa de vodca escondida dentro do forno, não queria arriscar seu pai me olhando feio em te oferecer bebidas alcoólicas.

— André, você sabe que eu tenho vinte e cinco anos né? Eu já posso beber e inclusive bebo a muito tempo — Ela então ia até o forno realmente se deparando com uma garrafa lacrada de vodca, a pegava então pondo em cima do balcão.

— Sei, mas seu pai ainda te trata como a filhinha que pedia para levar no parquinho depois da escola, então não quis arriscar ganhar um olhar de reprovação de alguém que tanto gosto.

— Meu pai quem me deu bebidas, você está bem desatualizado sobre as coisas — Riu então abrindo o armário, mas logo ficava olhando para o vazio demonstrando uma face de estranheza.

— Deixe-me adivinhar, você ainda não arrumou as coisas e não faz a mínima ideia de qual caixa estão os copos, correto? — Indagou André parando atrás dela olhando também o armário vazio.

— Na verdade eu sei bem onde estão..., Mas eu não consegui abrir a caixa, preciso de uma faca para abrir a caixa de facas — Brincou ela então apontando para uma caixa que estava no canto da sala.

— Ou seja, você embalou tão bem embalado que não consegue desembalar, acho tão sua cara isso, vamos lá que eu vou te ajudar — Disse ele seguindo em direção a caixa, punha a mão no bolso retirando seu chaveiro e mostrando para ela a chave do carro, logo se abaixando e se utilizava dos dentes da chave para rasgar a fita que lacrava a caixa — Prontinho, caixa aberta, quer que eu abra as outras também?

— Não estou acreditando, nunca havia pensado em abrir uma caixa com a chave na vida, achei genial! — Respondeu ela abismada se aproximando da caixa agora aberta e pegando já alguns copos para arrumar — Se quiser pode abrir, vai me ajudar muito, se quiser também pode arrumar no armário para me ajudar.

— Reclamou que eu abri sua geladeira em menos de cinco minutos, mas em menos de dez você já está me escravizando, você não mudou quase nada Cathzinha — Implicou ele agora abrindo as outras caixas que estavam próximas — A propósito, não respondi uma das suas perguntas, sim eu moro perto, sendo mais especifico, no final do corredor, ultima porta. 

— Está de brincadeira que somos vizinhos? — Indagou ela toda animada.

— Praticamente somos, até porque fui eu quem indiquei esse lugar pro seu pai, quando você conseguiu o emprego ele me ligou, perguntou se eu sabia de algum lugar seguro e bom para você morar já que eu moro na cidade a oito anos, então eu falei que iria ver e falando com a dona do meu apartamento acabei descobrindo que ela tinha outro apartamento no início do corredor, justamente esse, então passei o contato pro seu pai e ele fez os tramites que precisava e aqui estamos nós — Explicou André em quanto terminava de abrir todas as caixas que estavam lacradas, começando então a pegar as louças e pôr em cima da mesa para que ela pudesse ir arrumando — Em resumo, você tem esse lugar por minha causa, acho mais do que justo me fazer café da manhã de vez em quando.

— Vou anotar isso no meu caderninho, a gratidão vem através do café de manhã — Ela respondia ainda bem humorada começando a arrumar as coisas.

— Anote mesmo, tem vezes que fico até tarde trabalhando, alguns projetos grandes, então eu acabo acordado em cima da hora, ter um café pronto vez ou outra me ajudaria muito sabe, eu acordo no automático as vezes — Comentava ele terminando de tirar todas as louças de dentro da primeira caixa e logo a rasgando e pondo em um canto ao lado da porta.

— Ei! eu poderia querer a caixa André! — Exclamava ela.

— Vai por mim, não vai querer não, se você acumular papelão nesse prédio rapidinho as baratas te acham, não sei se você viu antes, mas a janela da sua sala da direto para a lixeira do prédio, qualquer coisinha as baratas surgem, essa é a desvantagem de se morar em uma cidade grande moderna com alguns prédios velhos.

— Baratas não são problema para mim, mato na sapatada — Retrucou.

— É, até você acordar com uma em cima da sua roupa de cama, desagradável demais para meu gosto, eu também mato quando entra lá em casa, mas não sou fã de acordar com insetos em cima de mim, por isso nas minhas janelas tem mosquiteiro e eu recomendaria que você fizesse o mesmo.

Catherine com aquele comentário simplesmente fazia careta, não tinha problemas com insetos mas realmente imaginar uma barata que estava no lixo em sua cama limpinha a incomodou, acabou por concordar em pôr a rede para mosquitos o quanto antes, a dupla de velhos amigos aproveitavam para pôr o papo em dia, em um passado distante André era o vizinho que frequentava sua casa quase todos os dias, o pai de Catherine acabou por assumir uma imagem paternal para o menino depois que o pai biológico havia deixado a família e fugido de suas responsabilidades, o inicio da aproximação dos dois na infância não foi dos mais felizes mas era uma proximidade cheia de carinho e verdadeira, pela casa dos pais dela haviam fotos das crianças brincando no quintal ou em pequenas viagens que faziam para as proximidades da cidade, infelizmente a amizade deu uma esfriada quando a mãe de André foi chamada para um emprego em outra cidade e aquilo seria motivo para as crianças se separarem, a dor da distância havia afetado mais Catherine do que os irmãos pois querendo ou não tinham um ao outro mas ela só tinha a si mesma, mantinham o contato esporádico, se ligavam em datas especiais ou quando tinham novidades bombásticas toda via tirando isso quase nunca se falavam, então os dois teriam muito assunto para pôr em dia e objetos para arrumar na casa, essa tarefa acabava por tomar a tarde toda da dupla que ao cair da noite já se encontrava exausta então a melhor ideia possível surgia, pedir uma pizza para o jantar.

— Me diga Cathzinha, já está pronta para seu primeiro dia de trabalho? — Indagava ele se servindo do primeiro pedaço de pizza.

— Acredito que sim, nunca estamos completamente prontos, não é? Mas não posso ter medo, já sei a roupa que vou, também já sei mais ou menos como chegar lá, todos os meus documentos já foram entregues então amanhã eu vou para conhecer as instalações e a equipe que vou fazer parte — Se explicou ela servindo refrigerante para os dois.

— Ainda é difícil acreditar que você se tornou advogada e ainda mais do que isso, se tornou advogada começando em uma empresa grande, dá um leve orgulho de lembrar que eu te ajudei a aprender a ler — Brincou ele.

— Pois é, mas se não fosse meu professor eu não teria conseguido essa vaga, devo admitir que para sempre vou achar que meu pai tem um dedo ou dois nessa história, ele é professor da faculdade, não duvido nada que ele tenha pedido indicação.

— Acredite, se ele fez isso, fez a melhor coisa que poderia fazer por você, hoje em dia é muito difícil conseguir um bom lugar no mercado de trabalho, eu mesmo estou na mesma empresa a cinco anos e mesmo assim ainda sou o cara que pega os trabalhos que os mais velhos não querem.

— Mas você não disse mais cedo que estava ganhando bem o bastante para ajudar a família toda? — Indagou ela finalmente pegando um pedaço de pizza.

— Eu ajudo no que posso, não sou rico, mas um plano de saúde e uma boa escola para minha sobrinha eu consigo pagar, mas é justamente por pegar os trabalhos que os outros não querem eu me dou bem, eu pego tantos trabalhos pequenos e rápidos que acabo ganhando na quantidade e não na grandeza, vou construindo meu nome assim, você poderia utilizar essa tática no trabalho também.

— Eu já tinha esse plano, o Ladislau, meu professor, explicou que começamos no esforço para chegar ao sucesso, que hoje ele é professor em uma faculdade, mas ele já foi o rapaz que apenas redigia os documentos para os advogados de mais nome, assim aprendeu com os melhores para se tornar o melhor.

— Um professor bem esperto, siga bem os conselhos dos mais velhos no trabalho, sempre acabamos nos dando bem — André então se levantava finalmente pegando a vodca de mais cedo a abrindo e misturando com refrigerante — Quer?

— Só um pouco, sem refrigerante, mesmo só indo para o trabalho segunda não quero ficar domingo de ressaca.

— Acho uma ótima ideia, ficamos de ressaca depois do primeiro mês de trabalho ou depois da primeira frustração, eu só não te chamo amanhã para fazermos alguma coisa porque ainda vou sair hoje e não sei como vou estar amanhã — Quando começou a falar se levantava da cadeira para pegar um copo novo para Catherine, a servia um pouco de vodca pura e então voltava a se sentar.

— André! Porque não me disse que tinha compromisso hoje? Eu não teria te pedido para fazer tanto esforço! Me desculpa — Ela se sentia constrangida por aquilo, havia abusado da gentileza de um amigo sem nem mesmo perguntar se ele teria outros compromissos.

— Tudo bem Cathzinha, eu já havia calculado ficar com você até quase dez da noite, ainda são oito, podemos conversar mais um pouco antes que eu tenha que sair para me arrumar.

— Espera, sair a essa hora, você vai a um encontro é? — Indagou ela com um enorme sorriso nos lábios tomando um gole da vodca e vendo que a ideia de toma-la pura tinha sido péssima, ainda bem que estavam comendo porque aquela bebida teria caído como uma bomba em um estômago vazio desacostumado.

— Vou, mas não precisa ficar animadinha, não é nada sério, apenas uma distração em comum acordo de ambas as partes, não estou sinceramente disposto a algo sério com ninguém, ainda tenho muitas coisas para fazer antes de pensar em por alguém na minha vida de forma romântica — Justificava ele tomando um gole de sua bebida — Minha irmã arrumou um namorado que a engravidou e a largou, minha mãe teve meu pai, eu tenho que ser um bom exemplo para minha sobrinha, imagina se o tio também é um cara ruim, ela vai achar que todo homem é assim.

— Acho muito legal de você pensar assim pela sua sobrinha, quem diria que a sua irmã teria uma filha, mas ela é bem mais velha que nós né? Não é uma real surpresa se formos parar para fazer as contas.

— Nós somos uma escadinha, lembra? Ela é dez anos mais velha que você, cinco do que eu e eu cinco de você, até parece que nossas mães programaram, minha sobrinha tem oito anos, se não tem oito está para fazer, eu sinceramente sou um tio meio ausente, mesmo tentando ser um bom exemplo, acho que não a vejo a dois anos — Ele se justificava.

— Dois anos André? — Indagou ela abismada.

— Peguei meu primeiro trabalho grande ano passado, mesmo estando formado a oito anos já, acabou que não fui para casa por um bom tempo, meu natal foi no meu apartamento dormindo porque no final do ano foi problema atrás de problema com fornecedor e coisas do tipo, você não tem ideia de como essa cidade fica em dezembro, você não consegue resolver quase nada com rapidez e eficiência — Se justificava logo em seguida dando uma longa suspirada — Mas esse ano eu vou resolver esse problema, eu vou no aniversário dela, só não sei quando é, mas eu vou. 

— André sempre esquecido, cabeça oca, mas sempre um cara legal — Catherine sorria comendo mais um pedaço de pizza.

— Mudando de assunto e você? Deixou algum rapaz apaixonado na cidade?

— Acredito que não, meu último ano na faculdade foi muito caótico, eu tinha um namorado mas ele não suportava que eu só queria estudar, então acabamos perto das provas finais do penúltimo ano de faculdade, dizem que isso é comum, eu fiquei bem triste mas não foi uma surpresa, objetivos totalmente diferentes.

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