Doce como Mel {1}

Meus pensamentos estavam fazendo uma conta mentalmente sobre o meu salário aqui na floricultura. Eu não ganhava muito, mas já era o suficiente para ajudar com as contas de casa e ainda sobrava um pouco para eu guardar para a minha faculdade. Dinheiro esse que agora seria direcionado para o tratamento da minha mãe, que definitivamente é muito mais importante do que qualquer outra coisa para mim. Eu cheguei a pensar em pedir uma porcentagem a mais em meu salário para Cristina, para que ela falasse com a sua mãe que é proprietária desse belo estabelecimento. Mas meu pai jamais permitiria, e foi esse o motivo que quando a mãe dela ofereceu um pequeno empréstimo para que pudéssemos pagar com o tempo, e talvez até mesmo com o meu salário, não aceitamos. Eu estava disposta a isso. Estava disposta a trabalhar por anos se assim fosse, mas meu pai é um homem orgulhoso e egoísta. O seu orgulho ainda está acima da saúde da mamãe, e não havia absolutamente nada que eu pudesse fazer. Nunca cheguei ao ponto de desobedecê-lo. Mas a verdade é que eu sentia meu sangue fervilhar em assim o fazer. Até porque é a vida da mamãe que está em jogo.

— AH!

Ouço Cristina gritar do outro lado da floricultura, o que me faz virar na sua direção, assustada com qual motivo poderia ter ocasionado o seu grito.

— Puta que pariu!

Ela desce a escada dobrável com uma expressão furiosa. E não é para menos. Ela está com sua roupa nova completamente suja de poeira. Ergo minha sobrancelha correndo até ela com um pano para ajudar ela a se limpar.

— Meu Deus! O que aconteceu? — Pergunto tentando segurar o riso, e ela somente faz beicinho retirando o pano da minha mão.

— Porquê você não me disse o quanto estava sujo lá em cima? — Ela aponta para o armário de parede ao lado da porta de entrada cujo ela estava limpando a parte de cima. — Dá para parar de rir de mim?! — Ela exclama brava e eu vou em seu encalço até o banheiro da loja, onde ela se encara no espelhando expelindo o que pode da poeira em sua roupa.

— Sabe, isto se chama gravidade. Se você varre algo que está em cima, para si, coisas como essa acontecem. — Murmuro zombeteiramente e seu olhar pelo reflexo do espelho se torna ameaçador.

— Como você espera que eu mude dessa para melhor, dessa forma? — Cristina choraminga e eu sorrio, me segurando para não revirar os olhos.

— Eu vou limpar a bagunça que você fez. — Aviso, me dirigindo até onde ela estava.

Cristina é a minha colega de trabalho e filha da dona desta floricultura. Dois anos atrás, quando comecei a trabalhar aqui, a mãe de Cristina a obrigou a vir trabalhar na loja, já que a mesma era muito rebelde e foi uma forma dela se disciplinar. Sempre tivemos uma relação boa e amigável, mas nunca nos consideramos amigas ou coisas do tipo. Ela tinha suas amizades, e bom… Eu não tinha as minhas. Há um mês Cristina vem saindo com um homem, conhecido como Tadeu. Eu nunca o vi, mas sei que os dois são bastante próximos já que praticamente ela sai com ele todas as noites. Sem falar nos diversos presentes chiques que ela recebe em nome dele. Pela forma cheia de animação que ela fala dele, dá até para imaginar que os dois têm uma relação.

Subo as escadas dobráveis com o máximo de equilíbrio que eu posso, já que eu nunca fui muito fã de altura, e logo trato de tirar a poeira, a varrendo com o pano para um canto distante do meu. O sino da porta toca de repente e eu me assusto, fazendo com que eu me desequilibre da escada. Meus olhos se fecham e um grito escapa da minha boca enquanto eu espero o impacto da queda. Mas sinto me cair sobre algo muito mais aconchegante que o chão, mas ainda me mantenho em posição de susto.

Meu coração está acelerado em meu peito pelo susto repentino, e é quando eu abro meus olhos, me deparando com duas íris escuras me encarando com certo tipo de confusão e divertimento, que eu fico ainda mais assustada.

Oh céus! É um homem…

— Eu… — Tento pronunciar algo, mas absolutamente nada passa por minha mente, a não ser as tatuagens nos braços do homem que me segura.

— Opa! Eu vejo que já fisgou uma garota. — Um segundo homem surge por trás dele, e como se tivesse acordado de seus pensamentos, o homem barbudo logo me põe no chão.

Me afasto rapidamente limpando a garganta, sem graça por não saber o que fazer. Eu sei bem que nunca cheguei perto de um homem, ainda mais da forma que ele me segurou nos braços. Se meu pai tivesse visto, iria preferir que eu caísse no chão do que nos braços de alguém.

— Me desculpe, eu estava distraída, tomei um susto quando chegaram. — Murmuro um pouco distraída observando as feições dos dois.

O homem que me segurou é claramente o mais velho, e sua barba é o que revela isso. Suas tatuagens se estendem até o pescoço e braços, saindo até mesmo pela manga da camisa. O outro que chegou logo depois, é moreno e tão alto e musculoso quanto o seu amigo. Ele não parece ter tantas tatuagens, mas tem alguns piercing espalhados pelo rosto.

— Ah, não se preocupe. Eu tenho certeza que o meu amigo aqui não se importou; — O moreno toma a frente com um sorriso no rosto. — Eu sou Tadeu, e eu imagino que você seja Mel, a colega de trabalho da Cris. — Ele estende sua mão para mim e eu assinto, meio sem graça de ela tenha falado de mim para eles.

— Ah sim! — Seguro sua mão para não parecer mal educada. — É um prazer. Ela está…

— Gatinho! — Cristina me interrompe se aproximando de Tadeu, e eu logo recuo, já que não estou habituada a interagir dessa forma com as pessoas.

Ela o abraça e deposita um beijo em seus lábios, o que faz que eu desvie meu olhar deles. Mas logo encontro o homem que me segurou me encarando, como se quisesse me analisar.

— Fiquem à vontade, eu vou para trás do balcão. — Limpo a garganta e vou rapidamente para o meu posto, onde tenho algumas tarefas para fazer.

Levanto o meu olhar para Cristina que nesse momento parece conversar algo animado com Tadeu, enquanto o outro homem cujo o nome ainda é desconhecido começa a passear pela floricultura, observando as flores. Seu olhar se encontra novamente com o meu e eu rapidamente o desvio, num ato involuntário. Esse homem está me deixando bastante intimidada para que eu possa o encarar com facilidade. Na verdade, eu sempre tive problemas em relação à olhar nos olhos das pessoas, talvez por isso nunca achem que eu sou de confiança.

— Trabalha aqui há muito tempo? — Ele pergunta se apoiando no balcão, observando alguns vasos com flores artificiais logo atrás de mim, nos nichos.

— Há dois anos. — Respondo ainda atenta ao papel em minha mão.

Amanhã terá uma festa de casamento e uma mulher pediu algumas flores, portanto eu tenho que verificar se temos na loja todos os itens que ela pediu, caso contrário, ligamos para o assistente da mãe de Cristina e realizaremos a carga para enviar das outras lojas para essa.

— Cristina falou bastante de você para a gente. — Ele comenta, acho que numa tentativa de puxar assunto, mas como bem já disse, eu sou péssima em interações.

— Sério? E de onde vocês se conhecem? 

É verdade que foi uma pergunta para eu não parecer uma mal educada, mas eu estava realmente curiosa sobre qual lugar Cristina poderia os conhecer. Quer dizer, ela tem apenas vinte e dois anos, desistiu da faculdade de enfermagem logo no primeiro ano. Mas acredito que um dos fortes motivos para ela ser bem social e conhecer tantos homens desse estilo, é a sua beleza. Cristina tem a pele bronzeada que eu nunca tive, já que eu mesma me considero pálida. Seu cabelo é curto e negro, além de que os fios são extremamente alinhados, diferente do meu que são um pouco ondulados. Ela é alta e tem um corpo curvilíneo totalmente proporcional ao seu corpo. Já eu… Bom, eu sou um pouco mais baixa que ela, não passando de um metro e sessenta, sou um pouco mais magra, exceto pelos meus seios e quadris que se destacariam rapidamente se eu não usasse roupas mais conservadoras.

Ele parece pensar na minha pergunta e é quando eu me pego o encarando. Ele é um homem bonito, sem dúvidas. Mas com certeza fora de qualquer quesito estabelecido pelo meu pai para um futuro marido para mim. Não que eu pense em namoro ou coisa do tipo, prefiro seguir na faculdade e acompanhar o rumo que minha vida tomará. Isso se eu chegar a fazer faculdade…

— Foi numa festa de amigos. — Ele parece sorrir com a memória e eu volto a olhar o papel, querendo distrair os meus pensamentos sobre qualquer assunto que envolve regras e ainda mais um futuro marido.

Ergo minha sobrancelha quando um dos itens escrito no papel não está marcado. Um item que eu tenho certeza que tem na loja.

Me viro para procurar esse mesmo item nos nichos atrás de mim.

— Eu jurava que tinha um bem aqui… — Murmuro procurando as sacolinhas entre os jarros de flores artificiais.

Como os nichos são bastante altos, e tem alguns um em cima do outro, eu não consigo ver o que há lá em cima, portanto eu começo a tatear, buscando por ele, mas logo desisto pronta para dar falta no item. Assim que me viro para marcar no papel, eu dou de cara com dois ombros enormes à minha frente, me fazendo congelar no lugar. Levanto o meu olhar que se encontra com as mesmas duas íris escuras de antes, e eu prendo a minha respiração, tensa com a sua súbita aproximação. Ele sorri percebendo o quão fiquei abalada, e então levanta seu braço, pegando algo no mesmo nicho que eu procurava a sacolinha.

— Sabe, se você fosse um pouco maior teria alcançado. — Ele murmura divertido e logo põe a sacolinha na minha mão, já que eu me encontro congelada no lugar.

Ele dá meia volta para trás do balcão e eu me permito suspirar aliviada. Deus… tudo bem que eu nunca estive tão próxima de um homem assim, mas isso não é motivo para estar tão intimidada quanto estou.

Ele pega uma rosa e volta para o balcão, com um sorriso de orelha a orelha.

— Ben! Já estamos indo! — Tadeu o chama entrelaçando seus dedos nos de Cristina, mas o homem que agora tem um nome, ou possivelmente apelido, continua me encarando com o mesmo sorriso.

— Quanto é essa rosa?

Limpo a garganta tentando voltar ao meu estado normal.

— Hum… é… é cinco. Cinco reais. — Respondo e ele põe uma nota de vinte na mesa.

— Sabe, eu só tenho essa nota por enquanto e estou apressado, então fica com o troco. — Ele murmura dando de ombros e então põe a rosa na minha mão.

Olho para a nota de vinte e a rosa na minha mão enquanto ele vai na direção de Cristina e Tadeu.

— O quê? Mas a sua rosa! — Chamo a sua atenção, mas ele somente se vira piscando para mim, antes de sair pela porta.

— Mel, fecha a loja para mim hoje, pode ser? Eu acho que vou chegar tarde. — Cristina avisa e eu só assinto, um pouco confusa e abalada com o que acabou de acontecer.

Encaro a rosa que ele me deu sentindo algo diferente em meu peito. Ele é só mais um dos amigos de Cristina, mas por que eu estou tão nervosa assim?

Como meu dia não estava agitado, eu tratei de fechar a floricultura um pouco mais cedo que o normal, continuando a minha rotina nesse momento, que é visitar a minha mãe no hospital. Mesmo que eu não tenha entendido o motivo dele ter me dado uma rosa, eu a levei comigo. Quem sabe minha mãe não poderia gostar e até mesmo dar um pouco de vida em seu quarto.

— Pensei que não viria me visitar hoje. — Minha mãe murmura notando a minha presença assim que eu abro a porta do seu quarto.

Sorrio e logo me sento na poltrona ao seu lado, segurando a rosa.

— A senhora sabe que eu não deixaria de lhe visitar, é só que eu tive que fechar a floricultura mais uma vez, já que Cristina precisou sair; — Respondo colocando minha mão sobre a sua. — E como a senhora está se sentindo?

Ouço ela suspirar e fechar os olhos com um sorriso. Minha mãe já vem sentindo dores há algum tempo, mas só a trouxemos para o hospital quando vimos que ela não aguentaria. A verdade é que o meu pai achou que suas dores seriam curadas com a oração, e eu não duvidei nenhum pouco disso, mas acreditava que deveríamos facilitar as coisas e tratar da melhor forma possível. Um médico sabe o que faz e são verdadeiros anjos nas nossas vidas, mas não é dessa forma que o meu pai pensa.

— Eu me sinto igual, mas estou bem; — Ela finalmente abre os olhos, me direcionando um sorriso enquanto aperta a minha mão na sua. — E essa rosa? É para mim?

Assinto pondo a mesma sobre a cômoda ao seu lado na cama.

— Foi um… presente. — Limpo a garganta numa forma de explicar a ela.

Não posso mentir dizendo que eu mesma a comprei, porque além de mentir eu estaria quebrando uma das regras. Mesmo que tenha sido somente cinco reais, todo dinheiro é necessário para casa e o tratamento da minha mãe.

— E como está em casa com o seu pai? — Ela pergunta tomando a rosa em sua mão e a aproximando do seu nariz.

— Tirando a parte que ele sequer olha na minha cara só porque eu citei o nome da igreja, está tudo bem. — Deito minha cabeça ao lado da sua mão e sinto ela acariciar o meu cabelo.

— Seja paciente querida, e não descumpra as regras do seu pai.

E quando é que eu faço isso? É sempre de casa para o trabalho e do trabalho para casa, exceto que agora eu posso visitá-la no hospital. Nunca tive amigos, e nunca fui à escola. Sempre tive aulas particulares em casa, bancadas pelos meus avós que ao contrário da gente possui dinheiro, menos para o tratamento da minha mãe, é claro. Sem falar no que eu fui privada a minha vida inteira. Celular, televisão, ouvir músicas, ler livros de romance, mas é claro que de uns tempos para cá pelo menos isso mudou na minha vida. Assim que eu comecei a trabalhar eu juntei meu dinheiro e comprei meu celular, onde tive acesso à absolutamente tudo, mantive isso em segredo do meu pai por um tempo, mas ele logo descobriu e após conversar com a minha mãe eles permitiram com a condição de que estariam sempre monitorando o que eu fazia.

— Eu só quero que a senhora melhore logo… — Murmuro sentindo a borda dos meus olhos se encherem de lágrimas.

Eu sei que Deus está cuidando dela e que não vai deixar que nada de ruim aconteça com a mesma, mas vê-la nesta situação me deixa angustiada. Minha mãe sempre que podia me defendia do meu pai, no início eu não entendia o porquê dela se submeter a tal situação, como uma submissa dele, mas depois eu entendi. Ela foi criada de uma forma extremamente severa, ainda mais do que eu, criada para se casar com um homem religioso como o meu pai.  Eu queria que ela conhecesse o pouco que eu conheço, mas por ora eu somente a agradeço do fundo da minha alma por não ter deixado que o meu pai fosse tão severo comigo quanto seus pais foram com ela.

— Ah minha filha, só creia em Deus e ele fará o que for melhor; — Ela acaricia o meu cabelo enquanto as lágrimas deslizam pela minha bochecha. — Te amo querida.

— Te amo mãe.

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