Guilherme tem uma relação complicada com o pai e seu pensamento mais profundo é largar tudo e partir... Contudo, sua vida dará uma guinada enorme ao se deparar com os belos olhos azuis de Diana, alguém que ele acredita ser "inalcançável". Ela, uma garota que não espera por um amor de verdade, será enlaçada pela presença do rapaz. Entretanto, há um "oceano" separa seus mundos e, para ficarem juntos, terão de transpô-lo. Nisso, a "Desert Rose" será fundamental, porém, de seus próprios lados, haverá oposição. Diferenças sociais, econômicas e até raciais tentarão impedir essa paixão, que se converterá em um sentimento muito maior, algo que surpreenderá a todos.
Ler maisO dia estava maravilhoso na manhã daquele sábado, fim de novembro de 1993, em Guarujá, litoral de São Paulo. As águas do canal que separa a ilha de Santo Amaro do continente (Santos) estavam bem calmas.
Sentado numa das cadeiras de madeira, que envolviam nossas pequenas mesas, eu mantinha minha mente presa à página 118 do livro “O que ela viu em mim?” do escritor Ricardo Moriah.
Sob aquela grande cobertura do quiosque da cantina, onde mesas pequenas estavam dispostas num grande círculo, eu me mantinha fixo ao som de Snow Piece, de Vangelis.
Os pequenos fones de ouvido de meu Walkman me impediam de voltar à realidade sonora do local, onde pássaros, barcos e os infelizes mosquitos davam o ar da graça.
Tudo parecia bem naquela manhã tranquila, que não deixava de ser igualmente monótona. Os clientes ainda não haviam chegado e eu podia relaxar…
De repente, percebo uma figura passando ao meu lado rapidamente, indo em direção à pequena mureta que separa o restaurante da água do enorme canal.
Com pequena estatura, devia ter pelo menos 1,65 m de altura, presumi, a garota tinha longo cabelo loiro caído sobre as costas. Num vestido azul com listras brancas, a jovem apoiou as mãos sobre a mureta e ficou a admirar a vista.
Fixando minha visão nela, presumi novamente que ela tivesse uns 15 anos. Mal sabia eu que acertaria isso. Então, voltei ao meu livro sem me dar conta de que clientes poderiam ter chegado, mas meu pai estava na cantina. Daí, continuei na 118…
Eis então que passa uma segunda garota, mas esta é mais alta que a primeira, tendo igualmente longo cabelo dourado e trajando um short jeans curto, exibindo assim suas belas pernas.
Com blusa de cor azul-claro e em tecido rendado, onde era possível ver seu top branco, a garota voltou seu olhar para mim, mas seu semblante era sério.
Os olhos verdes eram claros e faziam uma interrogação ao mirar-me. Sem parar para contemplar minha pessoa, voltou-se novamente na direção da outra jovem. Disfarcei um pouco para não dar bandeira, mas reparei que a menor apontava algo na água, fazendo a maior imitar um sorriso.
Decidido a ver se mais pessoas estavam chegando, virei-me para olhar o balcão da cantina, atrás do quiosque. Contudo, minha visão foi subitamente bloqueada por uma pessoa.
Confesso que levei enorme susto, pois não divisei o que queria, mas uma terceira garota, que estranhamente me encarou ao interromper seu passo brevemente.
Olhei rapidamente para cima, dado que ela estava quase atrás de mim. Ao mirar em seu rosto branco, logo fui arrebatado pelos lindos azuis que me contemplavam.
Com cabelos negros caídos sobre os ombros, a jovem parecia surpresa a me ver e rapidamente formou um belo sorriso em seus lábios. Eu, Guilherme, já estava de boca aberta por erguer a cabeça e, talvez, isso a tenha deixado curiosa a meu respeito.
Reparei quando ela disse algo, mas eu não escutei, afinal, estava com os fones e a música era alta. Só aí me dei conta e os puxei pelos fios, voltando a ouvir normalmente.
— Desculpe! Eu te assustei? — disse a moça.
Mirando-a, ainda de boca aberta, voltei do transe momentâneo e respondi quase gaguejando:
— Sim! Quer dizer, não! Claro que não! É que eu não esperava…
Fiquei sem mais palavras, mas ela rapidamente me completou:
— Que houvesse alguém atrás de você, né?
— É…
Respondi desconfortável, mas ela me “salvou”. Então, olhando para o que eu segurava nas mãos, disse:
— Parei para olhar o que estava lendo, me desculpe, é que amo muito livros…
Meio sem jeito, ergui meu exemplar e o fechei para que ela pudesse ver a capa. A moça sorriu novamente e pude notar como ficou encantada com o que viu, tendo este uma mulher loira em imagem mesclada com um trólebus, que ela não comentou…
— Que linda capa! Achei interessante este título.
Quando ia continuar, a loira alta a chamou pela abreviação de seu nome.
— “Di”, vem cá ver — disse a loira.
Sorrindo para a outra, a morena mirou em mim novamente e falou:
— Ah! Com licença, me deixa ver o que minha irmã quer. Depois a gente se fala…
Assenti com a cabeça e a vi se juntar à outra. Ali, concluí que as três eram irmãs. Contudo, quem me chamou mais atenção foi a morena, a “Di”. Com uma blusa branca, meia manga e uma saia azul-claro, dotada de estampa de flores, a moça exibia curvas sensuais, que me atraíram.
Não imaginei qual seria seu nome, apenas fiquei a admirar seu corpo e seu lindo cabelo, que era um contraste forte com as outras duas. Então, em dado momento, “Di” olha para trás com um sorriso no rosto e me pega observando-a, ainda em transe diante de tão bela visão.
Assustado, voltei imediatamente à página 118, porém, eu não conseguia ler mais nada. As letras se tornaram como hieróglifos e eu havia de fato perdido minha Pedra de Roseta. Meu objetivo, entretanto, era decifrar o que aqueles olhos azuis tentavam me dizer…
Lentamente ergui a cabeça e notei que ela novamente observava o mar. Aliviado por não ser flagrado de novo — sim, eu já estava alterado por ela — levantei-me rapidamente e fui até a cantina.
Chegando ao balcão, meu pai me encarou com ar sério e disse:
— Vá buscar uma caixa de leite no carro e volte logo, que os clientes estão chegando.
Concordei com “seu Manoel” e fui até nosso automóvel, uma Volkswagen Kombi Standard 1980 de cor branca. Já bem surrada, ela era o carro que meu pai utilizava para abastecer a cantina da Marina Triton, às margens da rodovia Guarujá-Bertioga.
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Pardo como meu pai, mas bem mais claro, devido a minha mãe, a Eliza, eu era magro como ele e alto. Na época, com 19 anos, eu já tinha 1,80 m. Manoel era um homem severo e rude, mas que tinha às vezes seus momentos de afeição paternal.
Por sorte, eu era filho único, pois, não teria um irmão para aprontar e eu levar a culpa. Ainda assim, se eu não andasse na linha, a punição seria uma surra, geralmente de cinto. Bem, a última que tomei foi aos 14 anos…
Ainda assim, eu tinha muito medo dele e de seus gritos estridentes, suficientes para eu conjecturar arrumar minhas coisas e partir. A estrada da vida era para mim o plano de fuga, caso um dia a água derramasse pelo copo…
Por várias vezes, pensei em largar tudo, colocar a mochila nas costas e sair sem rumo, sem destino. No entanto, eu ainda não sabia, mas as coisas mudariam muito a partir daquele sábado…
Com 49 anos, Manoel trabalhara desde os 14 anos e havia conseguido uma boa função na empresa que administrava o Porto de Santos, a Cia Docas. Usando o dinheiro da demissão, comprou aquela cantina para estabelecer um negócio e virar o próprio patrão.
Eu ainda estava no colégio — cursando o Segundo Grau, como era na época o Ensino Médio — e meu primeiro emprego foi em nossa cantina, o restaurante adquirido há um ano.
Sem dinheiro para faculdade e após pausar os estudos no ano anterior, eu almejava um trabalho mais sólido que o restaurante oferecia e, de preferência, distante de Manoel.
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Ao voltar à cantina, entrei pela porta dos fundos do pequeno salão, onde basicamente ficava a cozinha, anexa ao grande quiosque. Com uma grande janela aberta e outra porta, esta dupla, eu vislumbrei novamente as três irmãs, ainda sob a choupana do restaurante.
Meu pai, de olho nas panelas e minha mãe buscando algo no armário, não repararam em como eu estava, parado e hipnotizado, observando “Di” rindo entre as irmãs. Só então fiquei surpreso com uma mulher de cabelo negro trançado e olhos azuis.
Aparentando uns 40 anos, ela fixou seu olhar em mim e, aparentando desconfiança, mirou em direção ao quiosque. Então, voltou-me rapidamente com ar sério e dizendo:
— Bom dia. Seu pai está?
Percebendo que aquela mulher poderia ser a mãe delas, rapidamente confirmei, chamando por Manoel. Nisso, evitei olhar na direção do quiosque e guardei o leite num armário, abaixo do balcão. Nem tive coragem de olhar para ela, mas seu semblante sério não me dizia boa coisa…
Quando terminei e levantei, de súbito fui pego pela imagem dela, a “Di”, tendo os dois braços apoiados no balcão e imitando um sorriso. Quando a vi, respondi da mesma forma, porém, logo o desfiz ao ver que ao lado dela, estava a mãe, uma reprodução original da mesma.
Disfarcei, mas “Di” me fez um pedido:
— Oi! Poderia me dar um refrigerante?
Só assim eu consegui formar um sorriso e assenti. Nisso, a mãe disse-lhe:
— Diana, suas irmãs não vão querer também?
Sem pestanejar, a linda jovem respondeu:
— Tem razão!
Olhando para mim, pediu novamente:
— Moço… Pode me servir com uns três refrigerantes?
— Claro! Servirei na mesa. Qual sabor?
— Coca-Cola, por favor.
— Pode deixar…
Rapidamente saquei uma bandeja, coloquei três copos e abri as pequenas garrafas do refrigerante. Nisso, percebi que Diana voltou ao quiosque, enquanto sua mãe fazia um pedido a meu pai. Equilibrando a bandeja com destreza, fui até onde elas estavam.
Diana foi a primeira a sentar à mesa, a mais próxima de onde vislumbravam a água e os barcos próximos. Enquanto eu a servia, a morena me olhava com atenção, não reparando exatamente no copo ou na garrafa.
Quando terminei, antes de ela chamar as outras, que ainda estavam de costas, sorriu novamente e fez um sinal com a mão para eu me aproximar. Então, quase sussurrando me confidenciou:
— Ela assusta né? Mas, não morde…
Afastei-me lentamente e fiquei sem compreender, enquanto Diana tinha um sorriso enigmático. Nisso, a menor das três virou-se e comemorou:
— Coca! Isso eu amo!
A mais velha e alta das três, se aproximou e, antes de sentar, formou um sorriso, agradecendo.
— Se quiserem algo mais é só pedir — falei.
Diana, então, se apressou e sugeriu às irmãs:
— Que tal umas fritas maninhas?
A loira, que acabara de tomar o primeiro gole da bebida, assentiu, enquanto a mais jovem sorriu e bateu palmas levemente. Diana olhou para mim e falou:
— Moço, pode nos trazer fritas?
— Claro, agora mesmo!
Sai rapidamente e voltei à cozinha da cantina, onde disse a minha mãe o pedido delas. Meu pai, observando, fez sinal que o faria imediatamente. Enquanto ajudava, um homem alto e loiro chegou. Eu já o havia visto na marina, mas sob outras condições…
Nunca desejei aquele momento com Andrea, onde o desespero dela a levou quase à morte e com uma despedida tão triste. Saber que levei alguém quase ao fim da vida me deixou aflito por anos. Hoje não mais, mas durante muito tempo, chorei escondido de Diana.Quando você vive com alguém, acredita mesmo que pode esconder tudo? Pois é, nem tudo está oculto e ela, do seu jeito, sabia disso. Antes inflamada pela raiva que nem deveria passar, Diana convertera-se numa cuidadora de mim. Ela sentia que se não tivesse o devido tato, eu poderia até alcançar a depressão.Naquele fim de semana triste, o segundo de maio de 1994, eu e Diana nos apresentamos aos meus pais. Era a primeira vez que estávamos reunidos em minha casa e Manoel queria dizer algo. Sentados no sofá, vimos ele entrar e sentar ainda com moderação nos movimentos.Eliza juntou-se ao marido e a expectati
A sensação não passava enquanto aquela ambulância balançava incansavelmente em direção ao hospital. Havia sentido algo momentos antes de Andrea entrar no mar e aquilo ainda continuava em mim. Era muito estranho antever um fato que ocorreu a seguir.Junto dela, naquele carro, parecia que tudo já havia acontecido. Nos mínimos detalhes a vi deitada na maca, com a máscara de oxigênio e presa por cintos pretos.Ao lado, a socorrista, uma mulher negra, lá pelos 30 anos, monitorava a jovem ruiva. Agachado atrás dela num pequeno espaço, segurava a mão de Andrea, que ocasionalmente, mirava-me com olhar assustado.Um deja vu me ocorreu pela primeira vez na vida. A partir daquele momento, essa sensação de ver algo que já teria ocorrido, me acompanhou por muito tempo. Não sabia, mas outro evento, acredito eu, no mesmo momento, me
Manoel ficou mais dois dias no hospital e já era sábado de manhã quando recebeu alta. O visitei durante o período e conversamos mais, especialmente em relação a trabalho. Era uma questão importante que ele me relembrou.Ao chegarmos a casa, onde fiquei desde a visita do perdão, não tardou a campainha tocar. Imaginei ser algum dos amigos de Manoel, mas ao abrir o portão, ela se fez presente com sorriso formado, revelando dentes branquíssimos.Seus olhos verdes clarinhos e as sardas num mar rosado harmonizavam com os lábios avermelhados, delicadamente esculpidos. O cabelo alaranjado lhe caía sobre os ombros em um penteado novo e atraente. Nem é preciso descrever o resto, pois, estava sensualmente belíssima.Não parecia que Andrea havia abortado há pouco mais de dois meses. Estava em plena forma e parecia bem. Quer dizer, apenas aparentava…<
No umbral do portão, observei o Gol de Martha virar a esquina levando consigo não só meu anjo, mas também minha amada e a tia Débora. Ao lembrar-se dela, imediatamente pensei nele, o meu pai. Em tempos onde internet ainda era um sonho distante, apenas o telefone era o canal mais imediato de comunicação.Sem celular, só podia aguardar Eliza chegar. Nesse tempo, andei pela casa e me recordei de alguns bons momentos de minha vida até ali. Não sabia ainda, mas era uma despedida antecipada. Sentei na cama e juro que ainda podia sentir o calor dela sobre o lençol.A saudade de Diana já se fazia ali, mas também a vontade de consertar tudo. Olhei pela janela e observei o Paturi 16. Imaginei velejar com a morena sob um céu de brigadeiro e com o vento nos empurrando para longe. Todavia, as águas que cruzaríamos seriam mais difíceis e desafiadoras.Adormeci em minha cama e após muito, despertado novamente. Desta vez, por minha mãe, com exaustão explícita em seu ainda jovem rosto.— Como ele está?
Após muitos minutos ali, Diana, curiosa e com ar de felicidade estampada em seu rosto rosado, quis conhecer a casa. Martha, acompanhando a irmã em sentimento, também insistiu no pedido e, após apresentações devido a minha tia, mostrei minha velha casa.Tia Débora, uma bela negra com seus 30 e poucos anos — ela nunca dizia a idade exata, nesse caso — prendia sempre seu cabelo em um coque no alto da cabeça. Tendo um corpo curvilíneo, muita inteligência e língua afiada, encantou um japonês, quer dizer, um nissei.Casada com Paulo Ikari, que na época tinha cerca de 40 anos, morava em Extrema, no sul de Minas Gerais.Apesar da preocupação com o irmão, Débora deu total atenção àquela jovem.— Nossa! Ainda não consigo tirar os olhos de você! Gente! Esse olho é natural mes
Na segunda-feira, dia 9 de maio de 1994, liguei para Diana. Decidi resolver minha vida e era esse o motivo de ter voltado. Logo após levantar e tomar café com Felipe, sentei no sofá da sala, disquei o número da casa dela em São Paulo e aguardei.Lourdes, a empregada dos Niechtenbahl, atendeu e chamou Diana, que estranhamente ainda estava em casa naquela manhã. O motivo era que, naquela ocasião, fazia o primeiro semestre de Medicina, como planejara antes de me conhecer. Pouco entusiasmada, começou a conversa.— Diga Guilherme.— Diana, ontem não foi um dia fácil para mim.— É mesmo? E para mim? Não sabe como fiquei?— Como você ficou?Após uma pausa, a morena respondeu.— Fiquei muito triste em ver você ontem após meses sem dar notícias.— Perdão. Fui um tolo.<
Último capítulo