Capítulo 4

Comando de Operações e Defesa Aeroespacial (C.O.D.A.)

Tempo transcorrido após o primeiro contato: 6h

A Sala de Controle e Gerenciamento de Crise do C.O.D.A., ou apenas SCGC se encontrava muito mais agitada que o normal para uma manhã de quarta-feira.

Engenheiros e técnicos com seus tablets nas mãos calculando possíveis trajetórias e probabilidades cruzam o local, enquanto operadores de rádio transmitem ordens e coordenadas para seus colegas em várias partes do mundo. Embora com diferentes tarefas, todos têm o mesmo objetivo, assessorar e apoiar a tripulação que navega em um grande satélite orbital, milhares de quilômetros sobre suas cabeças.

O imenso monitor central, composto por quatro telas de altíssima resolução e que ocupa a maior parte da parede norte da SCGC reproduz em tempo real a transmissão do satélite de observação CICLOPE. Como ponto central da transmissão, o inconfundível e onipotente planeta Marte. Em pontos laterais do monitor, dados e coordenadas são atualizadas em tempo real.

O elevador se abre silenciosamente. Conforme as duas folhas de metal que formam a porta escorregam do centro para as laterais, seis homens saem de seu interior e adentram no salão. Instantaneamente todos os presentes param o que estão fazendo e acompanham a chegada do grupo. Dois deles trajam ternos pretos, com camisas brancas por baixo e gravatas perfeitamente alinhadas. Os outros quatro ostentam seus uniformes de militar verde oliva. Pelo número de insígnias que exibem, são todos de altas patentes. Em comum entre os seis integrantes do grupo, apenas um acessório preso em suas lapelas: o símbolo do Cruzeiro do Sul - a máxima representação dos Estados Aliados do Sul -, item obrigatório a qualquer patriota e partidário ao Presidente em exercício.

- Relatório. - Aquele que vem ao centro do grupo e que de certa forma parece estar sendo escoltado pelos demais, após passar rapidamente os olhos sobre o monitor para bem ao centro do salão, recebendo em seguida um maço de folhas de um dos engenheiros.

- Senhor Secretário, às duas e um da manhã nossos equipamentos da MMS passaram a receber dados e informações do status de uma de nossas sondas e de um de seus tripulantes. – Quem responde é um homem de jaleco branco, calças sociais pretas e sapatos muito bem lustrados, igualmente pretos. Sua gravata vermelha, já um pouco solta na altura do pescoço destoa no visual do cientista. – É a sonda espacial Andrômeda, senhor.

- Andrômeda? Achei que tínhamos perdido essa nave há 60 anos. Como é possível? - O Secretário de Defesa Rohns é um homem de meia idade, beirando o meio século de vida. Endurecido pelos anos vividos no Exército, Rohns ainda preserva o corte de cabelo estilo escovinha, padrão dos militares, assim como sua rotina de exercícios e seu físico avantajado, o que colabora para manter sua imagem rígida e vigorosa. Seu bigode branco, das mesmas cores de seus cabelos, emoldura sua boca e lhe confere um ar sério e inflexível.

O Secretário se dirige para a sala de reuniões adjacente à Sala de Comando e retira seu paletó de forma cuidadosa, acomodando-o sobre o encosto de couro de uma das cadeiras. Em seguida, levemente afrouxa o nó de sua gravata.

- Não pode ser um erro de leitura? Uma interferência de sinal? - Rohns pergunta ao Diretor do C.O.D.A. olhando-o por cima do ombro, enquanto dá mais uma alisada nos ombros de seu paletó, sobre a cadeira.

- Negativo, senhor. Não existe mais nenhum equipamento operando no mundo que emita ou receba esse tipo de sinal. – Whittaker, o Diretor Geral do C.O.D.A. que acompanhou o Secretário de Defesa até a sala de reuniões envidraçada responde ao seu superior ao mesmo tempo em que pega o controle do monitor da sala e o liga. A imagem inicial que surge na tela é a mesma do monitor gigantesco da Sala de Controle, o planeta Marte. Agora um pouco mais desfocado, conforme o satélite CICLOPE ajusta sua posição.

Pressionando uma tecla no controle, a imagem muda. Agora o que todos na sala veem é uma projeção do que parece ser uma rota de voo.

- Conseguimos rastrear o sinal para além de Marte. Temos certeza de que é Andrômeda que está transmitindo esses dados. Mas só os conseguimos receber porque a nave entrou no raio de alcance do MMS, na órbita de Marte. Em outras palavras, - Whittaker retira os óculos -, após 60 anos perdida no espaço, a Andrômeda está voltando para a Terra. E o mais incrível, com um de seus tripulantes vivos.

- Mas como é possível? Ninguém sobrevive 60 anos vagando fora de controle pelo espaço e, de repente, resolve voltar para o seu planeta. - Rohns se senta na mesma cadeira que pendurara seu paletó e começa a ler os relatórios.

- Não sabemos, senhor. O que consta em nossos registros é que devido à uma falha nos controles de Andrômeda após uma explosão solar, os seus tripulantes perderam o controle da sonda e viajaram à deriva até o combustível da nave acabar. Perdemos todos os sinais e comunicação com eles após cruzarem a fronteira de Marte. Isso foi a seis décadas atrás, senhor.

O Secretário de Defesa nada fala. Sua feição séria e concentrada já fala por sí só.

- E quais as nossas certezas, Diretor Whittaker? O que sabemos até agora? - Um dos homens trajando uniforme militar toma a palavra, após escutar as explicações.

- Não sabemos muito, até agora, General Dias. Nossas estimativas é que, se permanecer nessa rota e nessa velocidade, a sonda chegue até a Terra em dois dias.

- Dois dias? Mas o que diabos está alimentando aqueles motores? Um percurso desses não é percorrido por naves dessa idade por no mínimo três semanas!

- Estamos ciente disso, Senhor Secretário. Infelizmente, a essa distância, não podemos fazer muita coisa, a não ser acompanhar a trajetória de Andrômeda até o nosso planeta. - Whittaker puxa a cadeira da cabeceira da mesa e se senta. Ele olha nos olhos de todas as pessoas presentes, como se pesando suas próximas palavras. Queria ter mais informações para compartilhar, mas não tinha. - Senhores, o que faremos à respeito disso?

***

Comando de Operações e Defesa Aeroespacial (C.O.D.A.)

Tempo transcorrido após o primeiro contato: 48h

- Senhor Secretário, está nos ouvindo? – Whittaker se aproxima de um microfone fixo em um painel de comando da SCGC.

- Positivo, Whittaker. Pode prosseguir. – A voz ecoa na sala através de alto falantes fixados e espalhados por toda a sala.

- Ok, senhor. O que estamos prestes a visualizar no monitor é a aproximação da sonda Andrômeda. Viemos acompanhando sua trajetória de Marte até a nossa Lua nessas últimas 48 horas. – Enquanto digita alguma coisa no teclado e seleciona uma vista diferente com o mouse, o Diretor Geral do C.O.D.A. tenta manter seu tom de voz firme e controlado. A verdade é que o Secretário de Defesa Gerald Rohns é um homem muito intimidante e, mesmo para uma pessoa em um cargo tão alto quanto Whittaker, e mesmo estando a centenas de quilômetros de distância, o nervosismo é difícil de conter ao se tratar com o Secretário de Defesa.

- E quanto às nossas tentativas de estabelecer contato com a nave? – A voz masculina não é de Rohns, mas de alguma outra pessoa presente na sala junto do Secretário. Provavelmente alguém do alto escalão do governo que não queria perder o espetáculo ou algum representante da Aeronáutica.

- Não tivemos sucesso, senhor. E tampouco descobrimos a origem do combustível que alimenta a aeronave. Mesmo à deriva, com todos os motores desligados, apenas para manter os sistemas vitais da nave, o combustível já era para ter esgotado.

Por alguns instantes, o silêncio impera em todo a Sala de Controle. Mesma coisa do outro lado da teleconferência, na sala do Secretário, na capital.

- Diretor Whittaker? – Uma quarta voz interrompe o silêncio, através do sistema de som da sala. - Já a estamos visualizando, senhor. Vou ampliar para vocês. – Quem fala é Arthur Kincaid, Comandante do Satélite Observador Ciclope. – Ali. Conseguem ver?

Um burburinho toma conta do salão.

Com a ampliação da imagem é possível acompanhar de perto a viagem da sonda desaparecida. Por sua aparência, é impossível de concluir como uma nave naquele estado ainda consiga viajar pelo espaço. Sua fuselagem está totalmente amassada, como se o veículo tivesse sido bombardeado por uma chuva de pequenos meteoros. Algumas partes arranhadas, inclusive com pedaços do casco rasgados e outras até faltando. Os polímeros frontais, que formam as janelas do veículo, já não mais existem, com exceção de um ou outro pedaço do "para-brisas" ainda preso nos cantos.

- Santo Deus. Como é possível? – O diretor Whittaker não esconde seu espanto. – Comandante Kincaid, tente focar nas janelas frontais. Vejamos se conseguimos identificar quem pilota a nave.

- Sim senhor. Vou tentar foc-. Ei, vocês estão vendo isso? A nave está mudando sua trajetória... Ela está se dirigindo para... Para a Lua! Ela vai passar por trás dela!

- Senhor! – Um dos operadores aumenta o seu tom de voz, sobressaindo-se dos outros. – Se Andrômeda prosseguir nessa nova rota, a perderemos de vista em 120 segundos!

- Comandante Kincaid? – Whittaker deixa todo seu nervosismo de lado e temporariamente esquece da presença do Secretário Rohns, assumindo uma postura de liderança mais confiante. – Comandante Kincaid, consegue reposicionar o CICLOPE e manter Andrômeda no campo de visão?

Já estou movendo o telescópio, senhor. Mas Andrômeda é muito mais ágil que nós. – Ao fundo é possível ouvir as vozes dos outros tripulantes do satélite tomando todas as medidas necessárias para seguir com suas lentes o misterioso veículo. – Mas se ela mudar de rota novamente, à perderemos.

Aos poucos a imagem na tela do super monitor vai girando, acompanhando a trajetória curvilínea da aeronave. A sonda desaparece do campo de visão, encoberta pela Lua. A lente do satélite percorre toda a superfície lunar, mantendo a mesma velocidade da nave e focando no ponto onde a sonda deveria estar saindo de trás da Lua, caso tivesse mantido a mesma velocidade de deslocamento.

- Droga! Ela mudou novamente sua rota. Nós a perdemos! – Arthur Kincaid não esconde a decepção em sua voz.

- Não! – Outro operador da Sala de Controle se manifesta. Dessa vez, uma mulher. – Andrômeda não alterou sua rota. – Ela engole em seco. – Ela pousou na Lua! Vejam, detectamos uma leve alteração em sua massa.

O som de dezenas de vozes falando ao mesmo tempo engole a todos no grande salão de controle. Whittaker, incrédulo não tira seus olhos do monitor. Sua cabeça processa milhares de hipóteses diferentes para tentar explicar os recentes eventos. A sonda espacial não fora projetada para pousar em terrenos acidentados. Como seria possível uma aterrissagem dessas?

- Mas que diabos! O que, em nome de Deus está acontecendo? Não é possível que uma nave, nas condições em que Andrômeda se encontra seja capaz de achar seu caminho novamente para a Terra, após 60 anos e ainda por cima, que consiga pousar na Lua! - A situação na sala de Rohns, no centro do país, não é muito diferente. Todos esperavam por respostas. Mas o que encontram são muito mais perguntas.

Roger Whittaker sempre acreditou que haveria vida em outros planetas. Nunca teve a ousadia ou presunção de achar que estavam sozinhos no universo. Sempre se imaginou mais do que preparado para lidar com vida alienígena, caso tivesse a sorte de encontrar algum dia. Mas esses eventos começam a fazê-lo temer o fracasso da missão. Não queria ser o responsável por perder uma chance única de recuperar e estudar uma aeronave que percorreu o espaço por tantas décadas. Todos precisavam de respostas e Andrômeda era a única que poderia fornecê-las. Nunca havia sentindo-se tão pressionado quanto nesse momento. Era um homem teórico, calculista. Quando precisava tomar decisões prematuras, normalmente decidia erroneamente.

O Diretor retira seus óculos com uma mão e com a outra massageia o nariz, bem no ponto onde os óculos descansam. Engolfado em um turbilhão de pensamentos e emoções, Whittaker não percebe quando uma de suas engenheiras toma o seu lugar em frente ao microfone no painel de controle central, assumindo as rédeas da situação.

- Comandante Kincaid, em quanto tempo o senhor consegue levar o Ciclope para o outro lado da Lua?

- Ahm, bem, precisaríamos de uma hora para a circularmos e mais alguns minutos para nos reposicionarmos. Mas senhora, preciso confirmar, mas acho que não dispomos de combustível suficiente para realizar esse ajuste de posição. Esse deslocamento não estava previsto em nosso cronograma. Se formos até lá, precisaremos reabastecer para conseguirmos anular o campo gravitacional da Lua e nos mantermos em posição.

- Diretor Whittaker? – A engenheira se volta para o diretor à suas costas. Com um aceno positivo de cabeça, ele autoriza a viagem. – Está bem, comandante Kincaid. Entendemos a sua situação. Por favor, calcule a sua nova rota e nos atualize. Estaremos enviando um carregamento extra de combustível para o CICLOPE em breve.

- Positivo Dra. Barnett. – Arthur Kincaid confirma o recebimento das novas instruções com uma voz alta e clara. – Estamos compartilhando agora nossos cálculos de rota. Iniciando deslocamento para o lado negro da Lua.

Em questão de segundos, todos os engenheiros, técnicos e operadores presentes na sala de controle estão executando suas respectivas funções novamente e em pouco tempo tudo se normaliza no interior da SCGC.

Enquanto digita alguns códigos no teclado principal do painel de controle, uma mão amigável recai sobre o ombro direito da Dra. Erika Barnett.

- Obrigado, Dra. Barnett. – Whittaker, visivelmente mais calmo dá um leve aperto no ombro de sua colaboradora, que responde o ato, pousando sua mão esquerda sobre a mão do Diretor.

- Não há de quê. O senhor sabe que pode contar comigo. – Com um aperto no botão esquerdo do mouse, Erika confirma o envio do combustível extra para o satélite. – Vou descer, para acompanhar o transporte da carga, está bem? – Com um sorriso acolhedor, a jovem engenheira se desvencilha do abraço de seu amigo e toma o elevador, em direção aos níveis inferiores do complexo.

Erika Barnett é um dos membros mais novos da equipe de cientistas do C.O.D.A. Uma linda mulher, de porte esguio e elegante, sempre trajando seu jaleco branco, característico da equipe dos engenheiros, uma saia preta e justa que cobre até o meio de suas pernas e um salto alto que emite um som bem característico toda vez que caminha pelos corredores internos. Tendo pintado recentemente seu cabelo num tom de castanho acobreado com mechas loiras, sua aparência agora é incrivelmente mais jovial.

Enquanto se desloca pelos intermináveis níveis subterrâneos, a uma velocidade relativamente alta do elevador, Erika puxa seu celular do bolso de seu jaleco e checa seu aplicativo de mensagens.

"- O filho da mãe leu a mensagem e não respondeu."

Um grito de frustração escapa de sua garganta e sai por sua boca, que rapidamente é coberta com as duas mãos. A jovem se pega surpresa por sua reação. Não tanto pelo fato de ter tentado segurar seu grito mesmo estando sozinha, mas sim por notar que se importa, e muito, com aquele homem com quem vinha se relacionamento. Uma relação de amor e ódio.

O sinal sonoro avisa a doutora que o elevador alcançou o seu destino. Ela sai caminhando apressadamente de seu interior sem nem esperar que suas portas estivesse completamente abertas. Estava no Setor 18.

"- Ótimo. Preciso me distrair."

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