Angellus 7
Angellus 7
Por: Jesse Olyvarbo
Capítulo 1

    2091, Restabelecimento da Pátria Sul-americana.

    O dispertedor, sobre um sustentáculo de vidro, ativou às sete horas da manhã com seus números azuis neon. Indolentemente, David o desligou com apenas um leve toque dos seus dedos. É um despertador com extrema sensibilidade tátil, uma esfera metálica semelhante ao mercúrio em cima de uma base num formato de trapézio arredondado. Parece com um daqueles globos de neve, que já não existem mais, pintado de prata. Quando o alarme é acionado para o horário desejado a esfera flutua sobre a base, apenas um toque o faz vibrar e voltar ao seu posto de sempre. David é um rapaz curioso, sempre quis saber qual era a mecânica do despertador. Este possui um mecanismo interno conectado com a base que o permite flutuar no horário certo. É um despertador moderno, contém em todas as casas da Sociedade, e além de despertar, mostra o clima, toca melodias contemporâneas e fala, porém é uma opção não muito usada. Esta história não se trata de um trivial despertador futurista, ou sobre qualquer engenharia mecânica, mas sim de um um garoto nascido numa era “ambitópica”, palavra que uso para definir um lugar que é bom e ruim ao mesmo tempo, ou seja lá como queira interpretar.

     David levantou-se da cama flutuante e foi tomar um banho. Seu quarto é totalmente pintado de cor azul, o piso é completo por piso de porcelanato, de mesma cor, há um banheiro, uma cama, uma escrivaninha, um monitor de quarenta polegadas em um suporte de vidro qual está embutido o teclado e o mouse, ambos touch screen, e uma assento de vidro com rodas. David faz parte do “um por cento” da Sociedade que possui uma escrivaninha, pois a escrita não é mais tão importante neste período secular porque hoje tudo se é digitado. A tecnologia evoluiu de uma maneira tão extraordinária que facilitou qualquer tipo de atividade dos seres humanos. Qualquer tipo de registro é arquivado em aparelhos eletrônicos, ou seja, não existem mais livros, tudo é à base do computador, portátil ou fixo. Também muita coisa deixou de existir neste período secular, como o celular, agora são apenas comunicadores, finos e transparentes, com nanochips com rede telefônica que não precisa recarregar para poder se comunicar com amigos ou parentes.

     Enfim, David decidiu continuar praticando a escrita, mesmo que, para muitas pessoas, ele pareça rudimentar. Nos Institutos Acadêmicos da Sociedade do Nordeste ensina-se as crianças a ler e a escrever, e ao completarem doze anos de idade, elas ganham seu primeiro aparelho eletrônico e passam para a fase digital, não necessitando mais de escrever. David já tem dezoito anos e já está na fase final do ensino acadêmico para escolher em qual área ele pretende empregar-se. É opcional trabalhar, mas são pouquíssimos os jovens que não querem se ocupar com um ofício a exercer. A vida deles na Sociedade é monótona, não existe diversão, não existe televisão, ou jogos, ou brinquedos, nada com o que recrear, apenas estudo e casa.

     A Sociedade é do tamanho de uma cidade muito grande, porém não há um número absurdo de habitantes, é razoável e proporcional. A Sociedade é circularmente fechada com muros impenetráveis de quarenta metros de altura, suas ruas são extremamente organizadas e vão de A à Z, cada rua tem uma letra e uma rua tem quinze casas com apenas mais um pavimento, e cada casa só pode abrigar sete pessoas, como preferir construir sua família; exceto os avós, porque há um Instituto da Terceira Idade, onde os “velhos” são abrigados e bem cuidados até seu dia fúnebre.

     Cada casa tem um número e letra, por exemplo: casa de número um da rua A; e um conjunto de ruas é chamado de Associação, e cada Associação tem uma cor. A cada seis/sete ruas – chamadas de Associação – há um Instituto Acadêmico, onde se cuida do intelecto do cidadão, um Instituto da Saúde, onde se cuida da constituição corporal do cidadão, e um Centro de Abastecimento onde os cidadãos vão buscar alimento para suas casas. Na Sociedade o alimento, a energia, a água, entre outros benefícios, são totalmente gratuitos, não existe mais o dinheiro, por isso não há mais crimes, desavenças sempre vão aparecer, mas tudo termina em ordem, pois o que comanda e predomina na Sociedade são os Militares das suas Corporações de Elite. A Sociedade não tem leis, nem deveres, nem direitos, mas tem uma regra rigorosa e levada ao pé da letra: “É permitido fazer de tudo, a qualquer hora e em qualquer lugar, exceto se prejudicar o Patrimônio Público ou Privado, qualquer indivíduo será preso”.

     Após se arrumar para ir ao Instituto Acadêmico, David saiu da sua casa, que a propósito é a de número quinze da rua F, a última da Primeira Associação da Comunidade Nordeste, depois de comer e escrever um pouco, sua melhor atividade, algo que um robô não faria por ele, quero dizer, faria sim, mas seria perfeito, e perfeição não é humano. Pelas manhãs David fica sozinho em casa, ele mora apenas com sua mãe Deborah Gaztelua, ou Srt. Deborah, como chamam os vizinhos, pois ela trabalha no Instituto da Saúde número um. Seu pai, Antoniel Gaztelua, era militar, morreu num acidente quando David nascera e este não tem irmãos, ou primos, ou qualquer parente que conheça. Acontece com muitas pessoas, não é mesmo?

     O Instituto Acadêmico é enorme, o que é desnecessário, há mais ou menos duzentos alunos. A Direção reservou apenas dez salas para as aulas, as outras trezentos e noventa salas estão desprovidas tanto de assentos quanto de discentes. A maioria dos estudantes está na metade do caminho, a minoria, incluindo David, já está na ultima fase, para ele só faltam mais dois meses, e o fim das aulas ocorrem antes dos trinta últimos dias do ano. David está no portão com todos os alunos do Instituto esperando dar sete e cinquenta da manhã para abrir, às oito horas os portões se fecham, daí ninguém entra ou ninguém sai. A maioria dos alunos são sozinhos como o David, mas ele não é anti-social como são os outros. Ele tinha um amigo na sexta fase, o Karlos, mas este foi transferido para a sala número seis, considerada a que precisa de mais disciplina, pois são alunos com dificuldades de compreensão e repetem a fase de ensino, junto com os que passaram. Nesse dia em diante, Karlos nunca mais falou com David, que era da melhor sala, a número dez. Certamente o sistema de educação do Instituto é muito rígido, mas fora de lá, nada interferia na amizade, Karlos escolheu esse caminho por espontânea vontade, ou por inveja.

     Um dos fatos que levou David a suspeitar da inveja do ex-melhor-amigo foi num belo dia quando, no portão, antes de abrir, algumas garotas mais populares fizeram uma escala dos meninos mais bonitos do Instituto numero um, advinha… David estava em primeiro lugar. Ele nunca se importou com estética, mas realmente ele é um jovem esbelto, alto, forte, pele morena e uniforme, com um sorriso encantador e um sinal na bochecha, com cílios grandes e olhar sensual, cabelos negros e cacheados num estilo black moicano. Graças a mãe, que é uma linda negra dos olhos castanhos e da cintura fina com quadris largos, um físico feminino perfeito, cobiçada pelos vizinhos e até assediada no setor de trabalho. O que não deixa David nada contente. Contudo, apenas a cor dos seus olhos são postiças. Lentes de contato cor verde. Ele poderia dizer que usa lentes de contato por capricho, mas ele tem um problema nos olhos qual não revela a ninguém.

     Quando entrou na sala, David percebeu que a professora não estava, o que não é normal, de acordo com a politica do Instituto, o Docente tem que estar na sala antes de qualquer aluno, pois cada um carrega em seu braço direito uma pulseira com um chip que é detectado pelo umbral da porta onde irá passar as informações para o computador de que tal aluno está presente, assim completando a lista e mostrando quem está ausente. Daí o Docente fecha a porta através de um controle em seu bracelete e dá inicio a aula. Da última vez que a professora não estava na sala foi para transferência de alunos… Nesse instante a professora Mara Dimond aparece na entrada e encontra a turma distraída, sussurrando conversas ou mexendo em seus aparelhos eletrônicos.

     — Atenção seus infelizes —, gritou a professora desnecessariamente, todos voltaram a atenção para ela. — Haverá mais uma transferência desta sela. — Ela falava com desdém, ninguém gostava dela. Seria uma alegria não ser da turma dela, mesmo que fosse rebaixado. — Srt Julianna Belibardor, venha até aqui. — Todos olharam para a ruiva do cabelo cacheado e cheia de sardas no fim da sala ao lado do David. A garota pegou seu receptáculo e retirou sua pulseira de identificação do pulso, já sabia mesmo o que ia acontecer. Algumas de sua amigas sussurraram adeus, sentirei saudades e etc. A Profa. Dimond deu uma nova pulseira a Julianna. Chegando esta na porta, entregou a antiga pulseira. — Sua notas estavam caindo bastante, achei melhor te rebaixar para a sala número oito. Já pode ir.

     — Deus seja louvado —, disse a menina já saindo as pressas.

     A turma ficou um pouco triste justamente porque ela era uma das melhores alunas e pelo otimismo que irradiava a sala, mas neste momento todos riram, ainda que baixo, risadas eram proibidas nas aulas da professora Dimond, o que a deixou tão irritada quanto já era por vida.

     — Silêncio! — Gritou mais uma vez e pigarrou. — E agora eu vou apresentar-lhes a novata. Pode entrar menina.

     Neste momento, entrou na sala uma garota de tez branca, um pouco amarelada com cabelos completamente amarelos partidos no meio e curtos até o pescoço. Seus olhos são negros, grandes e puxados, como de gato, suas sobrancelhas são longas e negras, sua boca é pequena e rosada e seus dentes são perfeitos, percebe-se pelo sorriso fascinante.

     — Turma — continuou a professora —, esta é a Isabelle Herbaunes, ela veio da sala numero nove e é a melhor da turma. Agora será daqui. Pode se sentar querida.

     A professora deu inicio a sua aula, e Isabelle começou a andar na direção de David, provavelmente para setar-se no lugar onde era de Julianna, e agora seria dela todos os dias. David achou ela um pouco familiar, mas não quis encará-la para não causar uma má impressão no primeiro dia da garota na melhor turma do Instituto. Mas ela acabou fazendo o que ele evitou fazer, e lançou aquele mesmo olhar de que o conhecia de algum lugar. Assim que ela sentou-se ao lado de David, ele sentiu um arrepio forte em seu braço esquerdo. Não resistiu e a encarou. Ela retribuiu o olhar, e como estavam perto um do outro, ambos perceberam que os dois usavam lentes de contato.

     — Tudo bem? — Perguntou David.

     — Tudo. — Respondeu a garota sorridente. Sua voz é rouca.

     — Eu sou David. — ele estendeu a mão, ela apertou — Seu nome é Isabelle não é? Sinta-se a vontade conosco.

     — Obrigada! Mas pode me chamar de Abelle, fico mais confortável.

     — Ótimo!

     Os dois sorriram um para o outro. David não sentiu interesse pela garota, apesar de ser bela de rosto e corpo, mas ele sentiu que ela iria acabar se tornando uma pessoa importante na sua vida.

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