Ellen

Não poderia dizer que havia dormido a noite. Minha cabeça ficava repassando toda a conversa que tive com Rebeca, e as coisas que falou me chocaram e magoaram mais do que eu poderia imaginar.

Desde sempre a ouvi dizer o quanto me odiava pelo fato de ser a filha da mulher que causou a separação dos seus pais, mas nunca imaginei que ela tivesse coragem de dizer tantas crueldades na minha cara, de me empurrar contra a parede e me machucar com as suas unhas, como fez na noite passada.

Nunca me senti bem com essa situação, porém, não era porque sou o fruto dessa confusão que isso significava que eu era a culpada por esse fato.

Quando Elisabete engravidou de Dominic, eles já tinham se casado. Claro que para uma criança magoada ver seu pai reconstruir sua vida com a amante e ainda ter uma filha, deveria ser algo péssimo, até mesmo porque sua mãe entrou em depressão por causa do que aconteceu.

Eu não brigaria com a minha irmã por causa de dinheiro ou qualquer herança que meu pai pudesse ter deixado para mim. Estava satisfeita com o que recebi durante a minha vida e faria o possível para arranjar um trabalho e apartamento. Não tenho medo de arregaçar as mangas e seguir a vida.

Nunca me importei com o dinheiro, mas desejava pelo menos trazer comigo alguma lembrança do meu pai, que sempre adorava me dar presentes.

Por isso trouxe comigo a caixinha de música que tinha uma bailarina pequena, que dançava ao som da melodia. Sempre que não conseguia dormir, colocava para tocar a música e fechava os olhos lembrando dos dias felizes que tivemos.

Agora eu estava mais que só. Não havia uma casa, pai, mãe ou qualquer um que seja que me fizesse sentir segura.

Quando o dia raiou, decidi sair cedo do pequeno apartamento onde Eva morava com o seu namorado. Eu não desejava os perturbar, já bastava o drama que estava sendo a minha vida. Além do mais, esse relacionamento com Davi era muito incerto, pois um dia estavam juntos e no outro não. Foi por causa disso que fomos à boate, pois ela desejava provocar ciúmes, e deu certo.

Saí do prédio sem saber o que faria. Não estava no clima para ir à faculdade. Sabia que teria que arranjar um lugar para ir, mas não sabia por onde começar.

Quase não prestava atenção no caminho quando virei a esquina e encontrei Anthony encostado em sua moto, usando uma jaqueta preta de couro, com óculos escuros.

No mesmo instante meu coração acelerou. Ele parecia sempre estar onde eu precisava dele e o pior, usando roupas despojadas o homem parecia mesmo um deus grego.

Ele estava prestando atenção ao telefone em sua mão, e parecia saber que eu estava em sua frente quando o guardou no bolso e caminhou em minha direção.

Mesmo com as estranhas coincidências, me sentia confortável ao seu lado. Depois daquela bronca que me deu por causa da boate, não nos falamos de novo.

Depois da conversa com Becca, achava que Anthony não estaria interessado em continuar sendo um amigo e protetor. Mesmo tendo crescido juntos como primos, na realidade, ele era primo de Rebecca, pois seu pai era irmão da mãe dela.

Nunca vi julgamento em seu olhar devido ao ocorrido com Manuela Johnson, e não sabia o que ele fazia a poucos metros do apartamento de Eva.

Como sabia que eu estava aqui?

Aproximei-me, sentindo um pouco de receio, pois não sabia o que aconteceria. Cada passo que dávamos, eu sentia o meu rosto queimar. Era impossível não me sentir desse jeito, como se tudo o que eu fizesse causasse uma ruborização só por estar em sua frente.

Anthy estava sério como sempre, avaliando-me dos pés à cabeça, assim como sempre fazia quando nos encontrávamos. Isso era o que me deixava mais vermelha. Saber que ele olhava para o meu corpo, que não era grande coisa, mas meu inconsciente gostava dessa atenção.

— O que faz aqui, Anthy? – Perguntei. O mistério acerca das suas aparições me enlouquecia. Claro que era óbvio que eu procuraria a minha única amiga em casos assim, mas do mesmo modo, isso me perturbava. – Rebeca falou com você?

Era difícil o ler, no entanto, conseguia ver as suas emoções em seus olhos azuis. Ele estava com raiva, talvez de mim ou da situação, mas eu via o seu ódio. Ele era alto e forte, sempre que estávamos perto um do outro, eu sentia que seria engolida pelo seu tamanho.

Quando nasci, ele já era um adolescente e entendia toda a situação acerca da nossa família. Sempre achei que ele odiava me ver por perto, não só por causa da sua tia, mas também pela minha pouca idade. Nunca quis importunar ninguém e nunca fiz amizade com outras crianças, no entanto, depois que seus pais morreram em um acidente, Anthony veio morar conosco. Ele não passou tanto tempo, já estava entrando em sua fase adulta e saindo para a faculdade, entretanto, sempre que voltava, não se importava com a minha presença, dizia que gostava de me observar lendo ou tagarelando, apesar de achar que o incomodava um pouco.

Ele foi para mim a única pessoa em quem eu confiava e tinha uma verdadeira amizade. Quanto mais eu crescia, mais nos aproximávamos. O problema era que de uns tempos para cá, minha mente tola fantasiava coisas que eu considerava erradas. Não tínhamos uma ligação sanguínea, mas éramos primos, cresci o vendo como um irmão, porque estava enlouquecendo agora e desejando que ele me tocasse intimamente? Hormônios?

— Não falei com Rebeca, mas Meredith me ligou, estava preocupada com você, eu diria desesperada. – Falou ao me puxar para um abraço forte.

Assim que senti seu corpo quente me envolvendo perdi a noção do tempo. Seu perfume me inebriava e fazia com que minha cabeça esquecesse dos problemas. Estando tão perto eu sentia sua respiração e um calor crescendo dentro de mim. Acredito que a juventude em mim estava deixando o meu corpo sem ação ou forças para resistir a queda que tinha pelo meu primo.

Ele era bom em me desmontar, sabia exatamente como me tirar do chão. Meu medo era que Anthony percebesse a loucura que se passava dentro de mim. Eu morreria de vergonha.

Por que ele olharia para uma adolescente tola e sem graça como eu?

Assim que lembrei que estávamos na rua, na frente de várias pessoas, me afastei bruscamente. Não só com receio deles acharem estranho, mas por não me sentir segura com os meus sentimentos e sensações.

— Estou bem. Fiquei com a Eva. – Falei sabendo que ele faria diversas perguntas. – Ainda não sei o que fazer, mas pretendo arranjar um lugar. Não preciso de Rebeca, posso me manter e posso arranjar um emprego. – Falei tentando me convencer de que realmente poderia seguir a vida sem ter que me preocupar com a bruxa. – Não preciso do dinheiro dela.

Estava chateada e usaria esse recurso para esquecer o que acabou de acontecer comigo.

— Ainda terá que me dizer o que foi que ela fez e disse, mas agora você vem comigo. – Falou autoritário como sempre. – Pegue suas coisas.

Ele não estava pedindo como um primo carinhoso, estava mandando como o Anthony dono de uma multinacional que odiava ser contrariado e eu só pude o olhar com espanto.

— Espera, para onde vamos? – Questionei surpresa. – Não precisa se preocupar comigo, posso muito bem... – Falei querendo pensar em argumentos fortes o bastante para que ele não me contestasse, porém, conhecendo seu lado mandão, nada do que eu falasse funcionaria e ele me olhou sério com os olhos cerrados, como se estivesse me dando uma bronca silenciosa.

— Você virá comigo. – Disse com uma entonação mais firme. – E não quero objeções, Ellen.

Estava feliz por ter Anthony do meu lado, assim eu não me sentiria sozinha, no entanto, lidar com essa sua personalidade forte era difícil, pois ele sempre me fazia aceitar tudo o que ele queria.

— Tudo bem, então. – Sussurrei sabendo que tinha perdido.

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