A Guardiã
A Guardiã
Por: Myshel Rutkosky
Capítulo 1

As vezes não sabemos do que somos capazes, mas somos capazes de saber até onde devemos ir para ter o que queremos.

Quando os primeiros raios de sol entram pela janela do quarto de Sarah Reed, indicam que um novo dia começa, e lentamente ela abre os olhos, leva a mão à boca e boceja lentamente, olha para a janela e com um sorriso tímido se espreguiça. Na porta do guarda-roupa ela posiciona o espelho e com feição de desprezo arruma os cabelos loiros e novamente percebe que alguns bons anos de sua vida já se foram, olha para a foto de casamento em cima da estante e se dá conta que se passaram vinte anos desde que se casou, rapidamente relembra os dezenove anos e seu ultimo ano de solteirice, as velhas amigas e o tempo que se foi.

Depois dos vinte anos sua vida tornou-se mais amarga, e logo tornou-se mãe, eu quando passou dos quarenta, passou a ser viúva, um acidente automobilístico levou seu marido, suas esperanças, sua juventude e sua alegria de viver, salvo, pelo filho que restara do seu casamento, Adam, um lindo garotinho que parece ter saído de um livro que conto de fadas, a única coisa que traz alegria a sua vida. O tempo levou o seu marido, e deixou o filho, que não conheceu o pai, quando um morreu o outro nasceu.

Enquanto penteia os cabelos e se esforça para que as lembranças vão embora, escuta uma voz baixinha no corredor: - Mãe? Já está acordada? Com passos lentos e suaves caminha até a porta e com o maior sorriso do mundo recebe o menino em seus braços.

O menino olha a mãe quase que hipnoticamente e mexe no seu nariz perguntando:

- Já está na hora?

- Está! – responde vibrante ao menino – Vá se arrumar e depois vamos sair.

O menino de pouco mais de oito anos atravessa o corredor e rapidamente troca seu pijama estampado de pássaros por uma camiseta, calças de jeans e tênis, aproxima-se da foto de seu pai e a coloca ao lado do pôster de seu desenho animado preferido, arruma a manga do suéter e caminha lentamente para a sala, e senta-se no chão, liga a televisão, onde atentamente vê o noticiário, que mostra a cobertura do inicio da festa que comemora o dia da cidade, ele sorri quando aparece uma enorme faixa pendurada na praça da cidade com letras garrafais – Elbor 118 anos – os balões e as barracas de doces deixam Adam apreensivo e com a mão no canto da boca chama sua mãe para ver a cobertura do noticiário.

- Já estou indo! – Responde Sarah dando os últimos retoques no cabelo.

Em pé na cozinha Sarah Reed torce o pescoço e olhando a festa na praça central da cidade avisa ao filho: - Daqui a pouco estaremos lá e você poderá comer quantos cachorros quentes conseguir! Mas antes precisa comer seu cereal! O menino logo se senta a mesa e pergunta a sua mãe sobre como será sua festa de aniversário de nove anos, Sarah logo interpela o jovem Adam.

- Mas ainda faltam quatro meses mocinho!

O menino faz olhar de insatisfação e depois ri timidamente.

- E falta muito né? – pergunta o inquieto menino levando uma colher de cereal a boca.

- Depende do ponto de vista mocinho! - responde Sarah pacientemente – Mas agora temos que ir!

Os dois caminham até o carro e com rádio ligado partem para a praça central da cidade, no rádio a única coisa que se fala é do primeiro de catorze dias da festa de 118 de Elbor, uma pequena cidade, pacata e hospitaleira, com cerca de trinta mil habitantes possui ruas largas com ciprestes italianos nos canteiros centrais, casas sem muros em estilo drywall e janelas bay window, quase todas decoradas com cores vermelho e branco, as cores da cidade. Em poucos minutos Sarah chega a praça central, a musica alta, as crianças correndo de um lado para o outro, os casais conversando sobre assuntos da vizinhança com um pretzel a mão.

Adam parece estar extasiado com aquilo tudo, olha para os lados e algo lhe chama a atenção, seus colegas da escola!

- Posso ir brincar com o Anthony? – diz olhando para cima enquanto puxa a manga da mãe.

- Claro que pode! Só não esqueça da hora do almoço! – relembra Sarah.

Ela estica o pescoço e tenta olhar por cima das pessoas enquanto Adam se afasta, procura por algum colega do trabalho, ou algum vizinho, sem sucesso caminha em direção a barraca de refrigerantes, uma última olhada para trás e se certifica que o filho está correndo com outras crianças e se divertindo no parquinho de diversões. Para em frente o balcão de refrigerantes e faz um sinal com a mão.

- Um refrigerante por favor! – Toma a garrafa em suas mãos e se vira para admirar a festa, olha de novo para o parquinho e vê Adam rindo e abraçando os colegas. Ao voltar seus olhares para a festa, de longe vê um braço se erguendo e um rosto familiar desponta na multidão, Susan vem andando em sua direção enquanto desvia das pessoas, pede licença a um, um toque no ombro do outro e logo chega perto de Sarah.

- Olá! Achei que não vinha mais! – cumprimenta Susan, com um beijo no rosto de Sarah.

- Aquele menininho demorou um pouco para se levantar hoje cedo! – diz apontando para Adam.

Susan procura o menino na direção que Sarah apontou e com um sorriso admira Adam, logo as duas começam a conversar, o primeiro assunto é claro é o trabalho, o assunto mais comentado em um sábado de manhã. Susan logo acena com a mão e pede dois pretzels a senhora da barraca, entrega um para Sarah e as duas se encostam no balcão para admirar a festa.

Logo aplausos e assovios tomam conta da praça, o prefeito e outras autoridades da cidade sobem no palco montado logo a frente das duas, o prefeito levanta a chave da cidade e entrega ao cidadão mais antigo o velho Gregory Jacobs, os aplausos se intensificam e o prefeito se aproxima do microfone.

- Caros amigos de Elbor, e com muito prazer que se inicia a festa de comemoração dos 118 anos de nossa cidade, espero que todos se divirtam!

Nesse momento começa a tocar Born to Run de Bruce Springsteen, as pessoas batem palmas e aos poucos voltam aos seus lugares, alguns aproveitam para comprar um cachorro quente, outros vão sentar-se as mesas para tomar algumas cervejas e assim a festa da cidade segue, ao fundo pode-se ver pessoas na barraca de tiro ao alvo, namorados passeiam pelos corredores formados pelas tendas de comida, a fila da roda gigante começa a se formar e o pipoqueiro prepara pacotes e entrega as famílias.

É um sábado de festa, e todos os anos no dia dezesseis de agosto a cidade comemora seu aniversário de fundação com duas semanas de festa, musica e comida, atrações, parques e brinquedos para as crianças.

Susan Brown, é a amiga e principal confidente de Sarah, as duas são praticamente inseparáveis, principalmente depois que Sarah perdeu seu marido, além de trabalharem na mesma sala, no escritório de seguros e apólices de Elbor, as duas são quase vizinhas, morando no mesmo quarteirão, quase podem avistar a janela uma da outra.

- A mesma festa de sempre, as pessoas de sempre... – afirma Sarah em tom apático.

Enquanto toma um gole de refrigerante continua observando o vai e vem das pessoas, sem muita vivacidade em seus olhos, Susan fica em silêncio tentando achar palavras para tentar animar a amiga, porém sem sucesso, a quietude toma conta das duas. Depois de mais uma mordida no pretzel Susan fala enquanto olha para Adam.

- Mas vejo que Adam gosta muito da festa!

Logo Sarah retoma o sorriso.

- Sim, ele se diverte muito – afirma Sarah – daqui a pouco vai querer um cachorro quente, quer apostar? Diz em tom de brincadeira - se ele não vir todos os anos nem sei o que pode acontecer!

Mal termina de falar e Adam desponta correndo em direção as duas, o sorriso do garoto pode ser notado de longe, seus cabelos loiros refletem o sol, enquanto sua juventude contagia as duas amigas.

- Olá tia Susan! Tudo bem? – diz o esbaforido menino que logo se vira para a mãe e pergunta:

- Já posso comer um cachorro quente?

Sarah se vira para a mulher que atende na barraca e solicita com um sorriso enorme no rosto:

- Pode matar o desejo desse gulosinho?

Susan se abaixa e beija o rosto de Adam, que retribui com um afetuoso abraço.

- Achei que não iria ganhar um beijo – dia mexendo da bochecha de Adam – quem vai ser o campeão da corrida de sacos esse ano de novo?

- Eu! – grita eufórico levantando o braço, mas logo sua atenção é tomada pelo cachorro quente nas mãos de sua mãe.

- Sente ali Adam! – aponta Susan – vamos todos para baixo da tenda!

- Como está o cachorro quente meu filho? Está bom? – pergunta Sarah limpando a boca de Adam com um papel.

- Muito! – responde Adam com o polegar levantado.

Sarah estica o pescoço tentando olhar por debaixo da tenda, seus olhos ficam semicerrados com o sol lhe ofuscando os olhos, olha para Susan e passa a mão na testa.

- Hoje o calor está de matar! Ainda bem que os refrigerantes estão bem gelados!

- Está demais mesmo! – responde Susan concordando com a cabeça

- Terei que jogar um pouco de água gelada no rosto! – afirma Sarah enxugando o rosto.

- O banheiro é lá atrás, logo depois da barraca de doces.

Sarah faz um sinal que vai até o banheiro e pede para Susan cuidar de Adam.

- Posso voltar para o parquinho? – Pergunta Adam.

- Claro que sim meu filho! Já volto está bem? – responde Sarah beijando a cabeça da Adam.

Enquanto caminha entre as pessoas, ela encontra alguns vizinhos, outros colegas de trabalho, quando é puxada pela mão, ao virar-se percebe que é Robert Collins, que a recebe com um sorriso na qual ela não retribui, fazendo cara de poucos amigos, afasta Bob com um gesto brusco.

- Quantas vezes tenho que te dizer que não tenho nada para falar com você? – responde com rispidez.

Bob levanta as mãos na altura do rosto e com as palmas para cima torce a cabeça para o lado com um sorriso desajeitado.

- Apenas queria saber quando iremos sair para jantar! – fala Robert despretensiosamente.

- Entenda uma coisa, nunca! Quantas vezes terei que responder isso a você?

Robert se afasta e vai embora. Sarah chega ao banheiro, abre a torneira com pressa, suas mãos estão trêmulas, enche as mãos com água e leva ao rosto, respira fundo aproveitando a sensação de frescor, repete mais uma vez e abana o rosto, já se sente melhor, vagarosamente pega uma toalha de papel e seca o rosto com calma e sai do banheiro mais aliviada, e começa a imaginar um sorvete gelado descendo pela garganta, olha em volta e rapidamente acha a barraca de sorvetes, levanta três dedos e mostra para o sorveteiro, escolhe um para si, outro para o filho e o ultimo para Susan e enquanto olha na carteira o dinheiro que possui, um vizinho chega a seu lado.

- Olá Sarah! Como vai?

- Olá Dennis, muito bem e você? Onde está Kate? Está com as crianças?

- Está assistindo a apresentação de música com elas, brigamos um pouco ontem e ela está brava comigo, será que vocês querem ir lá em casa hoje a noite? Podemos comer umas pizzas e o Adam e as crianças podem assistir o novo filme do Benji, o que acha? – pergunta desapontado – talvez a Kate fique menos braba comigo.

- Já sei Dennis você esqueceu novamente de renovar a mensalidade do caratê dos meninos! – responde rindo.

- Acertou na mosca! – responde Dennis, levando a mão atrás da cabeça e retraindo o canto da boca.

- Tá certo, as oito estaremos lá! – responde Sarah levando a mão ao seu ombro.

Logo que pega os sorvetes começa a caminhar de volta, a cada dois passos vai desviando de alguém, desajeitada vai atravessando lentamente a multidão, os sorvetes parecem querer cair no chão a qualquer momento, mas ela trava uma batalha de equilíbrio contra os três, cuidando para não apertar muito e amassar a pote, aí sim ficaria desapontada, a única coisa que não quer e ter que voltar para comprar novamente os sorvetes, mas logo consegue vencer a multidão mais densa e os pequenos potes, todos intactos. Logo que volta a levantar a cabeça encontra sua vizinha Kate.

- Oi Sarah! quer ajuda com esses sorvetes?

- Kate! Que bom te ver! Quero sim! – responde entregando um dos sorvetes a amiga.

As duas param um pouco e Sarah não hesita em provar um pouco do sorvete, levanta um pouco o pote e oferece a Kate, que logo responde que não quer.

- Já comi doces com as crianças! – responde.

- Vou ficar com esse de chocolate, o de creme é para o Adam, e o de pistache para Susan.

- O Adam veio com você? – pergunta Kate – Depois leve-o para encontrar as crianças, eles adoram o Adam.

Sarah se vira para apontar o lugar onde está seu filho, olha com mais atenção e logo seus movimentos ficam agitados, deixa os sorvetes caírem no chão e desesperada sai correndo em direção a Susan, a amiga Kate corre atrás gritando.

- Sarah! Sarah! O que deu em você?

Ao chegar perto de Susan põe a mão na mesa, e seus olhos continuam fixos no parquinho, coloca os cabelos para trás e caminha rapidamente a procura de Adam.

- O que foi Sarah? – pergunta Susan.

- Onde está o Adam? Eu pedi para você ficar de olho nele! – responde agressiva.

- Ele estava aqui a um minuto atrás! – responde Susan olhando para os lados.

Uma das mães do grupo diz que também viu Adam há poucos instantes e logo o grupo começa a procurar por todos os lados. Sarah começa a caminhar entre a multidão, seus passos começam a ficar mais rápidos, sua respiração mais ofegante, começa a gritar por Adam, olha em volta e não o avista, lagrimas começam a cair de seus olhos, começa a perguntar a todos em sua volta e ninguém viu um menino com as tais descrições. Depois de alguns minutos procurando, seu vizinho Dennis corre em sua direção a puxa pelo ombro apontando para uma rua fora da praça onde Adam caminha em direção ao outro lado da rua.

Sarah corre desesperadamente ao encontro de Adam, grita seu nome o mais alto que pode, quando o menino chega ao outro lado da rua para em frente a uma pequena loja de antiguidades, Sarah chega à beira da calçada, quando o menino abre a porta entra na loja. Sarah respira fundo e balança a cabeça negativamente, desapontada com o filho se recompõe e quando vai atravessar a rua um ônibus vira a esquina e a impede, coloca as mãos na cintura e o espera cruzar sua frente, tentando olhar nas pontas dos pés, desiste, bate os pés impaciente e os ônibus se vai. Quando chega ao outro lado da rua para em frente a loja e percebe que na vitrine está escrito “ANTIQUÁRIO”, por um momento torce o pescoço e se pergunta desde quando existe aquela loja nos arredores da praça central, balança a cabeça e entra na loja. No balcão está um homem de cabelos e barba branca, cerca de oitenta anos com um sorriso singelo no rosto recebe Sarah.

- Boa tarde, em que posso ajuda-la?

- Boa tarde – responde ofegante – Meu filho acabou de entrar aqui, onde ele está? – pergunta olhando para os lados.

- Ninguém entrou aqui! – responde o homem.

- Como não entrou? A um minuto atrás eu o vi entrando aqui!

Os dois trocam olhares, Sarah fecha os olhos e balança a cabeça tentando entender o que está acontecendo e começa a andar pela a loja. 

- Adam, onde você está? Pare de brincadeiras!

Depois de alguns minutos certifica-se que a loja está vazia, vai ao balcão e aponta o dedo ao homem.

- Se o senhor está com meu filho trate logo de dizer onde ele está ou eu chamarei a policia! Ele só pode estar ali! – aponta para uma porta atrás do homem.

- Ali é o banheiro. – responde calmamente – Pode olhar se quiser!

Sarah atravessa o balcão e abre a porta, deparando-se a um pequeno banheiro com cerca de seis metros quadrados com apenas um vaso sanitário e uma pequena pia, volta a procurar pela loja e percebe que está vazia, na porta de entrada da loja avista uma pequena sineta que avisa quem entra e se dá conta de que como não está balançando Adam não poderia ter saído enquanto ela examinava o pequeno banheiro.

- Desculpe senhora, ninguém entrou aqui – reitera o homem, apoiado no balcão.

- Desde quando esta loja está aqui? No mês passado quando vim até aqui a sua loja não existia!

- Estou aqui há algum tempo.

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