O dia da despedida de solteiro de Aiden e Selene amanheceu quente, com o sol de dezembro castigando os jardins da mansão. Desde cedo, os funcionários corriam pelos corredores ajustando os últimos detalhes da comemoração que havia sido cuidadosamente organizada pelos padrinhos e madrinhas. Era uma tradição Vasquez — os homens e as mulheres se separariam para celebrar em grupos distintos, cada um com seu próprio cronograma.O clã Devereaux, entretanto, não quis participar. Selene não sabia se aquilo a irritava ou a aliviava. Ainda estava se acostumando à presença deles e à estranha sensação de ser observada o tempo todo pela matriarca Vivienne e seus conselheiros de olhares duros.A manhã seguiu arrastada para Selene. Desde o início, a programação feminina se mostrou entediante. Estavam no andar superior da mansão, em uma sala ampla com janelas altas e cortinas claras. Havia espumantes sendo servidos, petiscos delicados e pratos de frutas, mas a verdadeira atividade era o "embelezamento
Nos aposentos de Aiden e Selene, o clima era outro.Aiden acabava de entrar, fechando a porta suavemente atrás de si. O cansaço misturava-se à leve embriaguez da noite festiva. O sorriso em seu rosto era discreto, mas sincero. Ele se sentia satisfeito, talvez pela proximidade do casamento ou pela perspectiva de, enfim, ter Selene ao seu lado de forma definitiva.Selene estava sentada na borda da cama, descalça, os cabelos ainda presos pelos grampos e Bob's. Seu rosto ainda exibia vestígios do cansaço e da irritação que acumulara ao longo do dia, mas ela também sorria, de um jeito quase tímido.— Sobreviveu? — Aiden perguntou, tirando o paletó e desabotoando o colarinho.Selene suspirou, inclinando-se para trás, apoiada nos braços.— Digamos que o licor ajudou... — Respondeu em tom irônico.Aiden riu.— E sua programação feminina? Imagino que tenha sido... empolgante.Ela bufou.— Foi terrível. O pior é que vi vocês da varanda, se divertindo na piscina... Fiquei morrendo de inveja.Ele
A manhã do casamento nasceu caótica e carregada de tensão. O céu estava limpo, e o ar trazia a brisa fresca das montanhas, mas dentro do aposento reservado para Selene e as madrinhas, o clima era outro. Quando as mulheres se depararam com a noiva, o choque e o desespero tomaram conta.O cabelo de Selene, que deveria estar perfeitamente modelado em ondas suaves, estava um desastre. O cloro da piscina havia feito seu trabalho cruel: as pontas estavam secas, e os fios, opacos e desalinhados. As mulheres se entreolharam como se estivessem diante de uma calamidade.— O que foi que você fez, Selene? — bradou uma delas, segurando uma mecha do cabelo da noiva como se fosse uma prova do crime.— Entrou na piscina? — outra perguntou, com olhos arregalados.Selene tentou se explicar, mas foi abafada pelo burburinho de repreensões e suspiros angustiados. Puxada para a cadeira diante do espelho, foi cercada por mãos ágeis que se revezavam entre secador, escovas e produtos restauradores. A cada nov
O carro os deixou diante do imponente Grand Resort Ravena, um hotel que parecia saído de uma revista de luxo. As colunas brancas se erguiam altivas, e a fachada refletia o pôr do sol sobre o mar, banhando tudo em tons dourados. Selene desceu do veículo ajeitando o vestido de noiva, sentindo-se deslocada, ainda usando o símbolo do dia anterior. Não traziam malas, nem qualquer bagagem.— Não trouxemos nada… — ela comentou, encucada.Aiden sorriu de lado.— Confie em mim.Eles atravessaram o hall, onde um aroma de flores frescas pairava no ar, e Selene observou com curiosidade os funcionários que os recebiam. Havia humanos, mas também híbridos de espécies que ela nunca tinha visto: uma recepcionista de pele azulada e olhos perolados, um mensageiro de orelhas pontudas e cauda felpuda, e um garçom alto, esguio, com escamas prateadas subindo pelo pescoço.Aiden cumprimentava a todos com naturalidade, falando fluentemente o dialeto local, uma mistura melódica que Selene mal conseguia decifra
Quando retornaram da viagem de núpcias, apesar do alívio por não voltar para a movimentação intensa da mansão, Selene não sentiu aquele calor reconfortante que tantos descreviam ao “voltar para casa”. Pelo contrário, o peso do desconhecido ainda pairava sobre ela, mesmo já tendo pisado ali antes.A primeira vez que visitara a casa, meses atrás, havia encarado cada detalhe como uma sentença. As paredes imaculadas, os móveis de madeira nobre, a elegância dos tecidos e o brilho dos lustres não haviam sido símbolos de um lar – mas de uma prisão que se fechava sobre ela. Naquele tempo, tudo o que queria era escapar.Agora, ao atravessar novamente a porta de entrada, o sentimento era diferente, mas não menos avassalador. A casa não era apenas grande e suntuosa; era mais silenciosa que a mansão dos Vasquez, e essa quietude, curiosamente, a tranquilizou. Não havia tantos olhos, tantas vozes. A ausência do burburinho constante fez Selene respirar um pouco melhor.— Finalmente em casa. — Aiden
Os dias seguintes marcaram a adaptação de Selene à sua nova vida como luna do clã Vasquez. Suas obrigações eram poucas e, para seu espanto, a maioria delas parecia mais simbólica e fútil do que realmente necessária. Ela deveria estar presente em algumas reuniões sociais com as esposas de outros alfas, comparecer a eventos da alta sociedade híbrida e supervisionar os empregados da casa — embora estes fossem tão bem treinados que quase não precisavam de supervisão.A parte mais peculiar, e talvez a que mais a incomodava, era o cuidado constante com sua imagem. Esperavam que ela estivesse sempre impecável, vestida de acordo com as tradições da Cidade Alta, e que seu comportamento refletisse elegância e sobriedade. Em sua mente, essas exigências pareciam uma forma disfarçada de controle, uma maneira de manter as lunas como peças decorativas em seus palácios dourados.Enquanto isso, Aiden se afundava em trabalho. Seus dias eram longos e exaustivos, e muitas vezes ele só retornava à mansão
Selene puxou o capuz para cobrir os cabelos enquanto andava apressada pelas vielas estreitas da Cidade Baixa. O ar cheirava a fuligem e ao suor das pessoas que trabalhavam sem descanso. Ali, o sol parecia nunca brilhar de verdade, e as sombras dos altos muros da Cidade Alta lançavam um lembrete constante de onde ela e todos os humanos pertenciam: abaixo.A taberna Luar Pálido era seu destino. Trabalhava lá há meses, limpando mesas e servindo clientes. O dono, um velho rabugento chamado Boris, nunca a tratara bem, mas o pagamento era suficiente para manter o teto sobre sua cabeça e algo para comer.Assim que entrou, Selene foi recebida pelo burburinho das conversas. Híbridos de lobo dominavam a maioria das mesas. A Cidade Alta ficava logo além dos muros, e muitos dos que passavam pela taberna iam em direção à Academia Lupiére — um lugar reservado apenas para mulheres-lobo de linhagem pura.— Chegando tarde de novo? — rosnou Boris do balcão.— Sim, senhor — respondeu Selene, abaixando a
O dia da admissão na Academia Lupiére finalmente chegou. Selene, agora Selene Arctos, estava diante do imponente portão de ferro que separava a Cidade Baixa da Cidade Alta. O brasão da Academia, uma lua crescente envolta por um lobo, brilhava no metal negro, refletindo a luz do sol nascente.Ela vestia um vestido simples, mas elegante, e mantinha o capuz erguido para esconder parcialmente as orelhas falsas. Seu coração batia acelerado, mas ela sabia que não podia vacilar.— Documentos? — pediu o guarda híbrido que vigiava o portão.Selene entregou o envelope lacrado. O guarda abriu, analisou o conteúdo e cheirou o papel, como se esperasse identificar algum cheiro humano. Selene conteve a respiração.— Selene Arctos? — perguntou ele, olhando-a de cima a baixo.— Sim.O guarda assentiu e abriu o portão.— Bem-vinda à Cidade Alta. A cerimônia de admissão começa ao pôr do sol.Selene entrou, sentindo o peso do portão se fechando atrás dela. Era isso. Estava dentro.As ruas da Cidade Alta