-POV: Daimon-A sala principal da Residência Alfa era ampla, com janelas altas e cortinas pesadas que filtravam a luz do fim da tarde. O sofá onde eu estava sentado oferecia uma visão estratégica: dali, eu podia observar quase tudo, os corredores, a escadaria, os acessos ao salão de festas.O livro aberto em minhas mãos era apenas fachada. As páginas não passavam de papel entre mim e o mundo. Meus olhos, na verdade, estavam atentos aos passos de Sylvia.Ela circulava pela casa com sua habitual leveza ensaiada, distribuindo ordens como se fosse a anfitriã de um reino. Serys a seguia com paciência, anotando instruções, confirmando detalhes, ajustando prazos. Mas eu via o cansaço em seus ombros. A exaustão de quem já não suportava mais os caprichos da loba.Ele sabia. Estava por dentro dos planos. E ajudava como podia.Sylvia queria o baile perfeito. E eu queria descobrir o que ela escondia por trás da perfeição.Enquanto ela falava sobre arranjos florais e iluminação, eu observava. Cada

-POV: Artemísia-A música preenchia o salão como uma névoa dourada. Suave, envolvente, quase hipnótica. Os casais começavam a se formar, deslizando para o centro do salão com passos ensaiados e sorrisos polidos.Eu estava sentada à mesa Alfa, observando tudo com atenção. Mas não era o baile que me prendia. Era ele.Sylvia se levantou com aquele ar teatral de sempre e estendeu a mão para Lioran. Ele aceitou. Claro que aceitou.E quando se levantou, com o terno preto impecável e os detalhes em vermelho que realçavam ainda mais os olhos, meu coração apertou.Ele estava tão lindo quanto no dia do casamento de Elise. Dia esse em que quem estava ao lado dele como par… era eu. Não Sylvia.Foi a mim que ele tirou para dançar. Foi comigo que ele girou pelo salão, desajeitado, tropeçando nos próprios pés, rindo como se o mundo não estivesse desabando ao nosso redor.Agora, ele dançava com ela. E eu só observava.Meus olhos seguiram os dois até o centro do salão. A melancolia me envolveu como

-POV: Artemísia- A estrada até o Abrigo Lua de Cristal parecia mais longa do que o habitual. O silêncio entre mim e Nymerra era confortável, mas denso. Como se cada quilômetro percorrido carregasse o peso do que perdemos. Quando descemos do carro, o céu já estava escuro demais para distinguir qualquer estrela. A lua cheia ainda pairava, como um lembrete cruel do que aconteceu. Parei diante da porta do Abrigo. O coração apertado. Mas o rosto firme. — Eu não vou descansar até resolver isso — disse, sem hesitar. — Até encontrar Daimon. Até acabar com tudo isso. Nymerra pousou uma mão sobre meu ombro. O toque dela era firme, mas gentil. — Eu sei. Mas você precisa descansar essa noite. Nós duas precisamos. Assenti. Não por concordar. Mas porque meu corpo já começava a ceder. Entramos. A sala de estar estava iluminada por uma luz suave. O cheiro de chá e madeira envelhecida preenchia o ar. Diana estava sentada na poltrona, remendando algumas roupas com precisão

-POV: Lioran-A sensação de que algo estava fora do lugar não me deixava. Não era apenas a dor de cabeça ou as memórias borradas, era Sylvia. Tudo nela, até o cuidado exagerado, começava a soar… errado. Eu não sabia exatamente por quê, mas já não conseguia confiar cegamente.Decidi que precisava descobrir por mim mesmo o que aconteceu antes da minha transformação no baile. E faria isso sem que Sylvia soubesse.A porta se abriu. Ela voltou com um copo de água, o mesmo sorriso meloso e prestativo de sempre.— Aqui está, meu amor! — disse, colocando o copo na minha mão.Bebi um gole, e então, como quem deixa escapar um desejo casual, falei:— Sabe o que me deu vontade agora? Um bolinho lunar. Mas só tem um lugar em Umbra que vende fora das épocas festivas… aquela barraquinha no centro Ômega.O centro Ômega ficava longe. Muito longe.— Eu posso mandar um dos criados buscar para você. — ela respondeu prontamente.Antes que ela se virasse, segurei sua mão.— Não. Não me sinto confortável em

-POV: Lioran-As semanas passaram voando.Por fora, tudo parecia normal. O Alfa Líder de Umbra havia voltado ao cargo, à rotina, aos compromissos. Reuniões, decisões, protocolos.Mas à noite… À noite eu fugia.Sempre para o mesmo lugar: meu escritório. A porta trancada. As luzes baixas. O bloco de notas de Daimon sobre a mesa, como uma relíquia esquecida.Passei dias decifrando cada rabisco, cada símbolo, cada anotação. Lendo tudo com cuidado e sem deixar passar nenhum detalhe.E quanto mais eu lia… menos eu dormia.Sylvia continuava ao meu lado. Prestativa. Doce. Atenta demais.Comecei a mantê-la longe. Com sutileza. Com desculpas.Mas ela estava começando a desconfiar. Seus olhos demoravam demais nos meus. Seus gestos pareciam medir cada passo que eu dava.E eu estava jogando um jogo muito perigoso.E então… Sorrateiramente numa das páginas rabiscadas…A verdade veio.Dura. Cruel. Marcante.Eu sou o receptáculo.O corpo escolhido. A casca cuidadosam