Capítulo 5

Jessye

Faz exatamente duas semanas que não vejo o Voyaller e isso está começando a me irritar. Sei que ele vem para o apartamento, pois encontro as roupas dele no cesto ao lado do armário do banheiro, ou seja, em algum momento da madrugada ele aparece e da mesma maneira desaparece.

E o pior de tudo é que não ouço seus movimentos, ele é silencioso, sei que foi treinado para isso, mas podia pelo menos tentar criar uma mísera amizade entre a gente.

Cansei de ficar trancada dentro desse apartamento mofando e vendo séries, acredito que nunca consegui maratonar como venho fazendo, são horas e horas frente a uma televisão, descobri também que a empregada vem todas as quartas e sexta, uma senhora gentil que fez meu dia mais alegre.

Ela limpa a casa e recolhe a roupa suja da qual leva para lavanderia e traz novamente na sexta-feira. Aproveitei Dona Marília para perguntar sobre a localidade e descobri que as redondezas são áreas de luxo, muito bem movimentadas e com poucos marginais. E claro, no sábado e no domingo, sai para conhecer a localidade, já estava me sentindo anêmica e depressiva por ficar tanto tempo confinada entre essas paredes e se o medíocre do meu maridinho não quisesse que eu saísse o problema é exclusivamente dele, afinal, ele que disponibilizasse seguranças a meu favor.

Como não encontrei nenhuma alma sequer para impedir minha passagem, andei por toda a região e confesso que as localidades próximas ao prédio são lindas, da sacada do apartamento conseguia ver uma praça não muito longe e adorei a ideia de fazer uma caminhada por lá. Conheci a padaria do senhor Guido e não resisti a comprar diversos doces típicos da Itália que descobri serem deliciosos.

O que mais gostei foi a Panna Cotta, tão leve e deliciosa que só de lembrar minha boca se enche d'água, a calda de frutas vermelhas tem um sabor sem igual e sinceramente não sei como conseguem tanto sabor em um pequeno doce.

Descobri também o mercadinho do senhor Luca, fiz amizade com vários funcionários e confesso que senhor Guido foi o mais gentil e brincalhão, fazendo meu dia mais animado e menos depressivo, cogitei a possibilidade de pedir um emprego como garçonete a ele, para servir as mesinhas dispostas no interior da padaria, mas preferi esperar mais um pouco.

A minha primeira semana pode não ter sido tão produtiva, mas a segunda fiz questão de conhecer cada cantinho próximo ao prédio, pois tinha medo de me perder.

Já era quase sete da noite em uma sexta bem calma e produtiva, onde ajudei dona Marília com os serviços de casa mesmo ela insistindo que não precisava, mas não achava justo somente olhar sendo que eu poderia ajudá-la e aproveitar para conversar, pois realmente precisava falar com alguém ou enlouqueceria a qualquer momento na triste solidão.

A pouco mais de meia hora havíamos acabado o serviço e Marília recolheu nossas roupas indo embora.

Ela é uma senhora realmente simpática, com um pouco mais de cinquenta anos, cabelos castanhos escuros e olhos amendoados.

Com aqueles pensamentos subo sorridente para o banheiro, pois queria tomar um demorado e relaxante banho. Tenho a certeza de trancar a porta e me abaixo para colocar minhas roupas no cesto quando vejo uma camisa social de Jack caída no chão.

Dona Marília acabou esquecendo uma peça, dou de ombro segurando a camisa e jogando a mesma junto com as minhas quando estreito os olhos ao ver manchas rosadas no pano branco.

Sinto meu coração bater mais forte e um grande ódio toma meu coração.

Não que ele me devesse satisfações ou que eu esperasse a porcaria de sua fidelidade, mas o mínimo, o mínimo que eu esperava era respeito e que ele honrasse o contrato assinado, pois estava aqui, honrando minha palavra e o nome da minha família enquanto ele obviamente se divertia nas noitadas por aí.

Seguro a camisa com tanta força que queria esfregá-la na cara do meu suposto marido, depois na fuça de meu pai que o defendia tanto.

Estava tão irritada que me esqueço que a porta tá trancada giro a chave com tanta força que a mesma se solta em minha mão.

Arregalo os olhos e testo o trinco para ver se ao menos conseguiria abri-la e a resposta é não.

O desespero começa a tomar conta do meu coração e minha única reação é tentar abrir a porta de todas as maneiras possíveis. O banheiro não era pequeno, não era abafado e não era escuro, mas todos os meus sentidos entram em alerta me enviando sensações de desespero, medo e pânico por saber que estava trancada naquele espaço sem conseguir sair.

- Eu vou morrer trancada aqui dentro Deus. -Bato na porta, grito e o medo começa a dominar cada parte do meu coração.

O pânico e o desespero de ficar trancada aflora em meu peito e as paredes parecem cada vez menores e mais próximas querendo me engolir.

-Alguém? Socorro. -Grito a plenos pulmões esmurrando a porta e chorando copiosamente.

Eu precisava me acalmar, precisava pensar, mas o pânico não colaborava. O desespero não ajudava em nada e só piorava ainda mais minha situação.

-Socorro. -Bato a mão contra a porta. -Por favor. -Choro ainda mais em saber que Jack quase nunca volta para casa, aquilo só piora ainda mais minha situação.

Marília só viria na quarta-feira, definharia em meu próprio desespero por quatro dias e aquele pensamento só piora de vez minha situação levando-me ao extremo onde agarro trinco chacoalhando a porta com toda a força que tenho, mas ela nem se move a meu favor, muito pelo contrário termina de quebrar em minhas mãos.

Jack

Era mais de sete da noite quando saio da casa de Nona e sei que precisava retornar para casa e encarar Jessye de uma vez por todas.

Por mais que esteja evitando nosso encontro, uma hora ou outra teríamos que conversar e hora havia chegado. Não adiantaria chegar de madrugada e sair logo em seguida para o resto de nossas vidas.

Edgar já avisou que nossa viagem para Alemanha está marcada para sábado ao meio dia ou seja exatamente amanhã.

Tenho que avisá-la que estaríamos partindo mais ou menos às onze e que o voo dos meus irmãos seria um pouco mais tarde. A festa de boas-vindas a família Voyaller era pura aparência, mas necessária para mostrar que todos estavam de acordo.

Alguns chefes estariam presentes e não podíamos simplesmente recusar ou ignorar algo do tipo, afinal não é todos os dias que se consegue reunir mais de dois chefes em um único ambiente.

Dirijo para o apartamento sem saber o que esperar, sei que foi negligência da minha parte ficar duas semanas fora, mas precisava de um tempo para pensar.

Porra, Jessye era linda e observa-la dormir estava começando a ser uma tara estranha a se ter, então o melhor a se fazer é se afastar.

Estaciono o esportivo na garagem subterrânea do prédio e sei que na última semana Jessye tem saído do apartamento sem ordens e sem segurança.

A culpa é inteiramente minha e nem tenho como cobrar nada da mesma, mas precisava separar alguns homens para acompanhá-la em seus passeios. Somos figuras públicas e paparazzi às vezes são um grande incômodo, mas as coisas em nossa família acontecem tão rápido que nem mesmo Eva ainda tem uma escolta pessoal formada.

Dante se casando, Donatel morto, chefes exigindo explicações, alianças quebradas e restauradas, novos contratos e cobranças, cargas e carregamentos novos e alguns em falta, claro, para fechar com chave de ouro, Edgar querendo tirar proveito do nosso nome.

Em resumo, são muitos problemas para poucas pessoas.

Solto um pesado suspiro abrindo a porta do apartamento estranhando o fato de encontrar tudo silencioso, mas logo sons de pancadas chama minha atenção e automaticamente saco minha Glock automática da cintura em alerta total.

-Socorro..... -O grito de Jessye e as pancadas desesperadas me fazem destravar a pistola e correr para o andar de cima.

-Jessye? -Chamo.

-Jack? -O choro aumenta. -Jack me tira daqui. -Esmurra a porta do banheiro soluçando.

-O que aconteceu? Alguém entrou no apartamento? - Pergunto abrindo o closet com cuidado e analisando lá dentro.

- Não, a chave. - Ela soluça. -Abre a porta.... -B**e contra a madeira e solto a arma sobre a cômoda suspirando.

- Você está bem? Está machucada? - Não recebo resposta apenas o choro do outro lado.

-Abre a porta por favor.... -O tom de sua voz diminui e aquilo me preocupa.

-Se afaste da porta Jessye, preciso que saia para que eu possa abrir. -Aviso testando a maçaneta.

Jogo o peso do meu corpo contra a madeira e ela nem mesmo se move. Tento mais uma vez e nada.

-Se afastou Jessye? Preciso da sua confirmação. - Pergunto mais ela não responde, apenas chora e começo a entrar em desespero imaginando o pior.

Me afasto um pouco e mando o pé na porta ouvindo o grito assustado da jovem do outro lado.

-Porra de porta resistente. -Reclamo tentando outra vez e a madeira sede um pouco.

Demoraria demais derrubar a porta na pura força e chamar um chaveiro no estado que Jessye se encontra não era uma opção, então opto pela minha última chance.

- Vou precisar atirar. Se afaste o máximo que conseguir. -Ordeno e o silêncio me preocupa. -Ouviu? -Elevo o tom de voz e ouço uma confirmação seguida de soluços.

Abro a última gaveta da cômoda acoplando um silenciador na pistola, não queríamos chamar ainda mais atenção dos vizinhos que logo chamariam a polícia.

Seguro a arma com certa força e disparo três vezes vendo a fechadura ceder, com o peso do meu corpo empurro a porta e a mesma se abre em um baque quase fazendo-me cair dentro do banheiro.

Jessye está nua encolhida em um canto do banheiro tremendo e chorando copiosamente agarrada às suas pernas. Sua cabeça entre os joelhos impossibilita a visão completa do seu corpo nu, mas a visão de sua intimidade desnuda estava jogada em minha cara.

-Porra. -Praguejo mais pela cena do que pela situação. -O que aconteceu aqui?

Vendo que ela não se movia nem um centímetro se quer me aproximo, pois algo me faz lembrar da cena do carro onde ela pedia para abrir os vidros.

-Jessye já acabou, estou aqui. -Abaixo em sua frente e toco seus cabelos fazendo seus olhos vermelhos e rosto inchado se voltar para mim.

O pânico e o desespero estão estampados em sua face.

- Já acabou. -Afirmo e aqueles mares castanhos se fixam nos meus entre soluço e o que vem a seguir me pega completamente desprevenido.

Com um impulso Jessye j**a seu corpo sobre o meu agarrando meu pescoço com força enquanto apoia a cabeça em meu ombro. Como não esperava por aquele ataque repentino solto a arma no chão caindo com a mesma sobre mim. Apoio minhas mãos em sua cintura retribuindo o abraço enquanto ela chora com a cabeça apoiada no meu peito.

-Ssshhh... -Envolvo um dos meus braços em sua cintura acariciando seus fios de ouro com a outra mão. -Desculpa por deixá-la sozinha tantos dias. -Sussurro e ela aperta ainda mais os braços envolta do meu pescoço.

Apoio meu rosto em sua cabeça sentindo o cheiro de shampoo misturado com um perfume cítrico e suave.

- Vamos, precisamos ir para o quarto. -Afirmo e ela concorda, mas percebo que estava trêmula demais para se manter em pé.

Apoio uma mão no chão como apoio para me sentar, mas ela ainda permanece agarrada ao meu corpo, não sei se por vergonha de se soltar ou pelo pânico de ficar ali sozinha novamente.

-Enrosque as pernas na minha cintura. Vou te levar até a cama. -Ela concorda e ajuda enroscando as pernas em meu corpo.

Levanto apoiando uma mão em sua bunda macia e a outra em sua cintura, porém ela está tão agarrada ao meu corpo que nem se eu soltasse minhas mãos ela cairia.

Essa cena seria tentadora se não fosse tão trágica. Seus seios espremidos em meu peito, sua pele macia e aveludada em contato com a minha mão e sua intimidade rosada tão próximo dos meus dedos. Se eu deslizar apenas alguns centímetros para baixo, poderia fazê-la gemer como nunca havia gemido antes.

Disperso aqueles pensamentos inconvenientes e apoio à mão que estava em seu quadril em sua cabeça, antes que cometesse algum crime e acabaria preso.

Caminho até o quarto parando em frente à cama e espero ela soltar meu corpo mas não faz. O choro havia cessado e os tremores diminuído.

-Você precisa se soltar. -Afirmo preocupado.

-Estou nua. - Diz envergonhada.

- Eu sei. -Acabo rindo e ela aperta ainda mais os braços envolta do meu pescoço escondendo o rosto. -Desculpa, prometo não olhar.

-Vai fechar os olhos? -Pergunta envergonhada.

- Sim, pode descer, já fechei os olhos. -Fecho os olhos e sinto seus braços se desenrolarem do meu pescoço para ver se de fato estava com os olhos fechados.

Depois de confirmar ela solta as pernas e apenas mantenho o aperto em sua cintura para que ela apoie os pés no chão. Sinto seus lábios bem próximos aos meus e uso todo o meu autocontrole para manter os olhos fechados e soltar seu corpo.

Ouço a cama ranger baixinho indicando que ela havia se deitado.

-Pronto. 

Abro os olhos e a vejo coberta até o nariz somente com os olhos de fora. Tenho vontade de rir, mas controlo, passando as mãos no cabelo.

Encaro seus olhos por mais tempo do que o necessário e puxo o ar com força.

- Vou deixar que descanse, mas gostaria de saber o que lhe aconteceu se quiser contar é claro.

Seus olhos se arregalaram ao ver que iria sair e sua mão agarra a minha em desespero.

- Não me deixe sozinha. Por favor. 

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