Capítulo 1

Jessye Squared

A imagem refletida no espelho é no mínimo deprimente e somada ao olhar brilhante e radiante da minha mãe só causa-me ainda mais repulsa e nojo.

Aquele vestido perfeitamente alinhado marcava cada uma das curvas que eu não tinha. Era pesado e as pérolas enroscadas no pano machucavam minha pele me causando uma leve coceira. A maquiagem suave deixava meu rosto mais fino, mas a realidade era que o meu rosto sempre foi oval.

Verena, minha irmã mais velha, sentada no sofá ao meu lado, olhava-me com inveja. Tamanha inveja que seus olhos castanhos idênticos aos meus fuzilam-me com ódio. Como se eu quisesse estar naquela posição. Eu daria tudo, trocaria tudo ou qualquer coisa para não ser obrigada a me casar hoje, tentei negociar com meu pai, prometi que iria para um convento, mas a resposta sempre foi a mesma, um grande não.

Eu seria obrigada a me casar com Jack Voyaller sem reclamações ou protestos. Se não teria a minha vida ainda mais restrita, como se ela já não fosse, nego com a cabeça observando a imagem cansada para uma garota de dezoito anos. As olheiras de noites em claro foram escondidas pela maquiagem, mas meus olhos não negavam meu desgosto e minha dor.

Eu não me sentia eu mesma, sentia-me uma boneca sendo controlada por meus pais da maneira que eles bem entendiam para manter suas vidas de luxo e o nome Squared no topo da Máfia e no auge da sociedade.

-Abra um sorriso garota, você irá se casar com um Voyaller. -Mayla, minha irmã do meio, rodeia sorridente. -Eles são símbolo de beleza e poder na Itália.

-Na Itália, Mayla? Por favor, quanta humildade da sua parte, eles são os donos do porto mais lindos do mundo, além de terem os nomes estampados nos maiores tabloides de vários países. -Verena desdenha e resmunga inconformada. -Onde mais você viu tamanha beleza, além daqueles velhos barrigudos e rabugentos. A família Voyaller é espetáculo e sejamos sinceras, eu odiava aquele pai deles, mas o velho caprichou.

- Não estou desmerecendo os espécimes masculinos mais quentes da história Verena, estou apenas tentando abrir os olhos da nossa irmã. Ela fisgou um peixe grande graças ao nosso pai e fica com essa cara de enterro. -Mayla suspira chateada. - Eu em seu lugar, agarraria a oportunidade e me afogaria naqueles mares azuis.

-Do que você está falando Mayla, eles podem ter o sobrenome rodando o mundo, mas raramente vemos fotos dos quatro imperadores.

-Quatro imperadores? -Questiono indignada.

- Ela nem sabe Verena. -Mayla balança a cabeça com descaso. -E você tem razão, raramente vemos fotos atuais deles, mas as antigas mostram aqueles incríveis olhos azuis que todos eles têm.

-Saiu nas capas das maiores revistas na última semana, eles estão sendo chamados de os quatro imperadores agora que Donatel morreu. -Mayla atualiza as fofocas que sou restrita a ver. -Pena que raramente conseguem uma foto desses homens, eles são como fantasmas, isso somente alavanca as especulações e teorias sobre eles. Eles são um verdadeiro mistério que eu amaria desvendar.

-Parem, vocês sabem que Jessye foi restrita a informações da família Voyaller e não adianta dizer isso a ela Mayla. Você sabe que Jessye nunca se importou com aparências. -Minha mãe diz enquanto termina de arrumar o véu em minha cabeça que insistia em ficar torto para direita.

Em silêncio tento manter o melhor sorriso em meu rosto, mas apenas permaneço em frente ao espelho encarando a deplorável imagem que ele refletia. A partir de hoje estarei casada e todos os meus sonhos seriam enterrados para viver uma vida que odiava. A vida que sempre desprezei, que sempre acreditei que não teria, a mesma vida da minha mãe, controlado por um mafioso que ditaria todos os seus passos e afazeres, sem livre arbítrio e sem voz.

Uma vida sem amor, sem felicidade e sem esperança. Seria obrigada a se deitar com um homem que nunca viu, seria forçada a amar um homem que odiava e preferia morrer a ter que viver tudo aquilo.

A porta do quarto se abre quebrando meus pensamentos e através do espelho pude ver meu pai com um sorriso tão grande que provavelmente doeriam suas bochechas mais tarde. Edgar era a pessoa que mais tiraria vantagem nesse casamento e para isso minha vida estava sendo sacrificada.

Meus olhos se enchem de lágrimas e mesmo que tento segura-las algumas rolaram por meu rosto borrando a maquiagem recém retocada. Rapidamente limpo os olhos e obrigo-me a caminhar em direção a porta.

-Amélia, você explicou tudo o que ela deve fazer? -Pela vigésima vez meu pai perguntou a minha mãe se ela havia passado a lista de como seriam as coisas.

-Sim Edgar. -Minha mãe diz arrumando a cauda do vestido que estava dobrada.

-Então vamos, não queremos deixar o Voyaller esperando por muito tempo. -Meu pai oferece o braço para mim e a minha única vontade é correr daquele lugar e desaparecer no mundo.

***

Quando as portas da mansão se abrem, minhas pernas parecem gelatinas e confesso que se não fosse meu pai ao meu lado cairia na frente de todos.

O aglomerado de convidados se levantando com a minha passagem causa-me agonia e desespero. Somente o fato de aproximar-me daquele altar faz meu coração bombardear meu peito de forma tão bruta que chega a doer.

Esse será meu primeiro contato com Jack Voyaller, eu nunca o havia visto pessoalmente e o medo de conhecer sua personalidade me assusta, afinal, o irmão dele, mas conhecido como o Dragão de Veneza, não era tão gentil. Lembro-me muito bem daqueles olhos impiedosos encarando-me com irá quando só queria alguns minutos de conversa com o meu provável futuro marido.

Eu sei que a família Voyaller não é conhecida por sua bondade e gentileza dentro do mundo da máfia e isso só me assusta ainda mais.

Procuro não olhar para os lados enquanto caminho, mantenho meu olhar baixo e foco apenas em trocar um pé de cada vez em direção àquele altar. Já meu pai não tinha como manter um sorriso maior se vangloriando do fato de que um Voyaller seria nosso aliado ou melhor dizendo a escada para o meu pai.

Quando paramos em frente ao altar meu pai beija minha testa e sinto que vou desmaiar, mas procuro manter-me firme não mostrando fraqueza para o homem que me esperava ao lado dos vasos de flores luxuosos e brilhantes com a mão estendida.

Jack Voyaller segura delicadamente minha mão, o toque suave me surpreende e quando ergo o olhar para o seu rosto sinto meu mundo desabar.

Como todos diziam, Jack é lindo, na verdade, eu não sei se lindo se encaixa naquela categoria, seus olhos incrivelmente azuis se fixam nos meus tão intensos e vivos que fazem minhas mãos suarem. Os cabelos negros penteados perfeitamente para trás o deixa com um ar mais sério e velho, mas era visível que sua alma jovem gritava por liberdade assim como a minha.

Ele odiava tudo aquilo e isso era mais do que visível em seus olhos por mais que ele tentasse transparecer calma e felicidade.

Coisas que nenhum de nós dois tínhamos no momento.

Procuro não focar minha mente em tudo o que se passa à minha volta, as palavras do padre a nossa frente eram irrelevantes para mim. Na verdade, eu não prestei atenção em exatamente uma vírgula que ele pregava, estava apenas concentrada em permanecer em pé e fingir felicidade.

Minha atenção só se volta para Jack quando o padre profere aquelas palavras desesperadoras. Na alegria e na tristeza? Na saúde e na doença? Tenho vontade de rir, pois não havia amor, não havia paixão e muito menos uma simples amizade, só havia aparência, poder e ódio naquela união como poderias jurar algo tão sagrado e nele como amor em meio a tanto caos e podridão? 

Minha mente conturbada enlouquece meus pensamentos e no fundo da minha alma eu desejo que sua resposta seja não. Que ele me deixasse plantada ali e fosse embora, eu não importaria, não ligaria e o agradeceria pelo resto da minha vida, mas sua resposta rápida, certeira e direta baqueia-me de tal forma que por incontáveis segundos esqueço como respeitar enquanto encaro o homem à minha frente sem saber o que fazer.

O padre volta sua atenção para mim e quando vejo já estou aceitando aquela desesperado vida comprada.

O padre diz mais algumas coisas e a única coisa que consigo fazer é encarar o Voyaller atônita e quando menos espero sua mão envolve minha nuca puxando meu corpo contra o seu, seus lábios macios pressionam os meus em um beijo suave e lento e por um curto período de tempo senti-me segura em seus braços.

Segura de toda a dor que meus pais infligiam a mim para ser a garota perfeita.

Mas segurança é um sentimento ridículo, supérfluo e ilusório, ainda sim, bem lá no fundo, através daquele beijo desajeitado e esquisito, Jack Voyaller, acendeu uma pequena chama de esperança em meu coração e confesso que sentir um toque tão íntimo ao qual nunca havia tido com ninguém fez-me por um momento desejar mais, pois minha vida era extremamente controlada e isso fez-me querer viver um verdadeiro amor, um amor que nunca tive e acredito que nunca terei.

***

O restante da festa passou como um borrão, Jack fez seu papel e permaneceu ao meu lado a maior parte do tempo, saindo apenas em momentos realmente necessários, como quando a belíssima ruiva de olhos verdes o tirou para dançar e quando meu pai o chamou para terminar os contratos entre as duas máfias.

Fiz meu papel de noiva feliz e também se não fizesse minha mãe certamente arrancaria minhas tripas na frente de todos os convidados, pois eu bem conhecia aquele olhar pesado e irado destinado a mim.

Diferente das minhas irmãs que haviam crescido e se engraçado com empresários por toda a vida, acho que meu pai garantiu e preservou a caçula para tirar seus proveitos vendo que minhas duas irmãs só queriam curtição.

Encosto minha cabeça no banco do carro luxuosos esperando meu noivo se despedir dos irmãos e da ruiva estonteante que acompanhava um deles, pelo pouco que sei, ela é esposa do Dragão e confesso que seria a mulher mais feliz do universo se cresce com tamanha saúde igual ela, afinal era belíssima e dona de um sorriso verdadeiramente simpático e gentil.

Não tivemos tempo de conversar adequadamente, foi apenas cumprimentos e poucas palavras, afinal muitos convidados queriam parabenizar os noivos e em certo momento já sentia-me cansada de tanto fingimento não aguentando mais manter o sorriso forçado no rosto.

Assim que meu suposto marido ocupou seu lugar ao meu lado fechando a porta o motorista ocupou o seu lugar também.

De relance o vejo passar as mãos pelos cabelos e afrouxar a gravata borboleta soltando um pesado suspiro.

-Pode seguir para o meu apartamento Luigi. -Ordenou ao motorista que logo acelerou.

Não trocamos meia dúzia de palavras na festa e depois disso o silencio caiu sobre nós, o Voyaller ao meu lado permanece imparcial e quieto e faço mesmo voltando minha atenção para o vidro escuro do carro.

O espaço fechado e abafado começa a me deixar inquieta e mesmo tendo o ar-condicionado ligado sinto-me sufocada e desesperada.

Odeio lugares fechados.

Tento desviar os pensamentos.

Odeio com todas as minhas forças lugares fechados.

Aqueles pensamentos começam a assustar e quando vejo os olhos de Jack estão sobre mim analisando minha falta de sossego ao seu lado.

-Por favor poderia abrir os vidros, só um pouco, não gosto de lugares fechados. -Não escondo o desespero em minha voz.

Suas sobrancelhas se arqueiam e ele fecha os olhos soltando o ar com calma.

-Abra os vidros traseiros Luigi. -Ordena voltando sua atenção para a janela.

-Obrigada! -Agradeço por educação e encosto minha cabeça no banco de couro que cheirava a novo, sentindo o vento da noite bater contra meu rosto e os pesado cílios artificiais.

Uma paz preenche meu peito e seguimos em silêncio por todo o caminho, pois acredito que nem ele saiba o que dizer diante da nossa constrangedora situação.

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