Traumas

Jason Smith POV's

Eu não estava conseguindo engolir a ideia de Ally entrar sozinha em um hospital com um estranho que ela mal reconhecera por causa da mudança de um corte de cabelo. Se ela estava achando que eu tinha caído nessa, ela estava redondamente enganada. 

Ela estava agindo daquele jeito esquisito e eu não fazia ideia do porquê - mas eu ia descobrir. 

Eu tinha certeza que não era algo puramente pra me atingir - tinha algo a mais. Eu vira a confusão em seus olhos. Eu a vira olhar pra mim sem entender absolutamente nada. Ela podia enganar a mídia com seu péssimo jogo de atuação, mas ela não enganava à mim. 

Fiquei esperando no carro, tentando me distrair com um jogo de palavras cruzadas quando o estúpido médico saiu de lá de dentro e atravessou a rua em direção à uma padaria. Ele nem sequer olhou pra mim, mas eu olhei pra ele. Seu corpo era musculoso e seus cabelos longos caíam até seus ombros completamente hidratados. 

Eu sentia raiva dele. Soltei o celular e fiquei segurando o volante, imaginando uma oportunidade de atropelá-lo. 

Ele voltou carregando um embrulho, sorridente, cumprimentando todos em seu caminho. Fala sério, que tipo de pessoa ele era? Praguejei em silêncio, apenas observando o boa praça fazendo seu caminho de volta ao hospital, sem sequer olhar pro meu carro ou pra mim. 

Mas ele sabia. Sabia que estava passando os braços ao redor da minha namorada, sabia que estava encostando em algo que era meu. Ele sabia e estava se divertindo com isso, eu tinha certeza. Observei seus cabelos e imaginei Ally se deliciando com eles, enrolando eles nos dedos igual ela fazia com os meus e...Balancei a cabeça para afastar esse pensamento. 

Apertei a buzina com força. O Dr. Garrett finalmente se virou e olhou para mim, através da janela do carro. 

-Jason. - ele deu mais um de seus sorrisos divertidos. - Não se preocupe, estou quase terminando com Ally. Ela deve estar de volta daqui uma hora. 

Coloquei o corpo todo para fora do carro, ficando frente a frente com ele. 

-Minha namorada. Você deve tratar ela por minha namorada. - rosnei, sentindo meus ombros se erguerem na defensiva mais uma vez. 

Dr. Garret ergueu as mãos, num sinal de paz, sorrindo.

-Pode ficar tranquilo, eu sou um profissional, Jason. - ele disse, continuando com seu sorriso debochado. 

Senti cada centímetro do meu corpo berrar de raiva. Eu quase podia ver uma imagem nítida de mim mesmo agarrando o pescoço do doutorzinho. 

-Se você está aqui, onde está minha namorada? - sibilei, dando bastante enfase na palavra "minha". 

Dr. Garrett deu de ombros, como se fosse óbvio.

-Está no quarto de Hello Kitty dela, oras. - ele respondeu, virando-se de costas para mim e caminhando em direção ao hospital. 

-Hello Kitty? - repeti, mas ele já estava entrando no hospital e me ignorando. 

Aquele foi, definitivamente, um dos momentos da minha vida em que eu simplesmente não pensei muito. Entrei no carro e procurei o shopping mais próximo, me enfiando em cada loja de departamentos que eu podia para procurar algo da Hello Kitty. Procurei por todas as lojas infantis e ainda fui assediado por diversas fãs. 

-Claro, eu tiro fotos. - murmurei, sorrindo entre uma foto e outra. - Mas estou ocupado, se vocês puderem me dar licença. 

Segui o meu caminho tentando ser o mais educado possível e a única coisa que achei foi uma touca rosa com o rosto da Hello Kitty bordado. Aquilo era extremamente infantil e não fazia em nada o estilo de Ally. Mesmo assim, enfiei a touca numa sacola e fui em direção ao caixa pagar. 

Quando olhei para o relógio, percebi que a uma hora que o doutorzinho me dera estava acabando. Dirigi tão rápido para o hospital que eu não tinha nem tempo para pensar o que diabos estava fazendo. Mas eu não podia estacionar onde eu estava antes. 

Eu precisava ver. Se Ally estava com esse médico de merda, eu precisava saber. Se eles iriam sair juntos, de mãos dadas, ou iam trocar um beijo na frente do prédio...Rosnei imaginando que ele não teria coragem de fazer nada com ela em seu ambiente de trabalho. 

Ele que não se atrevesse. 

Parei o carro na esquina e enfiei a touca no meu sobretudo, me escondendo ao lado da porta do hospital, no escuro. Sem sequer me atrever a pegar no meu próprio celular, para que ela não me visse. Vários minutos se passaram, antes que eu ouvisse passos correndo. 

Ally saiu empurrando a porta do hospital e correndo para fora, ansiosa. Ela estava com seu grande cabelo castanho esvoaçando para todos os lados, procurando onde antes estivera meu carro. 

Procurando por mim. 

Senti meu coração palpitar por alguns segundos, vendo ela suspirar. Suspirar porque eu não estava ali. 

Foi então que me aproximei. 

Dentro do carro, entretanto, as coisas deram errado. Muito errado. Eu sentia dor. Muita dor por ter feito Ally chorar, muita dor por ter que ouvir cada um de seus soluços e não poder parar o carro e abraçá-la. Por não poder parar o carro e sair correndo com ela pela rua, encarando seus olhos cinzas e seu sorriso estonteante. 

Meu coração estava partido em um milhão de pedaços. Mas nada se comparava a agora.

Eu estava segurando o volante com uma mão e a outra mão estava segurando a nuca encharcada de sangue de Ally. Ela tinha se machucado durante uma discussão nossa no carro, quando eu perdi o controle...Eu perdi a direção. E Ally tinha se machucado. 

Cada segundo que se passava, em que eu só ouvia o barulho das batidas do meu coração, eu desejava que tivesse sido eu. Eu devia ter batido a cabeça no painel e me machucado. Ally não. Eu tinha feito ela sofrer e tinha machucado ela.

Eu não conseguia controlar mais minhas lágrimas. Elas transbordavam e encharcavam meu rosto, tanto que eu mal podia ver a pista. Eu sabia que a única coisa que me guiava era a força de querer que Ally estivesse bem. 

Eu lembrava daqueles segundos enquanto tive que ficar em silêncio ouvindo ela chorar. Eu me sentia um animal acuado. Naqueles segundos, a única coisa que eu queria era que ela estivesse bem, debochando ou sendo maldosa comigo. A única coisa que eu queria era ouvir sua risada sarcástica e ter certeza que eu era um nada pra ela. 

Mas ela não estava agindo como se eu fosse um nada.

A única coisa que eu queria era me afastar, mesmo que ela significasse o mundo para mim, porque eu sabia que ela me deixaria na lama. Mas, ao ver aquela Ally correndo pra fora do hospital e chorando incontrolavelmente, uma parte do meu coração implorava pelo seu perdão. Implorava para ficar bem com ela e abraçá-la, protegê-la.

Uma parte de mim queria, mais que tudo, beijar seus lábios vermelhos. 

Uma parte de mim queria, mais que tudo, entrar dentro de uma jacuzzi vazia e observar as estrelas cadentes com ela, acariciando seus cabelos. 

E agora ela estava ali, com os olhos revirados e a boca aberta, frágil. Eu odiava quando ela estava frágil. Eu gostava de quando ela era forte e cruel, porque fazia parecer que era mais fácil. Mas nunca tinha sido fácil recusar e me afastar dela.

Por mais que eu quisesse a odiar, eu não conseguia. 

Não conseguia me afastar. 

Não conseguia parar de chorar. 

Tentei disfarçar os soluços ininterruptos com gritos. Eu gritava de raiva, de frustração. Gritava da dor que eu sentia, como se mil navalhas furassem o meu coração ao mesmo tempo. E eu precisava achar um hospital.

Eu precisava achar a droga de um hospital, o mais perto que fosse. As lágrimas quase não me deixavam mais ver nada. 

Quando finalmente consegui alcançar um hospital, Ally já estava desacordada há muito tempo. Eu tinha pedido tanto pra esse inferno de garota não dormir. Que raiva eu sentia dela por me desobedecer. 

Parei o carro de qualquer jeito na entrada do hospital e sai correndo pela minha porta, indo em direção à dela pegá-la no colo. Eu podia sentir seu corpo quente tão perto do meu e seu odor inebriante. Ver Ally naquele estado estava me trazendo um tipo de pânico inédito para mim. 

Eu só queria que ela ficasse bem. Eu só queria que cuidassem dela e que ela voltasse à sua grosseria habitual. Eu só queria que ela não estivesse sofrendo. Eu quase podia rir da ironia da vida. Eu tinha me aberto com Ally e ela tinha me enganado esse tempo - e mesmo assim, eu desejava que fosse eu no lugar dela, independente de quanta dor isso me causasse. 

Tirei alguns de seus cabelos de sua testa, tentando manter a touca de Hello Kitty ainda em sua cabeça. 

-Me ajudem! - gritei, entrando no hospital desesperado. Várias enfermeiras que estavam na portaria vieram correndo em minha direção. Elas gritaram várias ordens e alguns segundos depois um homem apareceu com uma maca. 

-O que aconteceu? - uma das enfermeiras perguntou, olhando para mim com um prancheta na mão.

-Eu bati o carro e ela bateu no painel. - tentei explicar, enquanto deitava Ally com cuidado na maca. O sangue seco em seus cabelos lhe davam um aspecto terrível. - Eu não vi o corte, mas ela ficou desacordada um tempo. 

As enfermeiras começaram a conversar entre si, enquanto puxavam a maca de Ally até a parte interna do hospital. Uma delas tirou a touca de Ally e jogou-a longe, enquanto outros dois homens apareciam e puxavam Ally com rapidez. 

-A touca dela. - gritei, pegando a touca onde tinha caído - Ela estava com frio, ela não pode ficar sem a touca. 

Comecei a seguir a maca, enquanto eles corriam com ela para fora de minha visão. Uma enfermeira se interpôs em meu caminho, colocando uma mão no meu peito.

-Você não pode passar daqui. Sua amiga vai ser atendida.

-Ela não é minha amiga. - gritei, desesperado para ela. - Ela é minha namorada. A touca dela, aquela mulher tirou a touca dela. 

A enfermeira me olhou e deu um sorrisinho compreensivo, me puxando delicadamente para outra parte do hospital. Ally sumiu em uma das portas brancas que agora eu não conseguia alcançar. 

-Senhor, está tudo bem. Ela vai ficar bem. Eles só tiraram a touca para poder avaliar melhor o ferimento que sua amiga, digo, namorada tem.

Senti minhas mãos tremerem enquanto encarava a touca rosa manchada de sangue. 

-Mas ela estava com frio. - solucei, sentindo o peso de todo o estresse do meu corpo me fazer cair no chão. - Eu comprei a touca pra ela. Ela estava com frio. 

A enfermeira se ajoelhou no chão defronte à mim, passando uma das mãos pelos meus ombros e sorrindo amavelmente. 

-O senhor tem certeza de que está bem? Parece meio estressado, meio traumatizado. Eu posso te colocar em contato com um psicólogo de plantão aqui do hospital... - ela começou a dizer. 

Foi só aí que me dei conta do show ridículo que eu estava protagonizando no meio de um hospital lotado. Alguém com câmera poderia facilmente me fotografar ali e acabar com minha reputação recém recuperada. Sorri seco para a enfermeira, retirando as mãos dela dos meus ombros. Eu não precisava do seu cuidado, da mesma forma que não precisava do cuidado de ninguém.

-Estou bem. - murmurei, sentindo seu olhar de pena em cima de mim - Não precisa se preocupar. 

Ela me olhou, com cuidado, e se levantou, assentindo para mim antes de sair. 

Levantei-me, procurando algum sofá confortável o suficiente para eu me deitar. Sentia minha cabeça rodar e meu corpo inteiro tremer. Eu odiava hospitais. Odiava sentir medo. Odiava ouvir o barulho de emergências e me lembrar deles....Eles. Eles que esperaram demais de mim, assim como Ally. 

Eu tinha feito o mesmo com eles. 

Senti várias lágrimas se formarem em meus olhos mais uma vez, até que achei um sofá grande o suficiente na sala de espera para que eu me deitasse. Assim que deitei, abracei a touca como se fosse a própria Ally.

-Espero que você esteja bem. - sussurrei para a touca, juntando ela com meu coração que batia calmamente agora, se lembrando do cheiro de seus cabelos. - Eu acho que amo você. 

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