Troca justa

Lee teve uma boa noite de sono, mas o Conte não dormiu. Na manhã seguinte, Lee preparou o café do seu patrão e levou até o escritório. 

— Bom dia, senhor... — Victor o olhou de esguelha, a mão apoiando o queixo, o cotovelo ao lado do livro aberto sobre a mesa. — É... Victor. 

— Lee, você pode me fazer um favor? — Passou a página. — Não entre mais aqui hoje, certo? Nem amanhã, nem depois. Preciso... Me concentrar em alguns assuntos. 

— Nem pra trazer café? 

— Não vou precisar de café... Esse será suficiente. — Pegou a xícara e soprou a fumaça. — Aliás, obrigado. 

— Am... Ok... De nada. 

— Ele está o quê? — Virgílio perguntou, do outro lado da linha. 

— Definitivamente me evitando. — Lee repetiu. — Já faz uma semana. 

— Não estou surpreso. 

— Eu estou! Trabalho pra ele quase vinte e quatro horas por dia. 

— Sabe o quê?

— O quê?

— Quer apostar quanto que ele vai falar do seu cheiro? 

— Por que do meu?... — De repente percebeu o senhor Conte parado no batente da porta. — Ah, depois eu te ligo, certo? — Desligou. — Senhor Conte...

— Namorado? — Apontou para o telefone. 

— Ah, não... Meu amigo. Aquele que veio comigo na entrevista. 

— Oh... — Ele girou nos calcanhares. Estava com as mãos nos bolsos, o terno dobrado em um dos braços. — Rapaz simpático. 

— Senhor Conte... — O seguiu para fora da varanda. — O senhor está bem? 

— Eu não estou te evitando. — Continuou andando, batendo os sapatos. 

— Se trancar no escritório sem me deixar entrar não é me evitar? 

— Não estou te evitando. — Virou de uma vez. Lee quase arrastou os sapatos no chão, parando a poucos centímetros de distância. — Eu estou evitando... — Encarou-o nos olhos. Olhos castanhos como cascas de frutas secas. Sentiu um calafrio. — O seu cheiro.

— Meu cheiro?! — O outro girou e se afastou rapidamente. Lee cheirou os próprios cotovelos. — O que tem meu cheiro?!? 

— É bom. — Victor respondeu, já na porta. — Eu vou sair. 

— O quê? Pra onde? Não quer que...?

— Vou ao cemitério. A pé. Sozinho. Preciso andar. — Fechou a porta atrás de si. 

"Certo, aquilo foi estranho", Lee pensava com seus botões pela milésima vez. Victor voltou e se trancou no escritório de novo. Ainda estava lá. Já eram onze horas. 

— Senhor Conte? — Deu batidinhas na porta. Nada. — Hm... Victor? — Encostou o ouvido na madeira. Silêncio. Testou girar a maçaneta. Estava aberta. — Eu vou entrar, ok? 

 Victor estava desmaiado no chão, caído sobre o carpete vermelho do escritório, mas não apenas branco como costuma ficar uma pessoa que acabou de sofrer uma síncope; sua pele cor de canela estava como gesso, seus cabelos castanhos completamente brancos, seus cílios e sobrancelhas também. 

Lee correu a pouco distância entre a porta e o corpo desfalecido, pegando-o pelos ombros e implorando a quem quer que estivesse escutando que Victor no mínimo estivesse ainda vivo. Victor piscou os olhos, as íris castanhas agora claras como duas pequenas luas que refletiram vermelho ao focarem no rosto de Dante. 

— Meu Deus do céu, Victor! — Segurou sua cabeça pela nuca, trêmulo. — Você tá gelado! Meu Deus, meu Deus! O que aconteceu com você? 

— Sangue... — Sussurrou, as mãos geladas segurando-se em Lee pelo colarinho da camisa. — Preciso dele. 

— Quê?!?! — Prendeu a respiração. — Sim, você precisa do seu sangue circulando, coisa que não tá acontecendo! — A julgar pelos lábios completamente brancos do Conte, era como se seu coração estivesse parado. 

— Seu sangue, Lee. — Ele repetiu, se erguendo dos seus braços e empurrando-o para trás, até bater com as costas no chão. — Eu preciso dele. Preciso que me dê ele. 

— Olha, você não tá bem, senhor Conte. — De duas uma, ou o senhor Conte ou ele não estava bem; ou ele estava vendo e ouvindo um Victor completamente albino falando sobre transfusão sanguínea ou ele mesmo estava imaginando tudo aquilo sabe-se lá Deus porquê. — Me diz o que houve... E do que o senhor precisa. 

— Eu preciso que me diga o que quer em troca. — Segurou seus pulsos sobre o carpete, os longos dedos gelados fortes como barras de ferro. 

— Em troca de quê??! Do que o senhor está?...

— O que quer em troca do seu sangue, Lee! — Ele ofegava. Estava difícil de respirar. O cheiro doce o sufocando. — Não vou fazer nada enquanto não tivermos um acordo. 

— Pelo amor de Deus, do que o senhor está falando?!? Você tá parecendo um zumbi, sabia?! Sai de cima de mim e deixa eu te ajudar! 

— Não tem outra forma de me ajudar! — O mais alto que pôde foi pouco mais que um sussurro, sua garganta seca como o esqueleto de uma árvore sem seiva. — Nem uma gota, a mais de vinte anos, e você aqui... — Deitou a cabeça no peito acelerado de Dante, o sentindo tremer sob si. — Eu preciso, eu quero o seu sangue, mas não sem um acordo. — Inalou fundo e levantou a cabeça, encarando Lee nos olhos. — Não sem me dizer o que quer em troca. 

— Ah, você não tá... Não tá falando sério! — Lee o encarou de volta. As íris vermelhas brilhando como rubis nos olhos amendoados, seus pulsos presos por mãos gélidas... — Ah, não! Você não é um vampiro, cara! Vampiros não existem! Você não quer beber meu sangue, isso não...

— Não vou discutir minha existência com você... — Tossiu, soltando os pulsos que pulsavam na palma das suas mãos. — Me sinto doente... — Tossiu de novo. — Ou você faz esse acordo comigo... ou você vaza daqui o mais rápido que puder antes que o pior aconteça. 

— Senhor Conte... — Lee continuou onde estava, contemplando a figura sobre si, meio coberto em sombras, meio iluminada pelo luar que entrava pela janela aberta. Aquela imagem o hipnotizava, ao mesmo tempo que o assustava mais a cada segundo, visto que seu patrão estava parecendo um cadáver... olheiras fundas embaixo dos olhos vermelhos, caídos como que muito cansados. Tocou-lhe o rosto gelado. — Olha, eu não quero acreditar em nada disso, mas não morra, ok? 

— Então me dê seu sangue. — Afastou a mão pequena de seu rosto, segurando-a na sua. — E me diz o que quer em troca. 

— Eu não quero nada em troca, só... Aish! — Apertou os olhos, querendo acordar daquele pesadelo. — Só faz o que você precisa fazer!

— Eu não...!... — Mordeu os lábios. Um canino afiado lhe escapando dos lábios esbranquiçados. — Não posso fazer sem um pacto, Lee. — Puxou os próprios cabelos. Lee engoliu em seco, assustado. — Não posso tirar de você sem dar de volta, se não eu... Eu...

— Tá, tá, escuta, eu prometo que penso nisso, mas agora... — Suspirou. — Pelo amor de Deus, só resolve sua situação! Eu vou pedir algo em troca, mas faz o que você precisa primeiro? Ok? Isso é razoável? 

Victor parou por alguns segundos, olhando nos seus olhos. Sempre olhando fundo nos seus olhos, como se houvesse um espelho atrás deles. 

— Feito. — Se aproximou mais dele, lentamente escorregando a ponta do nariz pelo seu pescoço, como que procurando o melhor lugar. Lee estremeceu, virando a cabeça para um lado, expondo mais o pescoço que foi mais rapidamente explorado, agora pelos lábios frios que se arrastavam, perto da curva que descia pro ombro, encontrando ali o lugar ideal para cravar suas presas. 

Sentiu-se penetrar pelos dois caninos; uma dor pontuda ali, o fazendo apertar os olhos. Os lábios frios envolveram a ferida e sugaram, um misto de sensações boas e ruins lhe percorreram a espinha desde o pescoço; a boca na sua pele se tornando quente e macia; o corpo agora morno e revivido lentamente se deitando sobre o seu; a respiração seca e entrecortada virando sonoros murmúrios de satisfação e saciedade... E seu sangue indo embora em doses generosas. "Eu vou morrer?", Lhe passou pela cabeça mais de uma vez. "Morrer sem lutar? Morrer sem me conter? Morrer por ter cedido todo meu sangue a alguém?"

Piscou letárgico. A pouca luz na sala se tornando cada vez mais fraca, a mão do Conte entrelaçada na sua, gentilmente. "Eu vou morrer?..." 

— Desculpe... — Victor levantou o rosto da curva do seu pescoço. "Tomei um pouco além da conta", pensou, admirando duas gotas escarlate escorrendo dos furos, o lindo contraste daquele vermelho na pele branca de Lee. — Você está bem? — Segurou seu rosto, virando-o para si com cuidado. 

— Eu... — Victor estava ali de novo. A pele cor de caramelo salgado, os cabelos e os olhos castanhos, a língua percorrendo os lábios banhados pelo seu sangue, mais vermelhos que nunca. 

— Eu sei o que você quer. — Continuou segurando seu rosto, o polegar lhe acariciando os lábios. 

— O quê?... — Estreitou os olhos. Estava ofegante, não sabia porquê; o receio recente de morrer completamente desaparecido. — Está falando do...

— Do que você quer em troca. 

— Eu não quero... Não sei o que quero, digo... — Respirou fundo. Por que estava tão difícil puxar ar pros pulmões? — Eu preciso querer? 

— Você quer sexo, não quer?

— Quê?!? — Arregalou os olhos. — Quê?!? Por que o senhor acha que...?

— Você ficou excitado, não ficou? Eu senti... — Tocou de leve nas feridas abertas por ele. — Seu sangue ficou quente.

— E - eu fiquei... Nervoso, com medo... — Gaguejou. — Tem uma série de motivos pra isso. 

— Foram meus lábios no seu pescoço? — Continuou, a voz mansa, grave e aveludada, como se o outro não o tivesse contestado. — Você gostou disso, não foi? 

— Eu não... Eu não gostei, certo? Eu só deixei... Eu não sei porque eu deixei, eu nem sei o que tá acontecendo!...

— Você quer meu corpo? — Pegou suas mãos e levou-as até o próprio peito. Lee estremeceu todo. 

— Senhor Conte, o que você...?!...

— Eu senti no seu sangue que você me deseja, Lee, eu estou errado? 

— Quê...?... — Agora suas mãos estavam descendo pelo peitoral do senhor Conte, guiadas por suas próprias mãos. Oh, Deus, ele queria, sim, mas daquele tanto que deu pra sentir o gosto no seu sangue? Ele achava Victor gostoso, sim, ele era gostoso, mas... — Senhor Conte... ah… — Engasgou. — Não eu, olha... Meu Deus!... — "Alguém me deixa acordar, pelo amor de Deus"; tinha perdido sangue, sua cabeça estava girando. — Vamos parar com isso, ok? Eu sou seu mordomo, lembra? Isso... Não pode acontecer!... 

— Não estou perguntando se pode ou não pode acontecer. — Elevou a voz, intimidador. — Eu preciso pagar o preço pelo seu sangue, e se minha carne for seu desejo, eu dou. 

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