Capítulo 8

Não sei se finalmente o veneno dela tinha me atingido ou se realmente eu “abria os olhos” como ela dizia, mas fazia sentido, fazia total sentido pois nos seis meses anteriores ao dia que a gente começou ela continuava a me humilhar e a me aborrecer, foi preciso que o Daniel a traísse para que ela decidisse ficar comigo, e como a Klísia dizia, quem poderia garantir que ela não estava querendo se vingar?

É bem verdade que ela havia me jurado isso chorando, mas a Klísia estava certa, lágrimas nos olhos não provam nada, mas são altamente eficientes para convencer uma pessoa emotiva como eu, e a Daniela que todos conheciam era capaz de qualquer coisa, acho que até mesmo se aproveitar de sua aparência e de meu carinho por ela para me armar uma cilada.

– Ela não seria capaz de fazer isso comigo.

– E por que não? Só por que você é louco por ela? Seja realista “minha vida.”

– Para de usar as palavras dela, Klísia e por que está fazendo isso? Se ela ficar comigo é você quem tem a ganhar.

– Sim é verdade, pra ser sincera acho até que “já” estou ganhando.

– Como assim?

– Ora como assim, e com quem você acha que o Daniel veio chorar as mágoas?

– Você não perde tempo em?

– Lógico, como dizem por aí, o mundo é dos mais espertos.

– Sim, mas e daí? Por que 'cê 'tá fazendo isso?

– Não gosto de você e você sabe disso, não sou sua amiga e nem quero ser, também nem quero que ela volte com o Dani, mas ela não tem o direito de te enganar dessa forma.

– Por que é que de repente você resolveu se preocupar comigo, será que é por que uma garota da classe dela não merece andar com qualquer “nerdzinho de merda”?

– É pode ser, de qualquer forma, pelo menos você sabe que eu tenho razão.

Eu não acreditava no que acabava de descobrir mas era verdade, fazia total sentido, ela era fria o suficiente para se aproveitar de qualquer situação para atingir seus objetivos, mas eu não queria dar o braço a torcer, muito menos pra Klísia, eu tinha que pensar em algo rápido, mas não deu tempo, ficamos alguns segundos nos olhando nos olhos, sem dizer nada e absolutamente sérios, quando a Daniela chegou da recepção em direção ao estacionamento. E viu quando a gente estava em silêncio sem dizer nada apenas se olhando nos olhos.

– Oi amor – me cumprimentou com um beijo, o qual eu retribui da forma mais fria que podia.

– Oi Daniela. – eu não acreditava como é que ela podia ser tão cínica, tão falsa, se ela me odiava tanto assim por que é que não me deixava em paz.

– Que aconteceu?

– Não aconteceu nada Daniela, não aconteceu nada – eu estava arrasado, não era possível que isso fosse verdade, ela estava se aproveitando do que eu sentia por ela pra me aprontar alguma coisa que a fizesse se livrar de mim ou dar me alguma lição, talvez até estivesse combinada com o Daniel. Simplesmente disse tchau e saí.

– O que você falou pra ele?

– Nada ué, acho que ele deve estar enxergando as coisas de uma “forma diferente”.

Fui pro estacionamento, coloquei o capacete, liguei a moto e sai, mas quando ainda estava no fim do corredor ainda ouvi a Daniela gritando com a Klísia:

– O QUE VOCÊ FALOU PRA ELE, SUA IDIOTA? O QUE? – agora era a Daniela que prensava a Klísia contra a parede.

Fui pra casa na mesma hora, eu queria chorar, eu precisava chorar, tinha uma coisa atravessada na minha garganta que me tirava o fôlego, trancava minha respiração,  eu começava a lagrimar ainda no trânsito, a viseira do capacete estava aberta, tive de parar num semáforo ao lado de um carro grande, desses com porta-malas estendido, tinha uma família linda dentro dele, os pais na frente com o chefe da família ao volante e duas garotinhas lindas no branco de trás, uma menininha loirinha de olhos azuis de aproximadamente uns cinco anos aproximadamente parecendo uma bonequinha, ajoelhada no banco com as duas mãos no vidro entreaberto, e uma mais velha que devia ter uns sete anos, a mais nova me viu parar a moto ao lado do carro dela, mas continuei olhando pra frente, meu coração estava em pedaços, antes de abrir o sinal verde ainda ouvi um diálogo entre mãe e filha:

– Olha mãe, o moço 'tá chorando.

– 'Tá não minha filha, é que ele está de moto, o vento faz isso nos olhos da gente.

Antes de virar a próxima esquina olhei pelo retrovisor da moto e ainda vi aquele par de olhinhos azuis com o cabelinho liso dourado voando pelo vento que entrava pela janela. Será que algum dia eu teria uma família linda como aquela? Será que algum dia eu teria esse privilégio? Eu tinha quase vinte e três anos, e nenhuma perspectiva de ter minha própria família, meus verdadeiros pais eu não sabia nem quem eram, muito menos ainda por onde andavam e a única pessoa que realmente me importava naquele momento estava me traindo da forma mais fria que se possa imaginar.

Larguei a moto nos fundos do quintal, eu estava tão abalado que nem me lembrei de trancar, subi as escadas de aço em caracol correndo, abri a porta, larguei o case no sofá da sala, joguei o capacete no outro sofá maior mas ele caiu no chão fazendo um barulho forte, corri pro meu quarto, me joguei na cama, agarrei meu travesseiro e me entreguei às lagrimas, naquele mesmo local, quase um mês e meio antes, ela havia sido minha de forma tão profunda como nunca havia sido de ninguém, será que ela era mesmo tão fria assim, a ponto de entregar sua virgindade pra mim apenas pra endossar um plano de vingança qualquer?

Naquela mesma cama, a gente ainda tinha se amado profundamente mais outras tantas vezes naquele mês e meio e agora será que isso tudo era apenas teatro? Eu já tinha visto em filmes de pessoas que ficavam casadas com outras por muitos anos e depois de tanto tempo descobriam que a esposa ou o marido na verdade não passavam de um espião ou espiã do governo pra lhe vigiar os passos mais eficientemente, e será que era quase a mesma coisa que estava acontecendo?

Eu não tive muito tempo pra ficar sozinho quase uma hora depois ouvi ela batendo na porta, eu me recusava a atender e ela insistiu:

– Leonardo abri logo essa droga de porta, deixa de ser criança, vamos conversar.

Eu abri e fiquei olhando nos olhos dela sem falar nada, a gente ficou alguns segundos sem falar nada, ela também chorava.

– A porta já estava aberta, era só empurrar – falei baixo quase sussurrando.

Sem pedir licença nem nada ela entrou me puxando pelo braço, o capacete continuava no chão; no mesmo local onde ela trancava a porta por trás de mim a um mês e meio atrás agora ela brigava comigo com a autoridade de uma esposa, e com a convicção de quem sabia que ambos eram vítimas de alguma armação.

– Eu não consigo acreditar no que eu estou vendo, não consigo mesmo, na verdade eu... eu me recuso Leonardo.

– Escuta uma coisa...

– Escuta você, acha que aquela sem vergonha tem algum tipo de compaixão? Acha mesmo que eu teria coragem de ser falsa com você a esse ponto Leonardo? Acha mesmo?

Eu não conseguia responder, minha língua estava presa.

– RESPONDE LEONARDO, QUE DROGA, VOCÊ ACHA QUE EU SERIA FRIA A ESSE PONTO, ACHA MESMO? – agora era ela que chorava – pensa que eu tenho o que aqui dentro? – ela batia com a mão no peito – Pedra? Eu tenho sentimentos droga, será que uma pessoa tão inteligente como você vai ser “criança” pra acreditar na primeira historinha que te contam?

A gente ficou em silêncio em pé no meio da sala, ela chorando na minha frente, eu sem saber como reagir, de cabeça baixa me culpando pelas lágrimas dela.

– Olhe pra mim – contrastando com os gritos de raiva a poucos segundos sua voz agora era calma.

Não respondi nada, continuei de cabeça baixa e ela insistiu:

– Leonardo, Olhe pra mim – ela abaixou ainda mais a voz.

– Eu não consigo.

– Olhe, para, mim, – aí ela falou bem devagar, dando pausa entre cada palavra, com a voz quase num sussurro, levantando meu queixo com o indicador, e olhando dentro dos meus olhos, ficamos alguns segundos olhando-nos olho no olho, até que ela continuou:

– Se tem uma coisa que eu aprendi com meu pai que não seja aquele orgulho idiota por causa do status dele, foi a olhar nos olhos, se você quer falar uma coisa com toda a sinceridade do mundo, fale olhando nos olhos. – aí ela se aproximou de mim o mais que pode, ainda segurando meu queixo com o indicador e olhando dentro dos meus olhos, justamente com aquele olhar profundo que me matava, parece que ela estava lendo o íntimo da minha alma, não tive como esconder nada dela, era verdade, se a gente olha dentro dos olhos de alguém tão perto daquele jeito não tem como esconder alguma coisa. – me fala com toda a sinceridade da sua alma, mas fala aqui, olhando dentro dos “meus” olhos – com uma mão ela segurava meu queixo, com a outra ela apontou os dois dedos, indicador e médio, para seus lindos olhos, e com o rosto molhado, ainda chorando muito, ela continuou, o mais autoritária que pode – me fala o mais sinceramente que você puder, o mais que você já foi com alguém em toda sua vida... você acredita nela ou em mim? Duvida mesmo do que eu sinto por você? – ela fez um silêncio esperando pela resposta, eu não tinha como desviar o olhar, ela ainda me segurava, então ela se viu obrigada a me cobrar, e continuou apenas sussurrando – eu 'tô esperando você responder. Fez uma pausa de alguns segundos e continuou: Se você quiser Leonardo, eu desço estas escadas e desapareço da sua vida pra sempre, se VOCÊ quiser, nunca mais precisar me ver de novo, mas eu não quero fazer isso, sabe por que? – aí ela segurou meu rosto com as duas mãos como ela gostava de fazer – sabe por que? Por que eu te amo, te amo e você fica fazendo papel de bobo, e ainda acredita na primeira besteira que te falam. Que futuro a gente vai ter desse jeito se você não confiar em mim? Eu amo você Leonardo, amo você de verdade, eu juro pela minha vida. Nós dois ainda vamos ouvir muitas estorinhas desse tipo, mas a gente tem que acreditar um no outro, a despeito de qualquer coisa, ouviu? “Qualquer, coisa” Se EU, não chegar em você e falar com minhas próprias palavras, então você pode ter certeza que é alguma cilada de alguém, por que é assim que eu vou viver em relação a você, eu quero ouvir toda verdade, mas da SUA boca, então me fala, quer mesmo que eu saia da sua vida pra sempre?

Foi aí que eu enxerguei com toda a clareza o tamanho da besteira que eu tinha feito, o tamanho da mágoa que eu tinha causado nela, eu não podia negar, a mágoa estava ali, estampada naqueles olhos claros, dentro do brilho daquele olhar só havia sinceridade, uma sinceridade magoada, mas era ela quem falava a verdade, e eu tinha mesmo sido um idiota em dar ouvidos pra aquela garota, eu queria morrer, queria morrer ali mesmo, estava com muita vergonha de mim mesmo, chorava de raiva, de vergonha, de mim mesmo, não podia mais encarar aqueles olhos claros, aquela franja dourada caindo pela testa, mas ela ainda me segurava, e insistia.

– Eu não vou te soltar enquanto você não me responder.

Ela era uns dez centímetros mais baixa que eu, era mais magra e mais fraca, mas naquele momento suas mãos eram de ferro, e eu não tinha forças pra movê-las de lugar.

– Você... você...  já sabe...  a resposta.

– Mas eu preciso ouvir, eu quero ouvir a sua voz falando, me responde, você acredita em mim? Quer mesmo que eu vá embora?

– Não faz isso comigo... eu preciso de você... eu acredito em você, eu acredito Danny, eu acredito... – aí ela me soltou e a gente se abraçou, mas eu continuei suplicando – não me deixa minha vida, não me deixa, me perdoa, me perdoa... – eu chorava mais que uma criança, ficamos por alguns minutos abraçados, os dois chorando, eu agarrava a blusa dela pelas costas, os cabelos, ela segurava minhas costas, também agarrando minha blusa, chorando no meu pescoço – mas aí fui eu quem segurou o rosto dela, da maneira como ela gostava de segurar o meu, e supliquei com a maior sinceridade do mundo, com a maior ansiedade da minha vida, como  ela  queria, da  maneira  como  eu  nunca  tinha suplicado de ninguém  –  Me perdoa minha vida, por favor, me perdoa – eu a abracei e continuei pedindo.

– Tudo bem, eu te perdoou, eu te perdoou sim, – aí ela olhou de novo nos meus olhos, me pegando pelo queixo – eu perdoou você, mas eu preciso que você acredite em mim, muita gente ainda pode sair inventando coisas de nós dois, como eu já disse, mas eu vou sempre acreditar em você, não importa o que me digam, o que me mostrem ou façam, vou sempre acreditar em você, entendeu? – assenti com a cabeça – a menos que “você” me prove que eu não posso mais confiar em você.  

Felizmente tudo terminou bem, essa seria a única briga de toda nossa vida, precisamente a única vez em que sequer discordamos em alguma coisa, as vezes eu até pensava que nossas almas literalmente se completavam, e eu quase a tinha perdido, quase perdi a minha preciosa Danny por causa de uma bobagem, confesso que só não saí de casa na mesma hora pra fazer a Klísia engolir tudo o que ela tinha dito por que a Danny era doce o suficiente pra me fazer esquecer de qualquer coisa.

Acordamos no outro dia, ambos atrasados, pra mim era dia de prestar contas no escritório, e quanto a ela, entrava as oito no trabalho onde era o pai dela quem era o chefe sendo que oito horas em ponto, foi justamente o horário em que acordamos. A bronca do pai dela não foi nem por causa do atraso, mas sim por causa do motivo por que ela se atrasou, o senhor Geraldo Anselmo, pai da Danny, era contador, e a filha já trabalhava com ele a uns três anos, mas como ele era amigo de infância do pastor Ruan, queria muito que ela se casasse com o Daniel, só que o que nem ele e nem o pastor Ruan sabiam era que o Daniel não estava nem um pouco a fim de casamento.

Me encontrei com a Klísia depois disto, mas ela não se atreveu sequer a olhar pra mim, a Danny também não quis me contar os detalhes da discussão que elas haviam tido naquele dia a noite, só sei que foi uma briga muito feia, cheia de gritos e palavrões, a Klísia não prestava mesmo, mas parece que dentro da Danny ainda havia alguma coisinha daquela antiga Daniela, mas que felizmente, eu nunca cheguei a testemunhar, eram só os outros que viam assim de vez em quando e por acaso eu ouvia nalguma conversinha às escondidas.

Uns dias depois, ela saiu mais cedo do trabalho, e ao invés de ir para casa, veio sentar-se no meu sofá pra passarmos alguns momentos juntos, em plena tarde de segunda-feira.

– Eu tive uma consulta médica na semana passada, e hoje passei para pegar o resultado, meu pai me liberou meio contra a vontade, me fazendo prometer que da clínica eu volte pro escritório, mas agora ele só me vê a noite em casa.

– Não tem medo dele te despedir?

– Não, a mamãe não deixa, além do mais ele me prefere lá, assim eu fico por perto, pra que ele saiba o que “ando aprontando” como ele diz. Ele anda meio com raiva de mim esses dias.

– E por que?

– Ele acha que eu ando escondendo alguma coisa dele.

– E você está?

Ela não respondeu com palavras mas virou para trás para ver meu rosto enquanto sorrindo assentia com a cabeça em sinal afirmativo, sempre me olhando por cima dos olhos.

– Peraí, eu conheço essa cara, por onde é que você andou?

– Prefere que eu conte ou que eu mostre?

– Mostrar o que, Danny?

– Espere um pouco.

Aí ela levantou-se, foi até o quarto e voltou de lá com um envelope branco e umas letras verdes indicando o nome de uma clínica onde se faziam exames para gestantes, tão logo ela apontou no corredor levantei-me de um salto e arranquei das mãos dela simplesmente lendo o nome da Clínica, não foi nem preciso abrir, joguei o envelope pro alto, agarrei ela e comecei a rodar no meio da sala gritando igual a um maluco, beijando ela desesperadamente, saí dali, fui pra varanda, e comecei a gritar na direção da casa da dona Fátima:

– Dona Fátima, dona Fátima, aparece aí na janela, dona Fátima.

– Que é menino, que foi que aconteceu? – mal ela apontou na janela, desci as escadas em disparada, fui direto pra cozinha dela, abracei a pobre coitada da velhinha e comecei a rodar ela também gritando:

– Eu vou ser pai, eu vou ser pai, eu vou ser pai, minha namorada está grávida, eu vou ser pai.

– Assim você quase me mata de susto, pensei que tivesse acontecido alguma coisa.

– Isso é maravilhoso, é a melhor notícia que eu já recebi na minha vida.

Dei um beijo no rosto dela e voltei correndo para casa, onde vi a Danny na beira da varanda, mas ainda ouvi quando a dona Fátima me dava os parabéns, depois do oba-oba sentamos no sofá e fomos conversar sério:

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