3.Rafael

O único barulho do quarto é o bip suave do medidor de pulsação cardíaca ligado a Cami. A expressão serena, e a respiração regulada dela me trazem alívio, mas não posso dizer que essa sensação me livra do medo, do pânico que insiste em estar presente desde que a socorri. Um murmúrio baixo sai por seus lábios, o que me deixa em alerta, arrasto uma poltrona para próximo ao leito de minha esposa, sento-me perto o suficiente para pegar sua mão, onde deposito um beijo demorado. Enquanto velo seu sono, nossos melhores momentos passam como um filme em minha cabeça. Quando olhei para a garota solitária no campus da universidade me bateu a certeza de querê-la em minha vida, clichê eu sei, mas foi isso que aconteceu, e ao passar dos anos cada um de nossos momentos, até mesmo os ruins, confirmava aquela certeza. Então veio o primeiro sim, o primeiro beijo, o primeiro toque.... Eu a amei a cada segundo que pude estar do seu lado, e eu a amei mais um pouco quando descobri a vida turbulenta que Camille tinha ao lado dos pais abusivos, não que eu gostasse daquilo, eu gostava da maneira que Cami não deixava se abater, como ela ainda podia sorrir mesmo estando com um roxo no braço, e despedaçando-se pouco a pouco por dentro. Eu odiava vê-la tão machucada, tão alheia a tudo, porém amava cuidar de cada uma de suas feridas, amava abraçá-la a cada dia ruim, mostrando que mesmo que o mundo virasse contra ela, eu ainda estaria ali, ao seu lado.

Comigo não foi tão diferente, ela poderia não me dizer eu te amo corriqueiramente como eu fazia questão de demonstrar, mas seu abraço era melhor do que qualquer palavra, sempre transbordando amor. E no meio disso tudo, não ganhei apenas a mulher da minha vida, ganhei uma amiga cumplice que me apoiava na mesma medida, ou até mais que eu lhe apoiava. Meus pais a amaram no primeiro instante que a conheceram, ela não era de muitas palavras até passar a conviver com eles, acho que encontrou em nós a família que nunca teve. Confesso que não foi fácil chegar até onde nos encontramos hoje, principalmente no começo, nas incontáveis vezes que os pais de Cami tentaram afasta-la de mim, mas mesmo tendo que lutar por ela e ter sido um pouco doloroso vê - lá ter pesadelos nos primeiros anos juntos após a morte de seus progenitores em um grave acidente, não mudaria nada. Tudo que fizemos, passamos nos trouxe aqui, juntos.

Como pude deixar nós nos perdemos assim? Como, se eu sempre soube que afastar as pessoas é o único modo que ela vê para proteger a si mesma?

— Eu sinto tanto Cami — Aperto sua mão — Amo você Cami, e eu não sei o que fazer — Sussurro, sabendo que ela certamente não me ouviria — Eu...eu não consigo entender você Cami, me diga o que fazer — Uma lágrima solitária desce por meu rosto, e eu não sei dizer se é por alívio de tê-la aqui ou medo que ainda circula dentro de mim.

Deitando minha cabeça sobre suas pernas, sinto as lágrimas mais uma vez vir a tona, eu não reprimo, me permito chorar, tentando outra vez entender tudo. Mas, por mais que existisse inúmeras possibilidades, nenhuma com lógica plausível vem em minha mente, nada faz sentido. Entre uma lágrima e outra, e murmúrios baixos, adormeci ali, em suas pernas.

***

Sinto uma mão passar timidamente pelos fios de meus cabelos, a sensação é tão boa que demoro um pouco para tomar coragem de abrir os olhos e virar meu rosto em direção a dona do toque, e quando finalmente o faço, consigo ver os olhos cor de mel me olhando com um certo receio, apesar de querer fazer inúmeras perguntas, chacoalha-la e implorar para que nunca mais faça o que fez na noite anterior, me reprimo e apenas sorrio. Enquanto suas mãos descem vagarosamente por meu maxilar, observo atento ao percurso de seus dedos, seu toque é tão suave que me esqueço por hora a noite turbulenta que tivemos, quando noto seus dedos acariciam meus lábios, fecho os olhos novamente e com um pouco de dificuldade, com uma dor angustiante nas costas por ter dormido sentado, me levanto da poltrona, fazendo suas mãos caírem sobre suas pernas. Minha mulher me fita, seus lábios se movimentam, mas nenhum som sai por eles, como se não soubesse o que falar, afasto um pouco a poltrona da cama com meu olhar fixo no dela, e logo sento me ao seu lado, podendo em fim puxa-la para um abraço apertado. Quando meus dedos começam a acariciar os fios dourados de seus cabelos, Camille suspira, então funga e começa a chorar baixinho na curva de meu pescoço, apertando seu frágil corpo contra o meu,

— Ei, vai ficar tudo bem. — Eu a nino, como faria a uma criança assustada. Preciso acalmar a ela, e a mim também.

— Eu não... não sei o que está acontecendo...— Seus braços me soltam por um tempo.

— Vai ficar tudo bem, ok? — Cami não diz nada, apenas volta a me abraçar mais forte como resposta. Sinto algo semelhante a um soco vindo da barriga de minha mulher.

— Isso — Meus olhos novamente enchem de lágrimas, tento reprimir o sentimento indecifrável dentro do meu peito, mas não consigo! Um sorriso involuntário enfeita meus lábios e minhas mãos descem em sua barriga, minha esposa ainda chora, mas suas mãos acompanham as minhas, não sei o que esse gesto possa significar, mas me emociono, me emociono por que no fim estar tudo bem, por eu ainda tê-los em minha vida.

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