2 - A caminho da festa

Dorothea, uma mulher de cinquenta anos de idade, com os cabelos mais grisalhos do que o normal, estava em pé atrás de mim.

Ela era dez centímetros mais baixa que eu e sua barriga era redonda e macia, como a massa de um pão antes de ir para o forno. As rugas em seu rosto marcavam a sua felicidade, pois ela estava sempre sorrindo e as vezes sua dentadura escapava de seus lábios. Era estranho e engraçado ver como os humanos definhavam tão rapidamente.

Mas ao mesmo tempo era triste. Dorothea estava na nossa família desde seus vinte e dois anos. Ela conhecia perfeitamente os hábitos de Alec e os meus. Não era apenas nossa governanta. Era nossa amiga. E logo ela morreria.

Sua saúde não estava boa, mas ainda assim ela trabalhava com um sorriso no rosto, cuidando de Alec e de mim dia após dia. Depois de sua morte, teríamos que substituí-la por alguém mais jovem, que ficaria conosco até envelhecer e morrer, e assim por diante.

Naquele momento, Dorothea estava apertando o espartilho em minha cintura. Ela era mais forte do que parecia e eu quase não conseguia respirar enquanto ela puxava as cordas com força em minhas costas.

Meus peitos saltaram para fora, subindo e descendo conforme eu respirava. Tranquei a respiração para Dorothea amarrar as cordas e então soltei pesadamente o ar dos meus pulmões, com medo de que o espartilho arrebentasse e voasse pelo quarto.

Ele continuou preso ao meu corpo.

Dorothea me ajudou a colocar o vestido vermelho e depois os sapatos de salto.

Me sentei na penteadeira e chequei o cabelo, para saber se o penteado que eu fizera mais cedo não havia se desmanchado. O coque profissional estava perfeito e minha franja se repartia ao meio e se ondulava nas laterais do meu rosto.

Minha maquiagem estava impecável, mas ainda assim eu retoquei o rímel, achando que meus cílios ficariam mais bonitos se ficassem um pouco mais longos.

Alec pediu ajuda a Dorothea e ela saiu do meu quarto depois de fazer uma mesura para mim, como eu havia ensinado quando a contratara.

Eu a segui para o quarto de Alec e a vi ajudá-lo a se vestir.

Ela colocou a camisa branca no corpo dele e fechou os botões, enquanto ele ficava parado feito uma estátua de frente para ela. Depois ela colocou uma faixa de seda ao redor do seu quadril, e por último o paletó curto com lapelas de seda preta.

Fiquei na porta de braços cruzados enquanto Alec dispensava Dorothea com um sorriso, agradecendo-a por tê-lo ajudado.

Ela saiu do quarto depois de fazer uma mesura para ele e fiquei sozinha com meu amigo.

Alec foi até a gaveta de sua penteadeira e pegou uma gravata borboleta pronta.

- Muriel vai ficar bravo se ver você usando isso. – Me apressei para tirar aquela coisa horrorosa das mãos dele.

- Ele não vai notar.

- Só de olhar para você, ele pode até dizer que tipo de cueca você está usando – falei, erguendo uma sobrancelha.

Joguei a gravata pronta na lixeira e peguei outra na gaveta, na qual eu teria que dar um nó de verdade, para garantir que nosso criador não expulsasse Alec da festa no mesmo instante que chegasse nela.

Alec ficou me encarando enquanto eu colocava a gravata ao redor de seu pescoço e dava o nó.

- Por que está me encarando? – quis saber, estranhando a forma como ele me olhava tão intensamente.

Olhei para cima e encarei seus olhos.

- Até que você não está tão feia nesse vestido – disse ele, erguendo o canto dos lábios.

Empurrei seu peito e lhe dei as costas pela grosseria.

- Espere, Alena – chamou Alec, pegando seus sapatos e vindo atrás de mim no corredor.

Parei de andar, mas fiquei de costas para ele.

- Estamos atrasados. Melhor se apressar. – Cruzei os braços.

Como Alec já estava de meias, se apoiou na parede do corredor para colocar os sapatos apressadamente. Ele fez um nó qualquer nos cadarços e veio para o meu lado, me dando o braço para descermos a escadaria juntos.

Dei o braço a ele e descemos.

Ao pé da escada, perto da porta de entrada, estava Dorothea com meu sobretudo preto.

- A limosine os aguardam lá fora – disse ela, segurando o sobretudo de modo que eu deveria apenas ficar de costas para ela colocá-lo sobre meus ombros.

Agradeci e ela abriu a porta da casa para que saíssemos.

O ar fresco da noite nos atingiu e respiramos profundamente. Alec foi na minha frente até a limosine preta parada em frente à casa.

Benjamin, nosso motorista particular, também era humano. Ele era jovem, tinha pouco menos de trinta anos e sorriu ao abrir a porta de trás da limusine para Alec entrar.

Benjamin trabalhava para nós a poucos anos, e como Dorothea, ele também tinha desistido da sua vida para se dedicar a nós. Havia cortado laços com os amigos e familiares. Não tinha namorada, nem pretendia ter filhos. Ele gostava do trabalho dele, e não precisávamos hipnotiza-lo para que ele quisesse ficar ali. Ele poderia ir embora quando quisesse.

Dorothea fechou a porta atrás de mim e eu desci os poucos degraus até o chão de pedra, andando os cinco metros da porta da casa até a rua. Benjamim segurou a porta para eu entrar e me cumprimentou, tocando seu quepe com a ponta dos dedos.

Depois que a porta do carro se fechou, eu olhei pela janela, para a casa grande onde eu morava a mais tempo do que conseguia me lembrar.

A casa era amarela e tinha pilares e telhas brancas. O jardim da frente era bem cuidado, por que Dorothea tinha a mão boa para mexer com plantas. Por mais que a casa fosse antiga, ela estava bem cuidada. A tinta começava a descascar nos cantos, mas logo mandaríamos pintar a faixada da casa novamente, e tudo voltaria a parecer novo.

Eu adorava morar ali, mesmo depois que Benjamin saiu com a limusine, eu continuei pensando na vida que tivera morando naquela casa. Estávamos ali desde antes de Dorothea vir morar conosco.

Devia fazer mais de trinta anos que estávamos naquela casa.

Enquanto o carro andava, eu olhava a casa dos meus vizinhos que eu não costumava ver. Como eu ficava acordada durante a noite e dormia durante o dia, eu os via poucas vezes durante o mês. Muitos deles não sabiam meu nome ou o de Alec.

Alguns deles deviam achar estranho nosso modo de vida, mas não se intrometiam em nossas vidas e não faziam perguntas, nem imaginando que eram vizinhos de dois vampiros.

A vida ali em Nova Orleans era boa.

Eu sentia saudades dos outros lugares onde já morara e sabia que em breve teria que deixar aquela casa para trás e ir em busca de um novo lar.

O fato de Alec e eu não envelhecermos era um problema para criar laços entre a comunidade humana. Tínhamos que tomar cuidado para não chamar atenção.

Se isso acontecesse, Muriel teria que intervir. E ele não era do tipo que usava palavras.

Ele não gostava de quando os humanos descobriam sobre os vampiros, pois haviam muitos loucos que começavam a nos seguir para que os transformássemos.

Muriel odiava esses tipos de humanos, e se suas presas chegassem perto da garganta deles, seria para drená-los até a morte.

Como Alec e eu ainda não havíamos feito aquilo, deixando um humano saber da nossa existência, não sabíamos o que acontecia com os vampiros que quebravam essa regra.

Como eu não conhecia nenhum dos vampiros que havia cometido aquele erro, acho que provavelmente estavam mortos, para que não fizessem novamente.

Era mais um motivo para temer Muriel.

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