Capítulo quatro:

Domingo, seis horas da manhã. Aislan desperta depois de dez horas consecutivas de um sono tranquilo e agradável. Descanso esse que o fez despertar com ânimo e disposição para a sua corriqueira corrida matinal. Higiene pessoal? Ok! Garrafinha d’água? Ok! Smartwatch? Ok! Calça e camiseta? Aaah... Não! O aplicativo marca 26º graus, sendo a sensação térmica de 28º. Uma bermuda, um boné e o par de tênis. Pronto! O nosso amigo está prontíssimo. O Skoob também está no clima e após um breve alongamento, os dois iniciam a maratona às margens da lagoa.

A paisagem é exuberante. O céu azul é enfeitado pelos reluzentes raios de sol entre nuvens branquinhas que passeiam depressa empurradas pelo vento.

— Olha Skoob! Que imagem bonita de se ver. O vento lá em cima deve estar a 100 por hora. Se eu pudesse voar eu apostaria corrida com as nuvens.

Aislan está tão deslumbrado que o calor e o suor em seu corpo não o incômoda. Ele corre por cerca de uma hora dando também uma volta pelo bairro. Já cansado, ele retorna à lagoa. Ninguém por perto e Skoob  já deu o seu grande salto. Aislan não perde tempo e retira o boné, o tênis e a bermuda, ficando apenas com uma cueca box preta da Calvin Klein... Ele saltou tão alto quanto Skoob e o barulho do seu corpo de encontro com a água chamou a atenção da Luna, que dormia dentro da casa da vizinha. A vizinha que acabara de se recolher depois de mais uma madrugada em frente ao notebook. 

Luna late e logo Aislan vê a porta da varanda se abrir. A vizinha caminha até a beirada da escada e recosta-se na coluna olhando feio para a lagoa onde ele e Skoob brincam como crianças. Ela está com olheiras e com o rosto vermelho e amassado pelo travesseiro. Aislan percebe a presença e finge se assustar deixando-a ainda mais puta. Esse Aislan gosta de provocar e a vizinha ainda cai na arapuca. Os passos rápidos devem pesar uma tonelada assim como a raiva que a acompanha até a margem da Lagoa. Luna corre de um lado para o outro, mas a vizinha a proíbe de pular na água. Com medo ela obedece, mas continua a caminhar de um lado para o outro. A vizinha se aproxima e Aislan se prepara para a bomba.

— Bom dia, vizinha! Lindo dia hoje, não acha?

— Bom dia o escambau. Você sabe que horas são? Caramba eu quero dormir. Você não pode deixar pra fazer arruaça mais tarde? E o meu gato? Você deveria estar procurando o meu gato ao invés de ficar aí perturbando a vizinhança. 

Aislan responde indo em direção a ela. A água bate em seu peito e vai abaixando, abaixando.

— Ei, ei, ei. Calma aí senhorita. Agora são sete e quinze da manhã, a lagoa é pública, eu estou de férias e não tenho culpa se você dorme até tarde. E outra coisa...

A água chega à cintura e vai abaixando, abaixando até que a vizinha percebe que ele está de cueca. Sua reação é virar de costas e voltar às pressas para dentro da casa. Aislan continua a falar e ri da vergonha que agora a vizinha carrega junto com a raiva.

— Você não quer que eu entre nessa mata gigantesca para procurar o seu gato? Não! Eu não vou de jeito nenhum e também não vou parar de nadar só porque você quer.

A porta é batida com tanta força que as janelas estremecem. Luna ficou pra fora e não perde tempo. Pula alto caindo próximo de Skoob que balança o rabo na velocidade da luz. Aislan ri da atitude da vizinha e volta para a lagoa dando um mergulho raso e submergindo perto de Luna que também balança o rabo e se permite ser acariciada. Minutos depois o grito da vizinha chamando por ela é ouvido. Os três a observam e Aislan toma a frente caminhando outra vez para a margem.

— Deixa a Luna se divertir. Você deveria vir também para relaxar. A água está morna. Venha! Eu te perdoo pelas suas ofensas.

Antes que as partes baixas de Aislan fiquem visíveis, a porta é novamente batida com força. 

— É! Ela não quer conversa. Que mulherzinha irritante. Melhor deixá-la dormir antes que ela acabe com o meu domingo. Vamos crianças. É hora da refeição matinal. Mais tarde a gente brinca. Vamos! Vamos!

Os cachorros obedecem e Aislan leva Luna para sua casa. Lá todos desjejuam e passam as próximas horas assistindo filmes, deixando assim, a vizinha dormir em paz... 

Por volta do meio-dia o tédio bate e a fome também. Já cansado de ficar em casa, Aislan decide que vai almoçar na praia. Enquanto troca de roupa e coloca uma sunga, pela janela ele observa a casa da vizinha. Tudo ainda está quieto e as janelas ainda estão fechadas.

— Luna, vai lá ver se a sua dona já acordou. 

Luna obedece e rodeia a casa a procura de uma porta ou janela aberta. Logo ela volta e Aislan está com as portas do carro abertas. Skoob já se posicionou no banco do passageiro.

— Ela ainda está dormindo, droga. Não vou deixar você sozinha aqui. Entra aí. Vamos passear. A vizinha não vai achar ruim, não é? Mais nervosa ela vai ficar se a acordarmos. Seja o que Deus quiser... Ah, Henrique! meu amigo...

Assim eles partem rumo à praia de Tourinhos. Dessa vez o GPS indicou o caminho certo e em menos de uma hora eles chegam à praia lotada de turistas.  O mar se transformou literalmente em um monte de gente. Aislan estaciona próximo a um quiosque e por lá se acomoda em uma das mesas. Skoob e Luna correm de um lado para o outro. Os turistas ao redor se assustam com a presença do cão e a todo o momento Aislan acena dizendo que ele é manso e assim como as crianças na lagoa, todos acabam se acostumando com a presença dos cães. Degustando um saboroso Bobó de camarão, ele aprecia umas das visões mais lindas que já vira... O céu encontrando o mar no horizonte, pássaros enfeitando o céu com voos sincronizados, navios ao longe navegando no oceano e a sua visão preferida: Mulheres seminuas esbanjando sorrisos e sensualidade.

E é claro que o galã de filme estrangeiro não perde tempo e também distribuí o seu charme. Nem mesmo as mulheres casadas resistem ao sorriso encantador e provocativo do dono dos olhos verdes sentado ali à mesa e agora tomando um sorvete na casquinha.

Não demora muito e ele presta atenção em um grupo de amigas que bebem em outra mesa e não param de cochichar e lhe dirigem os olhares. Uma mulata de cabelos cacheados tão alta quanto ele se levanta e se aproxima de sua mesa. Ela traz duas garrafas de cerveja nas mãos.

— Com licença gato. Posso me sentar ao seu lado?

— Fique a vontade!

— Você está sozinho? Onde está a dona desse corpão aqui? — diz a mulata passando as mãos nas coxas dele.

— Meu corpo não tem dona, ainda... 

— Huumm. Aceita uma cerveja?

— Desculpe, mas vou negar a cerveja. Não combina com sorvete, não é?

— É! Não combina, mas esse calor combina com um banho de mar e com boas companhias. O que acha de se divertir comigo e com as minhas amigas ali?

— No mar? Com as quatro? —questionou ele.

— Sim querido.

— Bom. Seria incrível se não tivesse tantas pessoas aqui, não concorda? Mas eu posso levar vocês para um lugar mais reservado...

Aislan adorou a ideia, mas ter de entrar no mar não estava em seus planos, muito menos com um bando de mulheres bêbadas, desconhecidas e "abertas" para uma suruba em alto mar.

— Ah gatinho! Por mim tudo bem... Vou ali ver se as meninas topam. Espera aqui, tá bom? Não saia daqui.

Enquanto a mulata volta a cochichar com suas amigas mais bêbadas que ela, Aislan sente um pressentimento não muito bom. Um garçom se aproxima trazendo uma garrafinha d'água.

— Desculpa rapaz, mas eu não pedi água. 

— Eu sei senhor. Eu que peço desculpas pela intromissão, mas a água é um disfarce para eu te dar um conselho.

— Um conselho? E qual seria?

— Essas garotas estão comemorando a despedida de solteira de uma delas, a loirinha. Elas estão desde ontem enchendo a cara e fazendo bagunça aqui no quiosque.

— E o que eu tenho a ver com isso?

— A noiva, a loirinha é namorada do chefe de polícia da cidade e todas as outras têm um caso com sargentos, capitães e soldados. Não seria inteligente se envolver com elas. Mais uma vez peço desculpas, mas nós do quiosque, zelamos pelo bem estar e segurança dos nossos clientes.

— Entendi. Seria mesmo uma péssima ideia. Eu aceito a água e vou sair fora. Toma aqui o pagamento da conta e pode ficar com o troco. Obrigado pela dica.

— Disponha senhor. Volte sempre e muito obrigado.

Sem saber se o garçom estava falando a verdade ou não, Aislan prefere não pagar para ver e disfarça saindo de fininho. A mulata ainda o interroga e ele diz que só vai ao banheiro. Mas era pura mentira. Aproveitando a distração das garotas ele corre para trás do quiosque e assobia chamando Skoob e Luna. Sem delongas ele foge dali e prefere voltar para casa. A essa altura a vizinha deve estar doida achando que ele sequestrara a Luna e ele não se enganou. Antes mesmo de estacionar, ela está lá batendo as mãos no carro gritando por Luna e com ele também. 

— O que você fez com a minha cachorrinha? Luna! Luna! Você está bem, meu amor?

Ele consegue estacionar e desce já abrindo a porta de trás para Luna descer e ir de encontro à dona histérica. 

— Ela está bem. Bem e muito feliz por sinal. 

— Você é louco, demente ou o quê? Como é que você leva a Luna para sabe Deus aonde sem a minha permissão ou sem o meu consentimento?

— Louco eu seria se deixasse a Luna aqui sozinha. Você estava dormindo. As portas todas fechadas... Você deveria é me agradecer.

— Agradecer o escambau. Vocês me deram um susto. Vamos Luna. A partir de hoje eu não quero você perto desses dois. E o que significa essa sujeira toda? Areia da praia. Não é possível. Eu tenho tanto pra fazer e vou ter que te dar um banho antes que você suje a casa toda. Nunca mais faça isso! Estamos entendidos, vizinho?

— Beleza. Da próxima vez eu te acordo com uma pedrada na janela. 

— Não haverá próxima vez e nem sonhe com isso.

Aislan prefere se calar a entrar em maiores discussões. Cada um adentra suas varandas, mas Aislan dá meia volta antes mesmo de abrir a porta ao ver as crianças se banharem na lagoa. Como que lendo os pensamentos um do outro, ele e Skoob correm apostando corrida e juntos, saltam aos aplausos das crianças. A vizinha prepara a mangueira para banhar Luna que chora também querendo saltar na lagoa.

— De jeito nenhum. Quietinha aí. Você já aprontou demais por hoje. O que você vê naqueles dois, hein?

A vizinha os observa. Eles estão felizes e fazendo bagunça com a criançada. Ela ainda repara na tristeza de Luna deitada e com a cabeça apoiada sobre as patas, mas não baixa a sua crista. 

— Eles não passam de crianças bagunceiras e mal educadas. Fique longe deles. Eu prometo que brinco com você mais tarde. 

Luna permanece deitada e não reage a promessa da dona.

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