O nascimento de Raniya...

Quando a manhã finalmente chegou, um longo bocejo escapou pelos lábios de Lyns enquanto erguia-se ainda sonolenta, moveu a cabeça lentamente notando que dormira sobre sua mesa de trabalho e coçou os olhos tentando se situar, mas a dor latejante em sua têmpora a impossibilitava de fazer essa simples ação. Virou-se para John e sorriu resmungando algo sobre seus cabelos bagunçados.

Os dois haviam passado a noite inteira no laboratório analisando as informações que já tinham dos espécimes anteriores, xingando o general – recentemente apelidado de “dono da porr* toda” – altamente alcoolizados e trocando alguns beijos esporádicos, uma noite que podia ser considerada divertida para aliviar todo o estresse que passaram durante o dia, mas que naquele momento cobrava seu preço.  

– Ah! Mais a sua cara está pior que a minha! John debochou tentando se consertar sobre a cadeira. Esticou-se esfregando as mãos no rosto e sentou com as costas eretas, então inclinou-se apoiando o braço sobre a mesa e sorriu tentando a seduzir com sua cara de sono.

   Todavia, antes que pudessem dizer mais alguma coisa, foram interrompidos por um estrondo vindo do outro lado do laboratório, a porta fora empurrada bruscamente por Joseph. Seu rosto vermelho de raiva, parecia furioso com algo, e facilmente ambos podiam imaginar do que se tratava visto que era o mesmo motivo que os deixou em claro na noite anterior.

– Destruam o espécime HE002, imediatamente! Ditou praticamente aos gritos, apontando para a menininha ainda inconsciente, olhando-a como se fosse um ser inferior, como se estivesse diante de um inseto que precisava exterminar. – Seus níveis estão horríveis, chega a ser ridículo!

 Imediatamente ao ouvir aquelas palavras, os sentidos da morena retornaram deixando-a totalmente perplexa, sua expressão era de puro horror e descrença, seu ódio por Joseph estava alcançando o âmbito de insustentável. Ergueu-se pronta para entrar em uma discussão calorosa com o general, suas mãos apertavam-se com muita força, mas antes que cometesse uma loucura, foi segurada pelos braços fortes do soldado.

– Minha vontade é de socar essa sua cara imunda! Ela cuspiu as palavras, pouco se importando com o que lhe aconteceria. Se apegara a criança e estava disposta a chegar às últimas consequências apenas para salvá-la, mesmo que isso representa-se o fim de sua carreira.

– Que indecoroso, doutora! Joseph exclamou com sua voz soando em um tom provocativo e caminhou em direção a pequena espécime que dormia tranquilamente em sua pequena cama improvisada, totalmente alheia aos planos daquele lunático.

Contudo, antes que pudesse encostar um dedo nela pois, de repente, tudo virou um caos, e os momentos seguintes foram simplesmente, inacreditáveis. Praticamente, do nada, todo o cômodo virou um cenário de guerra, um pequeno vendaval tirou tudo do lugar, derrubando até mesmo as cadeiras. E, antes que Joseph pudesse tocar nos fios loiros de Joan, seu corpo já havia sido jogado contra a parede por um ser invisível e incrivelmente forte.

O contêiner de Raniya estava estilhaçado no chão e o líquido amniótico manchava as paredes. Os olhos de John observaram com horror, os cacos de vidro sendo lançados em volta de Joseph encravando-se na parede ao seu redor e um deles, grande o suficiente para atravessar seu cérebro, pairava sobre seu olho esquerdo.

– Fica... longe... – Raniya sussurrava entrecortado, enfatizando cada palavra.

Em um movimento rápido, antes que a menina pudesse usar o vidro de arma, John a segurou, prendendo seus braços e recostou o queixo sobre sua cabeça, tentando a tranquilizar. Precisava pelo menos fingir que tinha algum controle sobre ela.

– Calma! Não vale a pena... – Sussurrou apenas para que ela pudesse ouvir, ainda a apertando com esforço. Não podia deixa-la se soltar ou até sua vida estaria em perigo.

  Para a sua surpresa, a pequena deixou o vidro cair, se estilhaçando no chão e mesmo ainda com o coração muito acelerado, manteve-se em silencio. John a colocou no chão com cuidado e a fitou enquanto tentava firmar os pés no chão. Depois disso, sua cabeça ergueu e seus olhos cinzentos, injetados de ódio, focaram-se nos de John, o homem que a impossibilitou de matar o general.

– Caralh*! O general murmurou surpreso com o que estava vendo, ainda tentando se recompor. Olhou ao redor do laboratório e notou como tudo foi tirado do lugar, amontoando-se ao redor da pequena irmã que os olhava assustada. Era uma clara demarcação de território como se dissesse: “Ela está sob minha proteção.”

– Arrumem essa zona! Exclamou tentando não gaguejar enquanto saia apressado do laboratório. Seu orgulho o impossibilitava de transparecer, mas o olhar injetado de ódio da pequena Raniya o deixara apavorado.

Lyns sentiu suas pernas tremerem e quando seus joelhos perderam a firmeza, sentou-se em uma cadeira que puxou num último momento, seu coração estava tão acelerado que sentia como se tivesse corrido uma maratona.

   Sem pensar muito, John sentou-se ainda com a menina semi-inconsciente em seus braços, retirou a jaqueta que usava e a cobriu, aquecendo seu corpo que começava a baixar a temperatura. Seu desenvolvimento ainda não estava completo e precisava descansar para diminuir o fluxo de sangue que seu coração bombeava devido a injeção violenta de adrenalina.

– Calma, ninguém irá machucar vocês! O homem sussurrou a apertando em seus braços com cuidado, depois a virou para que seus olhos se encontrassem e ficou sério. – Mas você precisa ajudar a Joan a ficar mais forte, para que não se machuque novamente.

Raniya pareceu compreender o que ele estava dizendo e olhou em volta procurando algo, afastou-se lentamente ainda olhando para John com desconfiança e pegou algumas seringas de vacina sobre o balcão e tentou enfiar no próprio braço.

–  Trans-fusão... – Ela murmurou com a voz rouca pela falta de uso.

E, entendendo o que a menina planejava fazer, a doutora iniciou o procedimento, não havia garantia que pudesse funcionar, mas precisavam tentar, organizou os equipamentos necessários e os colocou numa maca ao lado de Joan. Depois, sentou-se, tudo o que podia fazer era esperar enquanto observava com atenção o sangue de Raniya subindo para a veia de Joan que, aos poucos, começava a recuperar o corar no rosto. Em contradição a isso, a pele de seus irmã doadora empalidecia cruelmente e grandes olheiras arroxeadas surgiam como se adoecesse.

Depois da transfusão, a doutora começou a examinar a jovem espécime que só se acalmou quando a porta foi fechada, a seguindo com seus olhos desconfiados em cada passo que dava. Lyns colocou o estetoscópio em suas costas, verificando o recente funcionamento de seus pulmões.

– Meu Deus! Meus joelhos ainda estão tremendo! Sorriu para a pequena hibrida que sempre admirara, com a ponta dos dedos retirou os fios que cobriam seu rosto e a contemplou. Era o rosto cálido de uma criança, mas seus olhos mostravam o quanto podia ser perigosa. – Seus genes tendem a ser agressivos, mas por isso eu realmente não esperava. 

– É muito mais assustador do que eu esperava... – John comentou se perguntando se conseguiria manter-se de pé, caso fosse preciso. – Porr* as minhas começaram a tremer agora...

– Estou te descobrindo outra pessoa... – Lyns comentou começando a rir, suas mãos sobre o joelho e a cabeça caída para o lado, seus fios negros estavam começando a ficar desarrumados e fora do coque no alto da cabeça. – Me pareceu tão certinho no primeiro dia...

– Ah você nem sabe... eu faço strip-tease quando estou bêbado... – Ele brincou rindo também e lhe sorriu, imaginando como ela estava linda com um semblante mais tranquilo, sem a expressão séria e dura que constantemente estava em seu rosto.

Sentindo-se observado, John voltou-se para Raniya que os olhava visivelmente entendendo o que estavam conversando e parecia incomodada com seu relacionamento, fazendo o homem questionar se assim como os espécimes anteriores, ela possuía dificuldade na interação social.

– Está nos entendendo? O soldado questionou arqueando uma sobrancelha, ficando surpreso ao ouvir uma resposta positiva.

– Acho que vocês precisam de uma franja, não consigo ver bem seus rostos! Lyns mudou de assunto, aproximando-se da menina com uma tesoura. – Confie em mim, tudo bem?

Raniya pareceu ansiosa ao ver o objeto cortante nas mãos da médica, ainda mais quando se aproximou mais de sua “irmã”, e vendo que precisaria ganhar sua confiança, a doutora decidiu mostrar-lhe com o próprio cabelo, assim talvez conseguisse demonstrar que não planejava machucá-las. Soltou os próprios cabelos, separou alguns poucos fios negros e segurando com a ponta dos dedos, cortou um pouco a baixo das sobrancelhas, fazendo uma franjinha.

– Viu? Lyns questionou balançando a franjinha com os dedos para que a menina entendesse o que planejava fazer no cabelo das duas. – Poderá ver melhor assim...

Após receber um aceno positivo da menina, a doutora separou com os dedos uma mexa acima da testa dela e cortou sua franja, aproveitando também para aparar seus cabelos, deixando-os na altura do pescoço. E fez o mesmo com Joan, deixando as duas com o mesmo corte, pareciam gêmeas idênticas, apesar de possuírem cabelos levemente de cor diferente.

– E então, o que achou? Ela questionou sorrindo, enquanto entregava-lhe algumas roupas, achando-as umas gracinhas.

– Consigo ver melhor! Joan explicou com um sorriso tímido, virou-se para a irmã que permanecia séria e lhe sorriu fazendo-a concordar com a cabeça.

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