Grofe deu um passo para trás, o sorriso sumindo de seu rosto. Ele mostrou os dentes e rosnou.
" Gretten. "
Usando um truque que meu velho instrutor havia me ensinado, eu comecei a me armar enquanto distraía Grofe com uma conversa tensa. Feéricos maiores tinham cérebros menores, portanto eles só conseguiam prestar atenção em uma coisa por vez. Se eu o mantivesse ocupado com a conversa, ele jamais notaria as armas no meu corpo até que uma delas estivesse em sua testa.
" Ainda bem que se lembra de mim. " Eu sorri para ele enquanto colocava quatro adagas no cinto, junto com uma espada no lado direito.
"Seus truques idiotas não bastarão para enganar o Orco. Ele sabe o que você é e o que quer." Grofe rugiu.
Embainhei duas facas na coxa, presas por algumas tiras de couro. Prendi o cabelo num rabo de cavalo alto e tirei a aljava das costas.
" Não sei do que está falando, ogro, sou esperta demais para cair em conversinha feérica. " Eu disse enquanto colocava uma espécie de colete de couro cru nas costas. Ajeitei dois machados de lançamento para que ficassem cruzados e coloquei a aljava no meio deles.
"Espero que seja mais esperta que sua irmã. " Dessa vez ele sorriu, o que fez meu sangue gelar.
" O que tem minha irmã? "
Aretha Gretten, minha irmã mais nova, ainda era Caçadora pelo que eu sabia. E ela era uma das melhores.
Grofe viu a hesitação na minha postura e sorriu. " Ela e algumas amigas achavam que era uma boa idéia tentar matar o Orco. E ela pagou o preço por isso."
Meu lado emocional--que estava gritando--foi desativado e meu lado racional e praticou foi ligado.
" Quem mais estava no grupo?"
Ele pensou um pouco. " Aretha Gretten, Giorgia Bennett, Penny Evans e Riley Claythorne, acho." Ele coçou a sobrancelha.
Meu estômago revirou e lutei para não perder o controle.
Riley e Jason Claythorne haviam crescido junto comigo e Aretha. Jase era o mais velho, assim como eu, e sempre fomos amigos. Aretha e Riley eram inseparáveis.
Mas um pensamento lógico cavou espaço no caos emocional que eu era naquele momento. Se Grofe estivesse mentindo para me desestabilizar, ele acabaria por levar a melhor.
Então eu dei um sorriso sarcástico. " Tenho certeza que Aretha e as outras sabem se virar. "
E não havia mais palavra nenhuma, porque naquele instante, um dos meus machados partiu a garganta dele ao meio.
Eu ouvi um grito estrangulado atrás de mim, mas não quis me virar. Ainda faltavam três feéricos.
Mas eu decidi que Scott e Rachel eram a prioridade.
Eu olhei para eles, que ainda estava no chão e atordoados, ambos ladeados pelos feéricos mortos. A flecha da testa de um deles cutucava o braço de Scott mas ele não pareceu reparar.
" Vocês estão bem? " Perguntei enquanto ajudava Rachel a se levantar, depois agarrei o braço de Scott e o puxei para cima.
" Acho que sim. " Rachel passou os dedos trêmulos pelos cachos loiros.
O rosto de Scott estava branco, nada parecido com o eterno bronzeado dele. " Acho que sim, também. "
Eu olhei ao redor. Todos pareciam um tanto estupefatos e uma garota, Sarah, chorava agarrada à Mia. Mas pareciam todos bem de um jeito geral.
"Ótimo, porque preciso que venham comigo." Eu disse suavemente.
Rachel me olhou apavorada, os enormes olhos azuis arregalados.
Eu entendi a pergunta silenciosa e neguei com a cabeça. " Não se preocupe. Não haverá mais pessoas como eles. " Pensando um pouco, eu torci o nariz. " A menos que os feéricos nesta sala queiram se apresentar. "
Olhei ao redor, mas todos permaneceram em seus lugares.
Naquele momento, eu só conseguia ter certeza dos feéricos mortos. O sangue me dava certeza da herança de qualquer um, seja um membro da Irmandade ou um feérico.
E eu precisava ter certeza.
" Estendam as mãos. " Pedi para os dois na minha frente.
Relutantes, eles ergueram as mãos. Scott mal viu minha adaga chegar. Mas apenas um corte de um centímetro abaixo do dedão fez o sangue brotar.
O cheiro metálico, mas ao mesmo tempo antigo, como mofo ou poeira, atingiu meu nariz. Mas havia também um toque de ferrugem e sal no cheiro. Aquele era o cheiro dos híbridos, como eu era. Aquele era o cheiro do meu sangue.
Scott me olhou assustado, mas eu não respondi. Rachel tinha as feições mais controladas agora e parecia pronta para o corte.
Eu fui rápida e prática, o corte saindo perfeitamente idêntico ao de Scott. Assim como o cheiro.
" Tudo bem, acabei de confirmar a herança de vocês, que explicarei quando sairmos daqui. Venham."
Eu virei de costas, puxando os dois pelo braço, e mal vi o martelo gigante vindo em direção à minha cabeça.
Meu único reflexo foi empurrar os dois para o chão comigo, o machado passando zunindo pela minha cabeça.
Eu me virei ,agachada, e rosnei para Harold Fields, um esquisitão de cabelos cacheados. Mas ele não era um garoto. Era um golem de dois metros de altura, com o corpo feito de pedra.
" Você. Morrer. Caçadora. "
Golens não têm um vocabulário amplo porque tem um cérebro minúsculo. Então eles só conseguem dizer meia dúzia de palavras por vez. E todas com um segundo de espaçamento.
" Acho que não, grandão."
Ele rugiu e fez um novo machado com as pedras de seu braço. Golens tinham estoques infinitos de machados de pedra.
" O que faz aqui? " Perguntei enquanto o rodeava e, ao mesmo tempo, gritava para que todos se abaixassem.
" Orco. M****r. Kron. Escola. " Kron, o golem, disse. " Achar. Matar. Filhos. Lua."
Ah, então o Orco estava mandando seus lacaios para fazer o trabalho sujo.
" Jules." Rachel me chamou. " Precisamos ir embora. Agora."
Eu me permiti um vislumbre por cima do meu ombro e vi um trasgo se levantando do chão e abrindo caminho entre os humanos. Até Scott e Rachel.
Eu xinguei alto. Eu arranquei meu machado da garganta de Grofe e puxei o outro.
Eu dei uma adaga para Rachel e a espada para Scott e pedi para ele--um grande praticante de esgrima, ainda bem--para que me arrumasse tempo com o trasgo.
Eu rosnei para o golem antes de me jogar contra ele.
Foi uma dança mortal e confusa, resumida em borrões. Mas no fim, eu o cortei ao meio com alguns bons movimentos.
Então joguei os machados no chão antes de puxar uma flecha da aljava e armá-la no arco. Disparei-a contra a perna do trasgo, que rugiu e caiu no chão.
Eu pulei em cima dele e pressionei uma adaga de ferro--a kriptonita dos feéricos--no pescoço dele." Quero que envie uma mensagem para mim, trasgo." Eu disse, com a voz fria e controlada.
Ele acenou com a cabeça, em pânico. A adaga queimava a pele pálida da garganta dele.
Eu peguei a mão dele e a pressionei contra a minha palma.
" Diga ao Orco que Anika Gretten está de volta a ativa. E que se ele tocou minha irmã com aqueles dedos imundos dele, eu vou caçá-lo até o inferno para arrancar a cabeça dele com os dentes. " A raiva queimava meu sangue e minha mão ardia.
Eu o soltei e vi a marca no pulso dele. Uma meia-lua prateada estava desenhada no pulso dele, a pele envolta estava vermelha e fumegante. Aquele era o símbolo dos Caçadores, uma meia-lua cruzada com flechas.
O trasgo ganiu e saiu correndo, virando uma nuvem de sombras antes de disparar janela afora.
Eu me permiti alguns segundos para sentir o peso das minhas palavras. Era oficial. Eu estava de volta. E eu caçaria o Orco se minha irmã estivesse morta.
Caminhei até minha antiga carteira, aberta e apenas com algumas facas dentro, e peguei uma coisinha especial.
A esfera prateada parecia lisa e simples, mas se eu olhasse no lugar certo, veria Oblivion escrito no canto.
Peguei também um frasco com líquido rosa e caminhei até os corpos dos feéricos. Uma gota em cada corpo e logo eles haviam virado pó, levados com o vento que vinha da janela.
Apertei o botão oculto da esfera e a coloquei no meio da sala.
Eu suspirei e arrastei Scott e Rachel para fora da escola enquanto a sala se enchia de fumaça branca e todos esqueciam o que haviam visto na meia-hora anterior.