Capítulo 3

AMELIA

A segunda feira iniciou atribulada depois de um domingo cheio de ressaca ao qual ouvi todos os reclames de meu pai e tive de ser legal com as visitas. Como é habitual sempre há uma reunião e outra aos finais de semana, onde acabo vendo hóspedes pela casa e me pergunto o motivo de tantas comemorações inúteis, onde meu pais se mostram como o casal perfeito. Todos sabem que eles mais brigam como cão e gato. Creio que essa é fachada que encontram para fugir de suas frustrações.

Tomei da bicicleta e apesar, de tanta coisa para fazer, senti alívio de ganhar a rua e respirar o cheirinho de café das cafeterias casuais em meio as lojas vintage e livrarias. Andar pelo meu bairro é sentir uma parte do coração de Londres, e o charme do colorido de suas casas estilo vitoriano. Há bastante artesanato, brechós e até Carnaval na temporada de Agosto. Aqui foi produzido o filme Um Lugar chamado Nothing Hill o que tornou mais requisitado em termos de passeios e cheios de turistas. Sempre é comum esbarrar num estrangeiro e trocar ideias.

Virei a esquina depois de passar mais três ruas cheguei ao meu destino—a livraria Nothing Hill BooksShop.

Um lugar com detalhes da fachada azul e sua pequena vitrine recheada de livros no aparador de fora, tendo uma decoração fofa interiorana, atípica para uma livraria tradicional.

Deixei a bicicleta do lado de fora. Costumo fazer o trajeto dessa forma para me exercitar e não ter de pegar ônibus, já que não fica tão longe de onde moro.

Lena é a proprietária, e toda as segundas e quartas apareço por aqui pra dar uma mão para ela com os livros, na parte da tarde. Não é algo que meu pai aprecie muito, mas ao menos tenho uma pequena grana que garante as festas.

—Aí está você. —ela disse ao me ver entrar pela porta e soar a sineta detector de clientes.

—Eu sei que você pensou que eu não viria, mas não sou tão imprestável assim.

Ela riu.

—É claro que não. —gesticulou com desdém —Hoje está muito tranquilo. Eu já cataloguei uma parte dos livros novos, mas recebi uma caixa de doações que eu não esperava, um acervo perfeito contendo até mesmo Shakespeare.

A caixa a frente dela tinha muitos livros, com romances de banca e diversos outros.

—Nossa!— eu disse admirada —Tem muita coisa legal aqui —Peguei um livro de letras douradas e capa vermelha. Judas O obscuro? —Isso parece bom.

—Até parece que você lê essas coisas—  brincou com uma risada.

 — Sério, eu gosto de uma boa leitura.

—Fanfic dark do w*****d com cenas de sexo depravado?

 —É um bom estilo.—Botei a língua com um risinho frouxo.

Alguém entrou na loja e ela foi atender. Era um dos seus clientes antigo e amigo dela. Chamava-se Nelson, tinha cabelos pretos, olhos castanhos e vestia-se casualmente.

 —Como estão minhas grandes leitoras?

—Acho que só leitora, pode deixar essa parte do grande para Lena. — Aproveitei pra tirar onda. Ela tinha quase dois metros de altura. Ele soltou uma risada.

 —Você também Nelson? —ela o repreendeu.

 —Nós estamos falando grande nas atitudes,  —ele fez uma piada piscando o olho pra mim— sabe, no bom gosto.

 —Engraçadinho.

Rimos muito. Ele escolheu dois livros incluindo Judas o Obscuro e logo que saiu, ela pegou uma xícara de café da máquina de expresso e voltou-se para mim.

 — Acho que você tem algo para me contar sobre sábado. —Sentou no pequeno sofá da entrada.

Peguei um copo de café também e sentei ao lado dela. Sempre tive bons amigos, mas Lena parecia me entender e sentia confiança para desabafar qualquer coisa.

 —Não precisa dizer senão quiser, só acho que algo aconteceu que está te deixando com cara de boba.

—Tá parecendo tanto assim?

 —Está —sorriu de canto.

—Eu recebi a ajuda de um anjo.

—Anjo?

—É. Um homem que me deu carona pra casa, mais velho, charmoso, parecia ter saído de uma capa de revista.

Ela soltou uma alta gargalhada.

 —Ah meu Deus onde estão essas coisas maravilhosas que eu nunca encontro?

—Sei lá.  —contraí os ombros —Parece meio maluco, não é? Ele se chama William.

—E você não foi capaz de pegar o telefone dele? Quer dizer, ele aparenta ser muito velho?- tomou um gole de café.

—Acho que deve ter quarenta anos ou menos não sei, mas deve ser casado tem um filho.

 —Hum... —ela pensou —É difícil encontrar esses partidos sozinho aqui em Londres. Mas você é jovem, homens mais velhos na sua idade são encrenca. Não invente de se apaixonar por um tipo desses.

 — Está desabrochando as manias do velho Taylor?

 —Eu conheci seu pai numa boa idade. Ele tem uma cabeça de um homem de cem anos. Por saber exatamente disso, ficaria uma fera se descobrisse.

 —Me diga quais coisas o meu pai concorda, nenhuma.

 —Não temos culpa dele ser o típico inglês correto. A convivência com o príncipe Charles o deixou pior.

 —Um homem medíocre que traiu a esposa e só é salvo por ter sido príncipe, meu pai realmente deve ter tido bons exemplos.

 —Não se chateie, no final das contas ele apenas quer o seu bem.

Eu sabia muito bem do temperamento de meu pai. Ele era preconceituoso, cheio de manias e mesmo a vida sendo minha não ia aceitar alguém com diferença de idade. Quanto a minha mãe sempre dava um jeito de sair por ele. Eu poderia dar mais elogios a ela, não fosse tão atrevida e acho que isso venho uma pouco de sua cultura latina. Razão a qual sou um pouco diferente em termos estéticos de uma inglesa, me acho com bunda grande e ás vezes baixa demais tendo um e sessenta e três. Em compensação eu gosto muito da minha aparência e não tenho que reclamar do meu cabelo liso acastanhado com luzes e meu nariz arrebitado.

Logo faria dezoito anos, creio que isso pouco importava para eles.

Quanto ao anjo, nunca iria acontecer e pra ser sincera não teria chance de vê-lo de novo.

Recebi a mensagem na tarde de quarta-feira de Emma quando saía do treino de Cheerleader, porém não retornei.

Eu me via determinada a ensaiar para ganhar a liderança da torcida, mas eu não ia levar a vez, sendo que a competição se tornava muito acirrada. Encontrei a ruiva na lanchonete da escola com o cabelo esvoaçante e seu batom vibrante escarlate.

—Caramba, você não queria mais falar comigo? —Apressou-se em dizer quando nos sentamos. Pedi uma água e ela um milk shake.

—Sinto muito, mas você agiu como amiga da onça. Tínhamos combinado que íamos voltar juntas.

 —Desculpa, eu sei, foi péssimo, mas eu não queria dar espaço, para Fill ficar com aquela garota.

 —E daí decidiu transar com ele pra não perder o pódio?

 —Também, mas você não deve ficar zangada já que saiu com Jones e o amigo dele.

Quando ela queria, sabia destilar seu veneno.

—Sério? Meu final de noite foi horrível, eu fui drogada e ainda por cima um deles me agrediu. Eu só consegui chegar em casa por que uma pessoa me ajudou.— Ela fechou a cara, e eu olhei a hora no celular —Preciso ir, tenho terapia e estou atrasada.

 —Beleza.  —respondeu ela chupando o canudinho.

Troquei de roupa em menos de cinco minutos. Coloquei jeans e blusa de manga com tênis baixo, peguei a mochila e tomei um táxi na frente da escola. Me vi em menos de trinta minutos na clínica da minha terapeuta Joice. Eu não via a hora de acabar essas sessões, tudo culpa da minha professora e do meu pai, que também caiu na observação dela ao salientar minha desatenção nas aulas dizendo que posso ter autismo. Até agora, nenhum exame detectou nada, mas ela ainda explorava meu caso devido ao fato de eu ser bastante avoada e fazer coisas sem pensar, impulsiva ao limite.

Aguardei na recepção e quando a recepcionista chamou, minha vez, apressei o passo e abri tranquilamente a porta. Mas o que vi fez meu coração disparar  —sentado atrás da escrivaninha estava William.

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