PENÉLOPE VERONESINas próximas semanas, é quase como se nada tivesse acontecido.É com um suspiro profundo que percebo o quão profundamente ligada a ele eu estou; como as coisas entre nós permanecem exatamente como sempre foram e, no entanto, não é nada platônico. Ele não me toca além de um leve aperto de pulso, não fala comigo de forma diferente — balbucia sobre a incapacidade geral dos seus funcionários não atenderem as suas expectativas, reclama com mais frequência no seu celular, ensina-me a jogar xadrez, xadrez estratégico com peças com nomes e ações, treina-me, embora raramente, para a minha preparação física — mas não me olha de forma diferente, sempre me analisando com os mesmos olhos quentes e perigosos que sempre me olhavam.Ainda assim, parece que ele está a despir-me na mesa e não posso evitar suspirar — audivelmente — porque isso me lembra incontáveis vezes do que Marcus alimentou na minha cabeça, principalmente depois de algumas noites Ezra ter me tocado de forma tão ínt
PENÉLOPE VERONESIO meio-dia chegou, marcando o ponto exato no relógio que ficava bem acima da porta principal do quarto. Resolvi não tocar no celular, resistindo à tentação de buscar comentar alguma coisa com o meu melhor amigo. Agradecia que, pelo menos, Ezra mantinha uma ponta de decência ao não instalar câmaras nos recônditos do banheiro, mas o receio ainda persistia. Era uma dança perigosa entre a preservação da privacidade e a constante vigilância imposta por circunstâncias que, a cada dia, revelavam-se mais complexas, e eu com certeza não passaria essa linha.Optei por vestir a roupa de frio mais pesada que eu tinha na mala, mesmo consciente de que, provavelmente, não seria o suficiente para enfrentar o gélido clima de Florina. O tecido, apesar de aparentemente espesso, parecia uma barreira frágil contra a intensidade do frio que envolvia a cidade. Se algumas semanas atrás, quando viemos para cá, Ezra ao menos tivesse me dito sobre ser cautelosa na escolha das minhas roupas, te
PENÉLOPE VERONESIO vento carrega consigo uma temperatura morna, fazendo os meus cabelos esvoaçarem quando me atingiram. A paisagem se vangloria em tons de laranja, amarelo e vermelho, uma paleta na qual eu sempre achei fascinante, tornando a época extremamente agradável aos olhos de qualquer um.Observei vagarosamente toda a singela movimentação lá fora, ao longe várias crianças correm pelo pátio e outros mais velhos estão sentados na grama possivelmente úmida, comendo e outros conversando.Memórias distantes fazem-me afirmar sempre que o outono é a minha estação preferida de todo ano, nem sequer a primavera e nem mesmo o inverno, têm a mesma beleza e embevecimento que o outono possui. Se ele tivesse uma personalidade talvez seria arrogante, ou então não, eu sempre imaginei como um homem quieto e silencioso, mas doce como uma pêra madura e bastante inteligente.Com isso, doces lembranças tomaram a minha mente em nostalgias leves, que, de certa forma, fizeram-me sorrir."O que é extre
PENÉLOPE VERONESIQuando eu tinha mais ou menos cinco anos, eu era apenas uma simples criança, não tinha muita noção do que se passava na minha casa, portanto, a presença de apenas criadas era indiferente para mim, afinal, eu podia brincar por onde eu quisesse.No fundo, era tudo aquilo que mais importava para mim.A minha vida era simples, tirando as excessivas mudanças de casa, eu estudava até ao meio-dia e passava a tarde toda inventando brincadeiras para me distrair.Lembro com gosto que eu até havia feito alguns esconderijos para me esconder, mas no fim eu acabava voltando a chorar nos braços das criadas por demorarem tanto a encontrar-me e eu ficara sozinha durante muito tempo.Porém, quando comecei a crescer as coisas começaram a mudar bastante, segundo o meu pai, eu já não podia mais brincar porque precisava de disciplina, então eu tinha regras rígidas para seguir.De facto, sempre fui uma criança bastante obediente e aos meus oito anos eu era obrigada a desenvolver habilidade
PENÉLOPE VERONESI— O que deseja perguntar, Penélope? — A voz dele ressoou novamente, quebrando o silêncio como um eco misterioso. Aquelas palavras, carregadas de significados ocultos, envolveram-me como uma névoa intrigante. Enquanto os meus pensamentos rodopiavam em torno dessa oferta enigmática, percebi haver mais naquela pergunta do que as palavras revelavam.— Perdão, eu não queria o deixar constrangido — a minha voz soou mais fraca do que eu pretendia— Quem é o senhor? — a minha pergunta emergiu com um toque de desafio, um reflexo da frustração que eu estava começando a sentir.— O seu tutor, é claro. — A resposta dele foi dada com simplicidade, mas a maneira como ele a pronunciou carregava um peso inexplicável. Era como se a verdade estivesse escondida nas entrelinhas, esperando para ser desvendada.O silêncio voltou a pairar sobre nós, uma barreira invisível entre mim e aquele homem enigmático que agora estava mergulhado nos seus próprios pensamentos. Senti o peso da sua indi
PENÉLOPE VERONESIOs lençóis de linho, acariciados por um sutil perfume de lavanda, convidam ao toque enquanto, gradualmente, eu abria os olhos, reconectando-me ao momento presente e ao espaço que agora ocupo. A brisa fresca do ar condicionado permeia o quarto, provocando involuntários arrepios que me fazem encolher sob os lençóis em busca de aconchego, apesar de ainda estar envolta no calor do sobretudo que não tive ânimo para retirar.Neste lugar desconhecido, tento assimilar a avalanche de eventos que recentemente tumultuaram a minha vida. Hoje, o meu pai deixou-me, mergulhando-me numa tristeza profunda e abismal.Enquanto lido com essa perda que deveria ser avassaladora, mas não a sinto tanto quanto gostaria, encontro-me inexplicavelmente sob a guarda de um homem cujo nome jamais cruzou os meus ouvidos.A ironia da situação é amplificada pelo fato de que nem as autoridades, nem a austera Sra. Colleen, nem mesmo o tutor legal se deram ao trabalho de me informar sobre a existência de
PENÉLOPE VERONESISaímos do quarto e posso reparar que metade de algumas paredes também são feitas de vidro e a luz do luar invade os corredores com quase nenhuma iluminação.Descendemos a majestosa escadaria, direcionando os nossos passos rumo à sala de jantar. Com um gesto suave, Anne empurra a imponente porta de madeira, que cede como se fosse um sussurro, revelando o espaço que se desenrola à nossa frente. Um suspiro de admiração involuntariamente escapa dos meus lábios diante da grandiosidade da cena diante de mim.A luz que inunda a sala de jantar emana uma tonalidade dourada e calorosa, envolvendo o ambiente em um abraço convidativo. Desde o primeiro instante, uma sensação de conforto se instala no meu ser, como se as próprias paredes emanasse tranquilidade. Os tons terrosos dominam a decoração, uma paleta que se desdobra em castanhos, beges, caquis, marfins e areias, contribuindo para uma atmosfera natural e acolhedora.O foco de atenção repousa sobre a mesa de jantar, um móve
DespedidaE no meio dessa confusão alguém partiu sem se despedir; foi triste. Se houvesse uma despedida talvez fosse mais triste, talvez tenha sido melhor assim, uma separação como às vezes acontece em um baile de carnaval — uma pessoa se perde da outra, procura-a por um instante e depois adere a qualquer cordão. É melhor para os amantes pensar que a última vez que se encontraram se amaram muito — depois apenas aconteceu que não se encontraram mais. Eles não se despediram, a vida é que os despediu, cada um para seu lado — sem glória nem humilhação.Creio que será permitido guardar uma leve tristeza, e também uma lembrança boa; que não será proibido confessar que às vezes se tem saudades; nem será odioso dizer que a separação ao mesmo tempo nos traz um inexplicável sentimento de alívio, e de sossego; e um indefinível remorso; e um recôndito despeito.E que houve momentos perfeitos que passaram, mas não se perderam, porque ficaram em nossa vida; que a lembrança deles nos faz sentir maio