Mundo de ficçãoIniciar sessão
Aquele de óculos, com a expressão séria e resoluta no rosto, estava em pé, em frente a seu lugar, na cabeceira da mesa, enquanto as outras nove pessoas, acomodadas na grande mesa, aguardavam seu discurso. Atrás dele, era possível identificar uma pintura de Theodore de Bry, representando indígenas, homens e mulheres, nus, ao redor de uma fogueira, banqueteando-se com carne humana. Ao fundo da imagem, Hans Staden assiste a cena, chocado.
Após pigarrear, aquele de óculos começou a falar:
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Depois do desaparecimento de Márcio muitas coisas mudaram na vida de Gustavo. Da pior maneira possível, ele percebeu o quanto aquele homem a quem ele odiava era importante no seu dia a dia. Não de maneira afetiva, Gustavo não sentia nenhum pesar pelo desaparecimento do homem, mas de outro modo, Márcio estava presente em quase todas as esferas de relacionamento e convivência dos últimos dez anos. Gustavo não teve coragem para contar a sua mãe que acreditava que seu chefe e, agora ele sabia, futuro padrasto, provavelmente não estava desaparecido e sim morto. Em seu depoimento para a polícia, contou que foi chamado à locadora por outro funcionário e quando ch
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O grupo composto por Cibele, Paulo e mais onze pessoas conversava animadamente, enquanto se embrenhava em um bairro antigo, cheio de ruas sinuosas e onde os quarteirões jamais eram quadrados. Nenhum deles parecia ter certeza de estar no caminho certo. Para um observador externo, aquele era apenas um grupo comum de jovens animados caminhando para algum evento cultural, e poderia mesmo ser assim, mas os acontecimentos recentes de Angabaíba alteraram radicalmente o destino de cada um deles. Sem exceção, as histórias eram como a de Hernani e Janaína, irmãos, antigos colegas de escola de Paulo. Anos atrás assim como o Iann, o irmão mais velho, optaram por ficar
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A primeira quadra poliesportiva da cidade levava o nome de um já falecido atleta local, Humberto Grossi, o Betão, foi construída no início da década de setenta, durante o governo do presidente Médici e, apesar de a Ditadura Militar mal ter sido sentida pela então minúscula e interiorana cidade de Angabaíba, sua arquitetura refletia a austeridade do regime, muito concreto por todos os lados, todas as entradas de ar e luz eram amplas, mas ficavam fora do alcance. Um lugar muito bom para a diversão com a incrível capacidade de se transformar em um campo de concentração antes que as pessoas de dentro percebessem o que estava acontecendo. Era terça-feira, dia dezesseis de abril e nenhuma atividade esportiva estava programada, mas um grande número de pessoas fluía para o lado de dentro do Betão cruzando as duas amplas portas duplas
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A cidade sempre teve noites tranquilas, agora elas eram mais do que tranquilas, eram taciturnas. O eventual uivo de um cão ao longe, ou o barulho de algum animal rompendo as sacolas de lixo que jamais foram recolhidas rompiam o silêncio e deixavam o ambiente sombrio. O cenário de destruição, iluminado pelos postes que não tiveram as lâmpadas estouradas tinha algo de belo. As árvores se agitavam preguiçosamente, cedendo ao vento ou sendo atacadas por morcegos que roubavam seus frutos. Os carros espalhados desordenadamente pelas ruas pareciam querer prenunciar um mundo abandonado pela humanidade. Conforme as luzes da cidade diminuíam, a luz da lua e das estrelas se tornava mais intensa. E quase ninguém apreciava a beleza da noite sombria.&nbs
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A Rua Joaquim Nabuco, em um passado distante, fora a principal rua comercial da cidade, mas com o tempo, sua atividade diária foi diminuindo, uma mercearia se fechou para, alguns meses depois, reabrir como uma casa noturna de música ao vivo. Em menos de um ano, uma casa de material de construção fechou para se transformar em uma badalada pizzaria. A mudança se espalhou como um vírus. O açougue se transformou em um pub, a lojinha de “R$1,99” foi substituída por um restaurante árabe e a loja de colchões agora era uma cachaçaria. Uns poucos comércios lutavam contra a mudança, teimando em funcionar durante o dia naquela rua onde quase todas as fachadas eram projetadas para brilhar, chamando a atenção dos jovens que procuravam um lugar legal para ir. Mas tudo isso foi antes. Agora, a Rua Joaquim Nabuco era uma rua semideserta, não
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- ... Rua Flórida ... Isso, não é muito longe de casa ... Não sei! ... foi .... foi lá ... De cabeça eu não sei ... Procura no Google maps, porra! ... Mas isso foi antes de marretarem minha cara... Eu posso estar em qualquer lugar agora. .... Espero que sim ... Pra você também .... Tchau! Paulo desligou o celular e sentou-se em um dos cantos do quarto vazio. Sentia a pior dor de cabeça de sua vida e o ferimento em sua testa latejava constantemente. Uma hora estava dormindo c
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Ele esfregou os olhos e piscou mais uma vez. Não conseguia acreditar que aquilo fosse real. O motor de seu Vectra GT ronronava suavemente enquanto Augusto Krupp observava os corpos mortos de todos os seus amigos. Ele não tinha nenhuma dúvida de que estavam todos mortos, mas algo martelava em sua cabeça, dizendo que abandoná-los ali, sem ao menos verificar se algum estava vivo e precisando de socorro, seria traição. Por fim, criou coragem e desceu do carro deixando-o ligado para o caso de quem quer que tenha feito aquilo voltar. Caminhou em direção a o corpo de seu grande e velho amigo João Klauss. Estava sentado, sua cabeça pendendo molemente no peito. Ele
Último capítulo