Após o trabalho, eu sempre voltava pela mesma rua para chegar até o meu apartamento. Eu observava a loja de conveniência que ficava aberta vinte e quatro horas por dia para alimentar os jovens famintos que ainda procuravam por diversão. Era estranho como eles viam diversão até em comer.
Todavia algo fez com que eu aumentasse a velocidade dos passos ao entrar na trilha pela floresta - ela cortava a grande estrada até o condomínio. Chequei rapidamente a arma que carregava comigo na cintura e confirmei se meu celular ainda continuava no bolso da frente.
Os passos de quem me seguia ficavam tão rápidos quanto os meus, quando movimentei minha arma em direção a pessoa, pude ouvir uma voz familiar:
— Por que tão rápido? — perguntou, mas agora já estava com o meu corpo e minha arma apontada em direção a Erick que arregalou os olhos assustado com minha reação. — Sou eu... — sussurrou.
— Poderia ter se apresentado mais cedo — falei guardando a arma.
— Peço desculpas, não imaginei que você se assustaria — falou.
— Assustaria qualquer um que estivesse indo para casa sozinho.
Aproximou-se com passos apressados, e perto de mim, colocou suas mãos dentro de uma sacola que segurava, então estendeu para mim um picolé.
— Está se desculpando por não me dar carona?
— Na verdade, como estamos indo juntos, não poderia pegar um para mim e deixá-la desejando o meu.
Sorri e voltei a caminhar.
— Sempre tão cheio de respostas.
— Para melhorar tenho outras respostas — Erick abriu seu pacote do picolé, ofereceu a mim e pegou de minhas mãos o que ainda estava fechado. Esse homem ainda faria eu surtar com sua mudança de humor e educação. — Ou melhor, informação — corrigiu.
— Quais? — perguntei, fingindo não ter me abalado com sua repentina mudança.
— Fui procurar a respeito da vítima do caso que reabrimos e para minha surpresa houve uma solicitação referente ao DNA, foi feito o recolhimento e o teste. Mas, segundo o senhor Frederick, quem cuida agora desse departamento, todo documento desse caso desapareceu.
— Desapareceu? Como alguém conseguiria sumir com esse tipo de informação? Não foi seguido o mesmo protocolo que os demais?
— Essa é a questão — paramos em frente ao meu bloco. — Todo o protocolo foi feito corretamente, mas os arquivos a respeito não foram encontrados. Simplesmente desapareceu.
— Devo perguntar ao Queiroz? Ou melhor, como algo simplesmente desaparece? — perguntei, e Erick balançou a cabeça em negativo enquanto acabava de comer o último pedaço de seu picolé. — Qual sua ideia?
— Por enquanto, procurar mais alguém que estava nesse caso além de Queiroz.
— Eu conheço alguém de confiança na delegacia da outra cidade, posso ver se ela consegue algo a respeito — falei pensando em Helena.
Erick assentiu.
— Às sete — falou se afastando de mim.
— Hm... às sete? — perguntei mais alto para que ele me ouvisse.
Erick virou-se para olhar para mim e continuou andando de costas.
— Esteja aqui fora às sete, passarei pelo caminho da delegacia amanhã! — virou-se novamente e seguiu em silêncio sem esperar que eu falasse algo.
De fato, ele tem problema - pensei comigo mesma.
Como uma pessoa que adora aproveitar as caronas que a vida lhe dá, acordei mais cedo e me arrumei rapidamente, não tomei nenhum gole de café.
Esperei por Erick em frente ao meu bloco.
— Catarina?! — uma senhora, minha vizinha de apartamento, estava trazendo seu lixo para fora quando me chamou.
— Diga, senhora Miranda — incentivei sorrindo para a mesma. — Como a senhora está?
— Eu estou bem, estou preocupada com você.
— Comigo?
— Você sabe que meu filho a conhece, correto? – assenti. — E você sempre pega aquele caminho que corta por uma floresta — concordei novamente para que ela prosseguisse. — Meu filho estava fazendo uma caminhada pelo lugar e percebeu que alguém a seguia.
— Ah, era o detetive Erick, já briguei com ele por ter me assustado — expliquei, mas Miranda balançou a cabeça em negativo.
— Meu filho conhece esse detetive, ele comentou que esse homem que te perseguia saiu do caminho quando o detetive começou a seguir você.
— A senhora tem certeza disso? Pois foi muito rápido.
— Foi o que meu filho disse. Tenha cuidado, amada. Por mais que você seja uma policial, não ande a noite por essas trilhas e ainda mais sozinha.
Ouvi o barulho de buzina, dentro do carro se encontrava Erick que me fitava já impaciente.
— Obrigada por se preocupar. Tomarei mais cuidado.
Despedi–me da senhora e entrei no carro.
— Erick — falei seu nome e ele me olhou de canto de olho. — Você viu alguém me perseguindo ontem?
— Como soube disso? — perguntou. Suas respostas na maioria das vezes vinham como perguntas.
— Há momentos em que pessoas cuidam uma das outras.
— Eu não queria te preocupar com isso, mas de fato havia um suspeito com capuz que a perseguia. Na verdade, tentarei procurar por algumas câmeras de segurança para ver se consigo ver o rosto dele.
— Por isso essa carona repentina?
— Faremos assim até termos a certeza que você não corre nenhum perigo.
Eu sorri.
— Erick, eu sou uma policial.
— E corre perigo como qualquer outro cidadão — Erick parou em frente à delegacia e agora olhando para mim, disse: — Essa pessoa pode ser alguém comum, ou um ladrão qualquer, porém se ele sabia que você é uma policial e ainda assim te perseguiu, você de fato corre perigo. Ninguém vai perseguir uma policial por achar legal.
— Agradeço, mas não precisa se preocupar comigo — tirei o cinto para sair do carro, mas Erick segurou meu braço.
— Que horas você termina?
— Erick. Não. Se. Preocupe — falei cada palavra pausadamente o que o fez revirar os olhos e me soltar. Continuei sentada o encarando por alguns segundos até que o mesmo falou olhando para a estrada em sua frente.
— Não vai sair do carro?
Suspirei.
— Você precisa de um psicólogo, deve ter algum tipo de transtorno — saí do carro e bati a porta, Erick acelerou fazendo com que os pneus fizessem barulho no asfalto. — Onde encontro pessoas normais? — falei alto.
— Você não é normal, como quer andar com pessoas normais? — Henrique, meu colega de trabalho, falou se aproximando.
— E você está aqui comigo, então isso o faz anormal também — acusei.
— Oh, isso é verdade. Acho que devo parar de andar com você.
— Arrá! — gritei dando um soco em seu braço.
Se alguém estava atrás de mim, deveria ir atrás dessa pessoa? Quem se surpreenderia primeiro: eu ou esse suspeito?