Capítulo 1 - Parte 2

     Toc, Toc, Toc! 

     Min Sun acordou assustada pelo barulho da porta. Havia adormecido na escrivaninha, com o rosto sobre os braços, enquanto cuidava da papelada da comemoração de Halloween. 

     Um pouco atordoada, desviou letargicamente seu olhar para cima para ver quem a chamava, e a silhueta de In Su se materializou à sua frente, fechando a porta atrás de si. Ele sorriu fracamente e ela coçou os olhos, bocejando, desviando o olhar para o relógio na parede, que indicava que já passavam das dez horas daquela gélida noite.

     — In Su, é você? — com a voz embargada pelo sono, bocejou mais uma vez no final, levantando a cabeça vagarosamente.

     Ele trajava um pijama com listras verticais, azul e branco, com seus cabelos ondulados, completamente desgrenhados e para cima, uma expressão sonolenta que insinuava que acabara de acordar e os olhos semicerrados, incomodados pela luz. 

     Se aproximou dela e se sentou no sofá, cruzando as pernas e levando uma das suas mãos para a cabeça, arrumando os fios rebeldes dos seus cabelos enquanto resmungava baixinho.

     Bocejou, se encolhendo pelo frio e desviando o olhar novamente para ela, puxando alguns fios de cabelo para frente, ficando vesgo. Logo soltou e sorriu, vendo que estava sendo encarado.

     — Min Sun, Min Sun.... quando começará a nos dar ouvidos e ir dormir no seu quarto? — expôs num tom de preocupação, já cansado de falar a mesma coisa para ela todos os dias e ser ignorado. — Você é uma celestial, não um deus. Desse jeito você vai virar pó de estrela e servir de adubo para as plantas da Sun Hi — terminou a frase com um bocejo e ela suspirou.

     — Exatamente, sou uma celestial e não um deus, não é como se os nossos problemas fossem sumir num passe de mágica só porque quero tirar um cochilo — espreguiçou na cadeira. — Não tenho tempo para descansar. E eu pensei que você quisesse o evento deste fim de semana. Ou devo deixar para lá?

     — Quero o evento, afinal estamos adiando ele a mais de um mês, mas também quero minha amiga viva e não um zumbi com crateras no lugar dos olhos — exclamou tentando convencê-la.

     Sendo mais uma vez ignorado e trocado pela pilha de papéis sobre a escrivaninha de Min Sun, In Su suspirou em sinal em desistência, sentindo a brisa fria o atingir e eriçar todos os pelos do seu corpo, fazendo-o estremecer, se abraçando, tentando se manter quente. 

     Ele se levantou, se aproximando e olhando para os papéis que ela segurava. Dois deles já haviam sido concluídos, o que parecia ser a comprovação da festa. Olhando-o furtivamente, ela suspirou ao vê-lo tremer, todo encolhido, e abriu a gaveta ao seu lado, pegando um lençol fofinho que tinha guardado ali na noite passada.

     Se levantando da cadeira, ela negou com a cabeça, estirando o tecido sobre In Su, que ficou encarando-a contente, com um sorriso fraco. Olhando para o topo da cabeça dele, não conseguiu não soltar uma risadinha ao ver seu cabelo todo assanhado para cima, puxando-o pelo lençol e passando a mão pelos fios, tentando alinhá-los, mas, como o esperado, não obteve resultados.

     Ele riu e ela voltou a sentar, pegando o papel que lia antes de ter a atenção desviada. 

     Curioso, In Su se encostou na parede logo atrás dela, olhando tristemente para as asas sem vida e brilho da líder, que antes eram magníficas e reluzentes. Os anos de trabalho exaustivo fizeram um dano horrível a elas.

     Lendo de relance alguns papéis que estavam jogados ao lado, em uma das extremidades da escrivaninha, já carimbados. Ele suspirou.

     — A Nova Ordem está dando dor de cabeça.... — comentou ao se aproximar mais e ler uma parte do relatório. — Achei estranho eles estarem tão parados nos últimos anos. Resolveram voltar com tudo agora.

     — Nem me fale. Aqueles desgraçados deveriam se envergonhar perante a estátua de Palk e implorar por perdão — Min Sun cerrou os punhos e desviou o olhar para os papéis que In Su citou. — Preciso de sua assinatura nisso mais tarde, okay? Você vai para Busan?

     Ele apenas concordou com a cabeça e ajeitou o lençol sobre os ombros, cruzando os braços junto ao tecido. Ficou incomodado com a sua reação e, com o intuito de afastar um pouco o clima tenso, In Su pôs seu rosto no pescoço dela e a cheirou, quebrando o silêncio de poucos instantes. Cerca de alguns segundos depois, cheirou a si mesmo.

     — Ei, pare de me cheirar — ela o empurrou. — Ficou doido?

     — Ya, Park Min Sun, quando foi a última vez que tomou banho? — quase foi estapeado, quase, mas, felizmente, se afastou a tempo. — Urgh! Tem cheiro de algum animal em decomposição — gracejou, tentando conter as gargalhadas.

     — Não enche, In Su! — ruborizou, envergonhada com as risadas escandalosas, e começou a se cheirar. — Exagerado. Estou com o cheiro do meu shampoo — retrucou, fazendo bico após cruzar os braços.

     De repente, sentiu ser levantada e, quando notou, In Su a colocou no ombro.

     — Vamos lá, porquinha — a levou pelos corredores da fortaleza, enquanto Min Sun esperneava, tentando se livrar das garras inimigas, derrubando o lençol no chão acidentalmente. Ele nem ligou, apenas continuou andando.

     O lugar com teto alto sibilava com o vento frio que passava pelas frestas do telhado e da parede de pedra. Era uma noite muito fria e estava parecendo que ia nevar logo. 

     In Su saiu do local onde ficava os dormitórios e os escritórios dos líderes, andou pelo salão e foi para a área de serviços, onde estava a enfermaria, oficinas, saunas, cozinha, sala de reunião e de testes.

     Quando pararam frente à porta do banheiro, In Su olhou atentamente, para constatar um lugar fantasmagórico, e o adentrou. Ela continuou se debatendo, pedindo para ser colocada no chão, mas, além de não dar ouvidos, ao chegar nas piscinas termais, ele a arremessou na água, com roupa e tudo.

     — Toma um banho e vai dormir. Não é por que você vai tirar um cochilo que eles vão destruir a terra do dia para a noite! — exclamou com convicção, pondo as mãos na cintura. A celestial, que estava furiosa a alguns minutos, logo se acalmou, suspirando em desistência.

     Ela o encarou por alguns segundos, mas logo deu de ombros.

     — Vai ficar aí olhando é? Traz algumas roupas para mim e uma toalha, já que alguém não me deu tempo disso — ele fez um 'ok' com a mão esquerda e se virou, indo fazer o que ela pediu.

     Após trazer as coisas de Min Sun havia pedido, In Su ficou plantado na parte de fora da sauna esperando-a para ter a certeza de que iria dormir, empacotado com o lençol e suas asas, tremelicando de tempos em tempos, enquanto lutava para ficar acordado. 

     Há tempos não ficava apenas sentada na água relaxando, então despiu-se, jogando as roupas molhadas num canto, e foi se lavar.

     Fazendo espuma pelo seu cabelo longo e esfregando-a por todo o corpo, ficou cerca de meia hora aproveitando o banho, cantarolando uma melodia calma, e, ao terminar, se jogou na piscina mais uma vez. 

     Olhava seu pequeno corpo, o quão pálido estava, pois a muito tempo não saía da fortaleza, e logo se pôs a alisar seus cabelos brancos desembaraçando-os enquanto relaxava e lavava seu estresse para longe.

     Após notar que já havia passado muito tempo ali, se retirou da piscina e se lavou mais uma vez nos chuveiros, agora se enxugando e usando a muda de roupas que In Su trouxe. Parando frente ao espelho, analisou sua aparência. Estava acabada. Abaixo dos seus olhos, a pele estava arroxeada, demonstrando as noites mal dormidas, e seu rosto afinado. 

     — Devo ter perdido peso de novo... — mencionou tristemente, levando a mão até a cicatriz em sua cintura. Uma cicatriz quase imperceptível, que lhe causou um aperto no peito. 

     Ao sair da sauna, com a toalha envolvendo os cabelos e as roupas molhadas nas mãos, ela se deparou com In Su adormecido no chão ao lado da porta, com uma asas envolvendo seus braços e a outra levantada rente à parede, fazendo-a sobressaltar.

     — Pelos deuses, se olhar rápido acha que está morto — resmungou com uma careta, então o chacoalhou, acordando-o. — Ei, seu idiota — ele a olhou, confuso, puxando os dedos do pé que estavam dormentes pelo frio. — Vai congelar aí. Vá para seu quarto. 

     — Seul vai congelar... — murmurou sonolento, levando ambas as mãos para os pés, os afagando e puxando a calça do pijama para cobri-los, esticando as asas brancas com lampejos vermelhos. — Vai dormir também, eung?

     — Vou só colocar as minhas roupas para lavar e vou. Um certo alguém fez besteira... — ele puxou o lençol para cima da cabeça e sorriu com os lábios.

     — Você estava fedendo — concluiu e ela tentou o golpear com um soquinho, mas ele prontamente desviou para o lado, segurando-a e dando um beijinho na sua testa descoberta. — Boa noite, cabeça dura.

     — Boa noite, cabeça de vento — retrucou e ele se levantou, virando de costas e seguindo pelo salão escuro.

     Min Sun crispou os lábios, esticando as extremidades da boca e fazendo-a tornar a uma linha reta, passando a mão livre pelo tecido da blusa, enquanto o observava cambalear até virar a curva dos dormitórios, encarando as costas meio descobertas por entre as fendas no tecido do pijama para as asas, já que celestiais, enquanto desacordados, não conseguem manter a magia que as escondia. 

     Haviam muitas roupas para celestiais que tinham essas fendas nas costas, mas era mais comum entre os pijamas, já que a mesma magia que as escondia, as fazia intangível onde o tecido passava. mas In Su sempre preferiu as que tinham as fendas, afirmando serem mais confortáveis, já que ele constantemente as deixava descobertas. 

     Dando uma última olhada para Min Sun ao longe, sinalizou um ameaçador “vá dormir”, deixando dois dedos abaixados, pondo-os ao lado da cabeça e os abaixando, fechando os olhos em seguida, na sinalização criada por eles quando crianças, com uma careta no final, e finalmente sumiu no corredor. 

     In Su havia trazido um blusão azul bebê, que ia até seus joelhos e mangas que ficavam enormes, com as duas grandes lascas nas costas para suas asas, e uma calça de moletom preta quentinha. E, após negar com a cabeça, seguiu até a área de serviço, ao lado da sauna, e colocou as roupas na lavadora, escolhendo o programa mais curto, de dezenove minutos. 

     Logo se sentou na mesinha que havia no centro da área de serviços. Era baixa, meio metro de altura, feita de madeira simples, e ocupava quase todo o chão, cercada de seis lavadoras do lado esquerdo da sala, e cinco do lado direito. 

     Cruzando as pernas, desembrulhou seus cabelos e começou a enxugá-los com a toalha, mecha por mecha, envolvendo todo o comprimento dos fios, indo enxugar as suas plumas em seguida.

     Sentando toda desajeitada, logo deitou na fria madeira, descobrindo a barriga e levando a mão para a grande cicatriz no seu quadril. Enquanto sentia aquela marca, sua memória vagueou para o passado. O piano. Os treinos de espada. As risadas sem sentido. O lindo sorriso, os olhos azuis, suas loucuras ao vê-lo conversar com Hae Ri, a Haichi¹ desmiolada que o importunava a tempos.

     Pensando que não deveria se sentir nostálgica com algo que não voltaria, expulsou esses pensamentos da mente, começando a andar em círculos, solfejando uma melodia sem sentido. 

     Min Sun, pensando que gostaria de sentir o aroma e o frio da noite, se aproximou da grande e velha janela de seis portas, que era fechada por uma travessa de madeira e tirou-a dali, abrindo-a e sentindo a brisa tocar seus cabelos molhados. 

     O céu estava cheio de nuvens, denunciando que poderia chover logo, e escondendo metade da lua, arrancando sorrisos bobos de Min Sun, que era fascinada por um clima invernal, lembrando da incrível paisagem enevoada de seu lar.

     Admirando a paisagem, sua atenção logo foi chamada por um brilho por entre as árvores da floresta que ela e seu time voltaram a algumas horas. 

     Uma flecha.

     Em um rápido reflexo, moveu sua cabeça para o lado, tendo a bochecha raspada pelo metal, que em seguida foi beijada por um floco de neve. Neve negra. 

     Após olhar de soslaio para a parede que fora atingida, voltou sua atenção para a floresta, materializando um belíssimo arco de fogo, com rosas nas extremidades onde a linha flamejante se esticava, galhos retorcidos e fitas na extremidade de baixo. 

     Mirando no local de onde a flecha inimiga tinha sido disparada, atirou, tendo o vislumbre de uma sombra ao longe ser atingida, desaparecendo ao ser consumida junto aos flocos de neve negra, substituindo a alegria da noite por um sorriso melancólico.

     — Desgraçado... — murmurou tristemente, voltando à realidade pelo bip que avisava que sua roupa já estava limpa. Fechou a janela, pegou suas roupas, as estendeu e voltou para seu escritório, ignorando o conselho de In Su.

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Vocabulário:

Haichi: Mestre e guardião do fogo, o Hae Tae (해태, muitas vezes escrito Haitai ou Haechi) assemelha-se a um cão com uma juba de leão, bastante similar aos cães de Fogo da China. Com a capacidade de parar, retroceder ou avançar rapidamente através do tempo. Esta criatura incomum também pode morder a lua, explicando o período de declínio da lua, e também criar um eclipse. Na série Kingdom of Light, se refere aos filhos da divindade do tempo, Hae Tae, sendo os guardiões do tempo, capazes de firmar contratos, tornando-se almas que guiam o contratante.

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