Capítulo 5 – Recomeço

Após ouvir dos pais adotivos palavras de incentivo, Lorena sentiu-se mais propícia a levantar-se de onde havia caído e decidiu recomeçar. A primeira providência tomada foi entrar em contato com Marilda Fontes, uma antiga amiga e estilista de renome que conheceu no início de sua carreira como designer de modas, no intuito de tentar arranjar alguma forma de trabalho.

Como haviam lhe falado seus pais, Deus realmente é justo e parecia está a seu lado naquele recomeço, dessa maneira foi recebida pela famosa estilista na sua mansão localizada na Vila Conceição, um dos bairros mais luxuosos da metrópole, onde puderam ter uma conversa breve, pois ela era uma mulher muitíssima ocupada

— Mas claro que sim, minha amiga, há sempre um espaço reservado para pessoas tão talentosas como você, afinal falamos de Lorena Peixoto!

A mulher que já foi considerada um ícone no mundo da moda

— Isso foi antes de cair essa avalanche de sucessivos fracassos sobre minha vida, Marilda, agora perdi tudo e o que me resta é tentar olhar para frente e recomeçar do zero

— Recomeçar, sim, mas do zero nunca! Nossa amizade não foi feita por acaso nem baseado em interesses, somos amigas de corpo e alma. Portanto, colocarei diante de você uma grande oportunidade e se tiver a garra, coragem e determinação que acredito possua em pouco tempo voltará a ter a mesma fortuna, fama e importância que já possuiu

— Minha nossa, então fale logo de que negócio é esse a que se refere!

— Certo. Sente-se aqui e vou lhe deixar a par do assunto...

As mulheres acertaram os pormenores e Lorena aceitou assumir a direção do setor de designer de uma multinacional que estaria inaugurando sua primeira filial no Japão, onde por diversas vezes ela se fez presente durante desfiles e outros eventos de modas, no início de sua carreira como modelo e em poucos dias após ter fechado o acordo de ir trabalhar do outro lado do mundo, deixando para trás um passado de fracassos e derrotas.

 Sempre contando com o apoio dos pais e dos poucos amigos que restaram, levantou voo em direção ao Continente Asiático. Enquanto isso, no Rio de Janeiro Inês e Camila davam continuidade a suas vidas normalmente sem qualquer preocupação com a opinião pública sobre seus atos infames, gastando de forma desregrada os milhões que antes pertenciam a fortuna daquela que um dia decidiu adotá-la.

 Do lado da amante Inês prosseguiu gastando sua parte na herança, aquela que lhe foi entregue por sua mãe adotiva para que tivesse acesso com ela ainda em vida. Apesar de ainda ter milhões em investimentos me poder ajudar Lorena depois de ter perdido tudo não o fez e ela se recusou a lhe implorar qualquer ajuda.

Por orgulho próprio foi que Lorena preferiu não depender daquela que deu um terrível golpe e passou a depender exclusivamente dos pais, até aquele momento que pela ironia do destino conseguiu a chance de assumir a chefia num trabalho importantíssimo e com um salário altíssimo, graças a Deus e por poder contar com uma grande amizade. As duas amantes se deliciavam naquela relação absurda aos olhos da sociedade numa época onde os valores morais ainda falavam mais alto.

 E a família ainda era vista como a parte mais importante em seu meio. O homossexualismo era encarado como uma forma vergonhosa e que manchava enormemente o nome e o caráter daqueles que assim procedessem, dessa maneira as duas mulheres passaram a ser vistas como indignas do respeito popular. Por qualquer parte onde andavam era motivo de risos e zombarias, fosse pelas vias públicas, clubes, festas ou passeando pelo shopping a situação era a mesma e aquilo passou a incomodar Camila.

— Já não estou mais suportando tanta pressão!

— Qual é, meu amor, vai querer desistir de nosso amor por causa da crítica desses imbecis?

— Não é isso, mas perdemos nossa liberdade de irmos até numa loja comprar uma roupa ou na padaria pegar o pão para tomarmos nosso café da manhã, até o porteiro do prédio onde moramos nos olha com desprezo! Não tá dando pra suportar essa indiferença toda

— Por favor Camila, pare de drama!

— Não é drama, apenas estou cansada de viver o tempo todo às margens da sociedade, até minha família me viraram as costas depois que assumimos publicamente essa relação

— E o que você sugere, então, que terminemos? Esquece que deixei tudo de lado por sua causa e que igualmente estou sofrendo as mesmas consequências da escolha que fizemos?

— Sei disso, mas já não estou bem certa se o que fizemos foi realmente a coisa mais certa

— O que está tentando dizer?

— Poderíamos ter continuado no anonimato como estávamos no princípio sem que ninguém soubesse sobre nós

— Há, entendi, sua opinião é que vivêssemos o tempo inteiro feito duas ratazanas escondidas num esgoto nos escondendo das pessoas por nos sentirmos atraídas uma pela outra?

— Não seja exagerada, Inês, o fato de guardar segredos sobre nossas opções sexuais não iria nos tornar menos seres humanos do que agora, mas pelo menos não estaríamos sendo ridicularizadas dessa maneira. Isso sem levar em conta o estrago que causamos na vida de nossas famílias, a destruição por completo de nossas carreiras e nossos nomes jogados na lama

— Certo, já entendi tudo, você se arrepende de ter ficado a meu lado

— Quer saber? Sim, me arrependo e muito pela loucura que fiz! Se pudesse voltar no tempo faria tudo diferente

— Mesmo? Diferente como? Diria não na minha cara e me voltaria às costas mesmo apaixonada por mim?

— Se fosse para evitar todo esse constrangimento em nossas vidas e na vida de nossas famílias, sim, eu agiria exatamente dessa maneira

— Covarde, isso é o que você demonstra ser

— Isso não é covardia, meu bem, é sensatez. Insensata fui ao ficar cega de paixão por você ao ponto de cometer tantas loucuras. Isso, se esse sentimento que temos uma pela outra pode mesmo ser chamada de verdadeira paixão, pois mais parece uma doença que está destruindo tudo ao nosso redor como um vírus ou uma praga, sei lá!

— Como ousa chamar nosso amor de doença ou vírus, tá louca?

— Não, acho que louca eu estive por todo esse tempo a seu lado, desse momento em diante acho que por um milagre estou sendo curada e meus olhos estão sendo reabertos para a realidade

— Isso só pode ser piada, não acredito no que estou acabando de ouvir

— Pois creia, porque falo sério!

— Há, então está bem. Se é para lembrar o passado e se arrepender das decisões que tomamos, então vamos lá: Eu era uma pobre miserável que vivia numa pequena vila africana, num lugar onde nem o Diabo queria ir visitar e de repente surgiu um anjo enviado por Deus que me tirou dali, oferecendo-me uma chance de conquistar vida melhor. Fiquei rica, famosa, fui transformada de uma simples negra desgraçada numa celebridade. Aí, por acreditar firmemente no amor cometi o erro de tentar amar os homens e me decepcionei, sofri, quase morri. Então nos conhecemos, escolhi jogar tudo aquilo que conquistei na lama só para ficar a seu lado, mas pelo visto parece que novamente quebrei a cara. Se é para chorar o leite derramado, amorzinho, então me diz: O que que eu faço agora que pelo visto está desistindo de mim e já perdi todos que me amavam?

— Eu não sei o que responder. A única coisa que posso adiantar é que não suporto mais ver os olhares de desprezo de todos quanto nos cercam. Dos estranhos, dos antigos fãs, dos antigos amigos e até de meus familiares. Virei um monstro, um opróbrio diante deles e do mundo todo. Perdi meu emprego e  a chance de trabalhar no que sempre amei.

 O mundo parece ter reduzido apenas a nós duas e isso é pouco demais para alguém ser feliz, quero minha vida de volta! Dane-se o que sentimos em nossos corações, o amor, a paixão ou seja lá o que essa droga venha a ser. Cansei dessa solidão maldita e vou embora, pedirei perdão aos meus pais e verei se me aceitam de volta em casa. Se for necessário faço isso de joelhos, em praça pública ou na mídia para me redimir não só com eles, mas com o mundo inteiro. Só quero a droga da minha vida de volta!

As palavras de Camila causaram um aperto na garganta de Inês que não conseguia mais pronunciar uma só palavra. Somente lágrimas escorriam de seus olhos, tão quentes que pareciam ser aquecidas pelo calor da revolta que queimava na mais profunda parte de seu ser.

 A dor de uma alma amargurada e novamente ferida por amar a pessoa errada lhe consumia. No peito batia acelerado um coração banhado pela decepção e somente aos poucos começou a se normalizar a respiração que de tão sufocante quase lhe cancelou a maldita vida que escolheu viver.

Camila, por sua vez, saiu às pressas sem dizer mais nada nem aonde iria naquele fim de tarde, não fazia ideia de seu paradeiro depois de ter ficado várias horas sentada no sofá da sala.

 Tinha como companhia durante aquele maldito cenário de desprezo e solidão apenas meia taça de bebida que aos poucos percebeu ser insuficiente para curar sua tristeza. O telefone sobre a mesa tornou-se inútil por não ter a quem ligar, somente a TV lhe falava a esmos uma notícia sem interesse.

 A escuridão chegou de repente e ela foi até a janela olhar as luzes que acendem e passaram a iluminar aquela cidade agitada, onde as pessoas pouco possuem tempo para pensar umas nas outras e por essa razão vivem de um lado para o outro sem qualquer afinidade. Aquela noite dormiria sozinha sobre o colchão macio e sob os lençóis de seda, sem o calor daquela que muito amava.

Enquanto Inês curtia sua amarga solidão, colhendo os frutos amargos de seus erros, Camila dirigiu-se a uma boate no centro da capital onde passou a dançar, beber e curtir para tentar esquecer o desentendimento que acabara de ter com a namorada, além da vergonha sentida na alma pela pessoa em quem acabou se tornando. Naquela madrugada ela conheceu um rico empresário que como ela havia se desentendido com a namorada e buscava diversão. Os dois passaram a compartilhar suas intimidades.

— Então, parece que temos algo em comum neste momento

— Sim, é o que posso perceber. Vida complicada a nossa

— Que nada, apenas ainda não acertamos

— E o que seria acertar, pra você?

— Sem dúvida alguma encontrar a pessoa certa que irá completar nossas vidas

— Nesse sentido já perdi as esperanças, tentei de tudo e nada

— Não desista assim tão fácil

— Fácil? Você não faz ideia do quanto já sofri

— Pode ser, mas ainda não sabemos o bastante um sobre o outro para julgarmos quem mais sofreu no amor

— Sim, concordo...

— Aliás, ainda não me apresentei. Sou Luciano Medeiros, muito prazer

— Camila Mirtes, o prazer é todo meu

— A apresentadora do maior programa de entrevistas da TV brasileira?

— Você quis dizer ex apresentadora...

— Não importa, para mim e muitos outros fãs de seu programa nunca mais haverá outro igual

— Fico agradecida, mas esse tempo já passou e prefiro esquecer

— Sinto muito, mesmo, por tudo o que aconteceu com você e sua amiga, infelizmente nossa sociedade ainda é muito preconceituosa e não conseguem entender certos detalhes da vida

— Entender o quê, duas mulheres que decidiram assumir publicamente que são lésbicas e se apaixonaram uma pela outra?

— E qual é o problema nisso? O amor tem várias formas de se manifestar, assim como foram vocês poderiam ter sido dois homens

— De certo que sim, mas infelizmente fomos nós e hoje estamos pagando um alto preço pela escolha que fizemos

— Estou sabendo... Todos sabem, na verdade. Deve estar sendo bastante difícil conviver com tanto preconceito

— Difícil não é a palavra mais adequada, está sendo horrível! Desprezada pela família, amigos, colegas de trabalho, perda da carreira e um nome que levei um longo tempo para construir na mídia jogada na vala em pouco tempo!

— Compreendo. Mas foram escolhas feitas por vocês duas, quiseram isso

— Sim, porque pensamos ser possível mudar o mundo ao nosso redor

— Esse é o maior erro que cometemos, querer mudar a mentalidade das pessoas. O mundo não muda nem a forma das pessoas ver as coisas o que de fato acontece é que por escolher viver uma falsa evolução a humanidade decide fingir aceitar novos padrões de condutas morais, mas no fundo tudo continua a mesma coisa no interior de cada pessoa

— Sério, você acredita mesmo nisso?

— Com certeza, Camila, o mundo continua o mesmo e em nada o ser humano evoluiu apesar do passar de tantos séculos, simplesmente todas as gerações aprenderam a usar uma máscara social e fingir que estão cegos diante das falhas de alguns e acertos de outros. Ou seja, sempre existiram gays e lésbicas, a homossexualidade sempre foi algo real na vida de muitas pessoas e o problema é que as gerações passadas viviam divididas, uma parte fingia aceitar e a outra condenava, principalmente as mais religiosas.  Ainda hoje, em pleno final do século XX isso ocorre, mas em países mais desenvolvidos esse tabu já foi superado e quase todos aceitaram a união de pessoas do mesmo sexo. Bem, pelo menos fingem aceitar

— Então, pelo que acaba de dizer na mentalidade dos mais conservadores somos desprezíveis e os  hipócritas fingem nos aceitar?

Fazem de conta que nos apoiam somente na aparência, de acordo com seus propósitos ambiciosos e interesseiros?

— Certamente. Veja só: Um político, pessoas públicas e famosas.... Estes necessitam do apoio de todos para se manterem nos seus pedestais. Necessitam de toda a sociedade para manterem suas famas, sucesso, prestígio e poder. Um político não vai se reeleger para o próximo mandato se os milhões de gays e lésbicas não lhes derem seus votos. De igual maneira acontece com quem vive da música, do cinema, da televisão, pois venderão menos CDS, farão menos shows, diminuirá a bilheteria, a audiência...

— Correto, então fingem nos aceitar para manter bem alto o número de fãs e obterem resultados mais positivos com isso

— Exatamente! E a tendência disso, pelo visto, é aumentar no decorrer das décadas e ao chegarmos no próximo século essa máscara social terá tomado conta de pelo menos noventa e nove por cento da humanidade, restando apenas uma pequena porção dos irão insistir em resistir a essa nova tendência global

— Nossa, você por acaso é algum vidente para visualizar de antemão tudo isso?

— Não, sou empresário. Mas tenho uma boa percepção das coisas

— Agora compreendi melhor sua facilidade em detalhar claramente a vida. Então ao seu ver o mundo realmente nunca evolui?

— Em termos tecnológicos e científicos sim, mas socialmente não. Tudo não passa de facetas usadas para permitir a convivência harmoniosa entre o que é considerado normal e anormal, no pleno sentido da palavra

Os novos amigos trocaram sorrisos e passaram o restante daquela noite na agradável companhia um do outro e depois de muito embriagados acabaram dormindo juntos no luxuoso apartamento do empresário. No dia seguinte, depois do meio dia, Camila desperta e preocupa-se ao perceber que estava na cama, ao lado dele e completamente despidos. Sem dúvida rolou algo além de dança, bebida e um bom papo. Só não lembrava se gostou.

Ela retorna para casa sem ao menos se despedir do novo parceiro, visto que ele se encontrava num pesado sono, devido embriaguez da noite anterior. Ao chegar encontra Inês que a aguardava bastante séria e irritada.

— Precisamos conversar!

— Nada tenho para discutir com você

— Mas eu sim, e pra começar me fale onde passou toda a noite e com quem!

— Acho que você não entendeu minhas palavras, então vou repeti-las: Nada tenho a lhe falar!

— Compreendi muito bem, acontece que você é minha mulher, mora na minha casa e por essa razão me deve satisfações de sua vida!

— Então vai ser assim, vai também querer me jogar na cara que vivo às suas custas?

— Pelo visto não preciso mais, já que acabou de reconhecer sua total dependência

Camila sai pelo amplo corredor que conduzia aos três quartos da casa e Inês a segue, esbravejando.

— Volte aqui, exijo suas explicações agora mesmo!

— Vai-te a porra, não te devo explicações alguma!

Inês perde o controle e passa a chutar fortemente a porta do quarto onde se encontrava a namorada, mas ela decidiu trancá-la para evitar maior confronto. Entretanto, apesar disso a atitude da companheira foi aos poucos passando dos limites, pois aos berros e palavrões procurava humilhá-la. Dessa forma, completamente fora de si sai de seus aposentos e passam a se agredir.

As agressões que a princípio eram apenas verbais passaram a um estágio mais violento e as duas mulheres partiram para o confronto físico, rolaram pelo chão do corredor e acabaram novamente na sala. Muitos móveis e objetos caros, como jarros, quadros obtidos em leilões, louças artesanais e até persianas foram literalmente destruídas durante a luta corporal daquelas que ali mesmo tantas vezes trocaram juras de amor.

No calor da raiva e para humilhar a oponente Camila revela que havia passado a noite com um novo amante e isso elevou o ódio de Inês ao extremo, lançando-se sobre a mesma com uma fúria tão intensa ao ponto de espanca-la terrivelmente, no entanto ela conseguiu escapar de suas mãos e trancar-se novamente num dos quartos.

— Miserável, sai daí e me encara sua fodida, vem dizer outra vez na minha cara que me traiu com um safado qualquer pra ver se não te mato!

A mulher estava terrivelmente alterada, chutava a porta e quebrava tudo o que achava pela frente, exigia que a outra permitisse sua entrada para terminarem o assunto inacabado, mas recebeu como resposta apenas um total silêncio. Sentada em meio aos destroços de tudo que minutos atrás destruiu. Logo ela que até pouco tempo atrás era aplaudida e admirada.

Todos a reverenciavam por sua fama, agora apenas soluçava. A menina assanhada e cujos calcanhares estavam rachados de tanto andar pelas ruelas estreitas da tribo onde cresceu e recebeu a visita de um anjo com olhos tão azuis que pareciam o próprio céu, que com sua ajuda alcançou o ponto mais alto da conquista de seus sonhos mais uma vez despencava rumo ao fundo de um poço cujo fim parecia não existir.

Seu pranto forçava que lágrimas transparentes rolassem de seu rosto e cuja pele escura não podiam esconder. A angústia a dominava por dentro, a tristeza lhe sufocava, o fracasso pisoteava sobre seu orgulho ferido, traído, rejeitado.

Foram várias horas de silêncio e finalmente decidiu erguer-se e sair dali ainda ofegante. Após um banho e colocar roupas limpas saiu sem rumo certo em seu automóvel luxuoso, procurava descanso, queria refletir melhor sobre seu futuro incerto.

Agradecia a Deus no seu íntimo por não ter acontecido o pior. Ainda bem que residiam numa parte da cidade onde não haviam vizinhos próximos ou do contrário teriam denunciado a violência e no dia seguinte seriam vítimas de mais um enorme escândalo. Depois de muito rodar parou próximo a uma praça, sentando-se num dos vários bancos ali existentes para refletir.

Observava calada o caminhar das demais pessoas ao redor, o voar dos pombos e outras aves no espaço existente entre as nuvens e sua cabeça. Via os casais que andavam de lá para cá de mãos dadas, outros que trocavam carícias, as crianças brincando nos brinquedos sem se preocuparem com o amanhã.

Haviam idosos jogando xadrez e muita conversa fora. Era um domingo que começou ensolarado, porém o sol foi se escondendo aos poucos e o momento era neutro, entre a despedida da luz e a chegada da escuridão, tudo muito mágico. O vento soprava de Norte a Sul e passeava entre seus cabelos que já não eram mais tão endurecidos e rebeldes.

Por fim, resolveu que passaria a noite rodando pela cidade. Beberia um pouco no barzinho, dançaria nalguma boate, conheceria pessoas novas e no final dormiria em qualquer lugar que fosse sua casa nem sua cama. Assim fez e jogou-se de cabeça naquela louca aventura, pois acreditava que se Camila conseguiu se divertir ela também conseguiria. E de fato conseguiu, mesmo que apenas por algumas horas.

— Posso lhe fazer companhia?

Ela ergue o olhar surpresa com a proposta e depara-se com homem másculo, elegante, envolvente que trouxe brilho aos seus olhos entristecidos.

— Sim, claro, fique à vontade

— Desculpe a ousadia é que hoje aqui o ambiente está super lotado e vi que você não está acompanhada. Prometo ser o menos chato possível

— Não se preocupe, estava mesmo querendo alguém para conversar

— Que bom, pois falo bastante

— Percebe-se! — Os dois trocam risos e se apresentam

— Ricardo, muito prazer

— Inês, o prazer é meu

— Como uma mulher tão linda se encontra sozinha meio a tanta gente?

— Não sei, quem sabe não me perceberam antes

— Impossível diante de tanta beleza

—Bondade a sua, mas nem todos admiram pessoas com a minha cor

— Que é isso, sua cor é exótica e rara

— Como pode dizer isso se o que mais existem neste país são negros?

— Mas você não possui uma cor negra comum, ela é mais bela que as outras

— Pelo que posso perceber você tem como característica o galanteio

Ambos trocam risos pela insinuação da moça que finalmente demonstra relaxar, continuam bebendo por mais um tempo e em seguida Ricardo a convida para dançar, o que ela aceita prontamente. Enquanto dançam conversam sobre algumas coisas engraçadas e ela admite não ser boa dançarina. Ele, por sua vez, aproveita para conquistar sua confiança.

No final da noite ela concorda em ir até o apartamento do novo amigo, sabia das intenções dele, porém, pretendia vingar-se de Camila. Por essa razão desde o princípio aceitou sua companhia e agiu como se fosse uma presa fácil diante de um caçador faminto por sexo.

Tudo ocorreu naturalmente como ela previa. Sua forma felina de se entregar na cama fez com que o parceiro pensasse está realmente dando e recebendo intenso prazer durante o ato sexual e quis um segundo encontro, mas a proposta dele não foi aceita. O objetivo da parceira já havia sido alcançado naquele momento, dando o troco à sua namorada que lhe feriu profundamente o coração

— Desculpe, Ricardo, mas não pretendo manter qualquer tipo de envolvimento íntimo em definitivo com você ou qualquer outra pessoa

— Nossa, mas que fora, pensei que tivesse rolado um clima legal entre nós

— E de fato rolou, mas já sou comprometida com outra pessoa

— Uau, não havia me falado nada sobre ter alguém na sua vida

— Não achei necessário entrar em detalhes, afinal, mal nos conhecemos

— Estou de pleno acordo, mas pelo fato de ter te encontrado naquele local sozinha e com o ar de estar curtindo uma tremenda fossa me levou a crer que buscasse companhia

— E de fato buscava mesmo alguém com quem dividir minha dor, através de um bom papo, uma cerveja e algumas horas de prazer. Só isso, nada mais sério

— E você o ama?

— Sim, é claro que amo

— Estão brigados, eu presumo

— Sim, tivemos um pequeno desentendimento, mas nada muito sério

— Sei. Tanto é que você simplesmente passou a noite com outra pessoa, o que acho bastante razoável

— Tá bem, eu confesso que foi um mesmo um grande desastre.

Nós duas brigamos feio e nem sei se depois de hoje ainda continuaremos juntas.

— Você disse “nós duas”, referindo-se a outra mulher?

— Lógico, ao que mais poderia ser?

Ricardo, que permanecia de pé senta-se atônito diante dela completamente perplexo e não esconde sua decepção ao saber que a mulher com quem passou a noite é uma lésbica confessa, tipo de pessoas que ele desprezava profundamente

— Jesus Cristo!

— Que foi? Que cara é essa, homem?

— Bem, não é nada, mas acho que já está na hora de você ir, visto que sua namorada lhe espera!

— Sim, eu irei, mas porquê toda essa pressa agora? Parece até que está me expulsando de seu apartamento

— Nada disso, é que lembrei de um compromisso muito importante e preciso mesmo sair agora. Então, se não me levar a mal...

— Tudo bem, sem problemas. Então, tchau!

— Acho mais conveniente um adeus. Te desejo sorte lá com sua amiga, quero dizer, namorada

— Valeu...

Os dois ainda trocam um sorriso amarelado, cheio de decepção da parte dele e de estranheza por parte dela no instante da despedida. Inês retorna para casa e se pergunta o que irá encontrar pela frente já que na tarde anterior havia vivido um grande desentendimento com Camila ao ponto de espanca-la e não fazia a menor ideia de como as coisas estavam entre elas

Mas não demorou muito para obter a resposta de suas indagações, ao chegar na casa onde moravam o local estava fechado. Adentrando o ambiente logo pôde perceber que a companheira não se encontrava ali, pois tudo permanecia do mesmo jeito que tinha deixado antes de sair.

Muitos móveis fora do lugar, louças e suas caríssimas porcelanas quebradas, todas espalhadas pelo chão. A persiana sobre a janela continuou danificada, a mesa jogada e vários jarros em pedaços mostravam a desordem do lugar. Tudo estava exatamente como havia deixado, apenas Camila se foi. Ao verificar seus aposentos constatou o que lhe veio à mente tão logo abriu a porta, ela partiu levando todos os seus pertences pessoais, não iria voltar.

Sentou-se meio aos cacos dos vasos e louças quebrados, olhou por um tempo todo o ambiente, desde o chão ao teto daquele quarto onde tantas vezes se entregaram uma à outra e relembrou o quanto foram felizes. Mas seu mundo desabou, tudo chegava ao fim e se via perdida, sem saber ao certo como viveria a partir daquele momento.

Enquanto tentava encontrar estas respostas Camila tomava outra direção, pois já sabia exatamente o que queria para sua nova vida. Retornou para a casa dos pais em São Paulo, implorou misericórdia da parte deles e foi aceita como a filha pródiga que voltava arrependida em busca de perdão. Iria tentar recomeçar, mesmo que isso significasse ter que enfrentar muitos obstáculos.

Com a influência da família e alguns poucos amigos que decidiram lhe estender as mãos tão logo souberam de sua decisão em abandonar a vida promíscua ao lado da outra mulher, recuperou seu antigo emprego, porém com a garantia de que iria fazer uma coletiva de imprensa e se desculpar publicamente com a sociedade paulista, seus telespectadores, fãs e demonstrar-se verdadeiramente arrependida de seus erros passados. Isso iria ser um furo de reportagem, um sensacionalismo que levaria o canal de TV do qual fazia parte a uma explosão de audiência jamais antes vista.

 Tudo puro interesse da parte de seus antigos superiores, mas tudo bem faria qualquer coisa para ter a chance de recomeçar. e o acordo foi selado. Assim a vida seguiu o seu curso, Lorena recomeçava uma nova história do outro lado do mundo e Camila retomou sua carreira como apresentadora de um importante programa na maior emissora de televisão do país.

 E quanto a Inês, como ficou seu futuro depois de desprezar o amor daqueles que realmente queriam o seu bem? De agir impiedosamente contra aquela que arriscou tudo para vê-la feliz? Será que sua mãe biológica seria capaz de perdoar seus muitos erros e seus irmãos esqueceriam que foi por causa da imensa vergonha causada ao pai que seu coração não suportou, explodindo de tanta vergonha, levando-o a morte?

Isso ela não fazia a menor ideia e por isso temia procura-los. Nada sabia dos familiares desde a morte de ADOWA, pois virou-lhes as costas ao ser expulsa do velório e acusada pelo ocorrido. Quanto a mãe adotiva de quem roubou descaradamente toda fortuna, também estava alheia a seu paradeiro e pouco sabia sobre a mesma. Agora estava ali, dentro de uma casa totalmente solitária, colhendo os frutos das más sementes que por insensatez escolheu plantar.

Depois de m****r fazer uma belíssima reforma no ambiente colocou à venda e em poucas semanas já havia fechado um ótimo negócio. Era hora de retornar a São Paulo. A Vila Conceição foi seu ponto de partida ao chegar no Brasil na companhia de Lorena, dali guardou boas lembranças.

Com o alto padrão econômico que tinha devido os milhões que usurpou da mãe adotiva e a recente venda do imóvel num bairro nobre do Rio de Janeiro adquiriu ali uma luxuosa propriedade e mudou-se para lá, dali em diante colocaria novamente os pés no chão e veria como proceder.

Inês parecia ser uma mulher sem o menor peso de consciência, pois mesmo depois de se apoderar indevidamente de toda a fortuna da mãe adotiva e tratar com desprezo a família biológica ainda assim não sentia culpa alguma. Ao seu ver somente Camila havia agido com ingratidão ao abandoná-la, o restante não importava.

Seu plano inicial era fixar residência no antigo bairro onde morou e em seguida sair à procura da namorada para tentar uma reconciliação, pois somente dela sentia falta. Era impressionante sua frieza em relação aos familiares, não demonstrava ter qualquer sentimento pelos irmãos com quem conviveu toda a infância e adolescência. Sequer lembrava de visitar ABEBA.    

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