No reino da Flor Mística o mundo de dois príncipes colidem, nos eventos que precedem à grande guerra de Varux.
Ler mais❀ Capítulo 01 ❀
Foi em seu vigésimo aniversário que um navio voador aterrissou em Cahyst, trazendo Kiadorov Ras (1) de volta para casa. Os portões do castelo se abriram minimamente e o cheiro do mar salgado cobria a cidade conhecida por seus muros altos, o domínio das nuvens e da água.
O jovem loiro subiu em uma liteira, usando roupas simples e uma espada simples no coldre. A única indicação de que ele era um príncipe do palácio era a insígnia da nobreza, em forma de gota de água, presa no cinto em sua cintura.
— Cavalheiro Kiadorov Ras, bem vindo de volta. — O criado o cumprimentou com o Ato de Boa Fé (2) e um sorriso pequeno no rosto. — Seus pais e seus irmãos os aguardam.
Cinco anos haviam se passado e Kiadorov Ras sentia que estava em casa finalmente. Era uma sensação boa, nostálgica, livre, mas também um pouco triste. A cidade de Cahyst havia mudado um pouco, dando-lhe a sensação de ter perdido um capítulo da história de sua cidade natal.
Por ficar em um pedaço de mar, Cahyst se destacava dos outros vilarejos e cidades das Terras Sublimes. Os mais anciãos lembravam de que quando foi construída, Cahyst era um desafio aos deuses do mar, visto que ocupava um pedaço inóspito. Construída sobre as ondas, feita por inteiro de metal e pedra, a cidade era agora uma fortaleza gigantesca que adornava o Mar Alto. Houve um tempo em que guerras tomaram parte da história da cidade, os Deuses ofendidos enviaram criaturas marítimas para atacar os barcos e navios de Cahyst. Com o impulso da tecnologia, os navegantes não se limitaram, voaram pelos ares, com asas e hélices controladas pelos motores de vapor. Agora os navios do ar estavam por toda parte e nada poderia impedir Cahyst de prosperar.
Essa perseverança é uma qualidade inerente a todo aquele que nasceu em Cahyst, os dominadores da água e dos vapores. Alguns diriam até que eles seriam teimosos, aliás, esse era o adjetivo que Kiadorov Ras mais ouvia em sua vida, o quanto ele era teimoso.
Atravessou as pontes cercadas pelas ondas e jardins decorativos de algas, peixes de todas as cores e tamanhos, além de cavalos marinhos mágicos e conchas gigantes. Caminhou até o interior do castelo, onde no suntuoso salão decorado com panos brancos e azuis, encontrou seus pais e irmãos.
— Su-Ras(3)! — A pequena Nin, sua irmã gêmea, agora era uma mulher formada. Ela não parecia uma donzela, mantinha os cabelos brancos como a espuma do mar presos em um coque simples, adornado por poucas joias, um sorriso travesso e os olhos claros brilhando de saudades. — Que saudades meu irmão.
— Su-Nin, que saudades!
Logo ele estava rodeado por seus irmãos mais novos, o pequeno Su-Lei e o sorridente Su-Sat. O menor se agarrou em sua perna, segurando a saia do vestido azul escuro que Ras usava e o outro, segurou em seu braço.
— Os anos de reclusão tornaram seus ombros mais largos, além de estar mais alto, também. — Su-Nin reparou.
— Seja bem vindo, meu filho. — A mãe, Rainha de Cahyst, Kiadorov Lelei-Are, ou simplesmente Aa-Leilei, como era o pronome prefixo correto para se dirigir à sua mãe, desceu as pequenas escadarias do trono e abraçou seu filho. Apertou cada centímetro de seus braços, checando seu crescimento e também com saudades demais, querendo saber se estava mesmo vivo.
— Vejo que o treinamento nas Colinas da Chuva fizeram bem a você. — O pai, Au-Dano, o Rei de Cahyst, era um forte homem de barba longa e cabelos grisalhos presos com joias douradas. Não se levantou do trono. — Se for assim, festejaremos o seu retorno hoje.
— Obrigado, Kiadorov Dano-Are (5). — Ras o cumprimentou com o Ato de Boa Fé, colocando a mão fechada por cima da palma e mantendo a coluna ereta em um gesto impecável que demonstrava todo respeito por seu progenitor e comandante.
— Venha comigo! — Nin passou o braço pelo do irmão e o puxou. — Seu quarto ainda permanece do mesmo jeito que deixou, e você precisa tirar essa roupa de Monge das Águas. Foi muito difícil nas Colinas, irmão?
— O começo foi pior, logo me acostumei com a ideia de ficar por lá por cinco anos e aprendi muitas técnicas. — Ras omitiu as noites mal dormidas, ou os castigos de ficar acorrentado no quebranto das ondas, porque desobedeceu seu mestre. — Obrigado por me receber Su-Nin.
— Estávamos todos com saudades. — Ela acrescentou enquanto caminhava com o irmão pelas pontes de pedra do castelo.
— Papai não desceu do trono.
— Au-Dano está com saudades, mas nunca admitirá, afinal, você mereceu o castigo que ele te deu.
— Cinco anos recluso nas Colinas das Chuvas... — Ras suspirou sentindo pesar em seu coração. Sua irmã franziu a testa com tristeza e por isso, ele virou-se de frente para ela, confortando-a com um segurar de mãos. — O que importa é que voltei e poderei contar a Su-Lei e Su-Sat sobre minhas aventuras. Vou me trocar, vejo você em breve no salão, para o jantar.
A irmã quase não quis deixar Ras ir, mas resolveu apenas dar um sorriso complacente e soltá-lo. Ras adentrou o seu quarto, mandou os criados e acompanhantes deixarem o local. A primeira coisa que fez foi se jogar sobre a cama, macia, com manta de seda tecida pelas aranhas dos mares. Que saudades tinha de casa!
Agora estava de volta, Cahyst devia se preparar para o tornado marítimo que Ras era capaz de fazer, uma verdadeira revolução na vida das pessoas.
***
Era quase meia noite e a lua estava grande no céu. Au-Dano, o rei, se sentava ao lado da esposa Aa-Lelei, com trajes azuis (4) e dourados típicos. O vestido de sua mãe tinha ondas bordadas, o de seu pai, as criaturas marinhas chamadas de Haytos, que eram usadas pelo exército como montaria.
O cheiro salgado do mar estava forte e Ras não se cansava de respirar fundo, absorvendo o aroma de sua residência. Como sentia falta daquilo! O sal fazia com que fosse capaz de respirar melhor e a Fortaleza das Águas era mais quentinha e aconchegante do que as frias Colinas da Chuva.
O Rei deu um discurso:
— Boas vindas ao meu filho querido, Kiadorov Ras, que está de volta de uma longa jornada nas Colinas da Chuva. Ele se tornou uma pessoa melhor e mais honrada nesse caminho, só temos a comemorar. Um brinde! — E ergueu a taça dourada cravejada de pérolas azuis em direção ao filho.
— Um brinde! — Todos gritaram com suas taças.
— Um brinde, meu pai. — Ras pegou a sua, erguendo.
Deram um gole grande na bebida feita de água de pérolas marinhas e algas vermelhas. O gosto doce e forte, mas também áspero do licor envolveram sua língua. Essa iguaria era vendida como uma bebida única na cidade, mas não chegava até as colinas, lá em cima. Ras sentiu falta de beber o licor, também.
— Su-Ras! Su-Ras! — Su-Lei chamou o irmão com um sorriso animado. Era óbvio que o pequeno Su-Lei quando crescesse, se tornaria um aventureiro. Talvez navegante dos mares e não do ar, porque ele preferia o sabor das ondas. — Conte se você domou uma criatura marinha! Conte se dominou as ondas da colina e a chuva dos céus!
— Sim, sim! — Su-Sat, o mais novinho pediu, com os cabelos ainda curtinhos e enrolados. — Conte se lá de cima podia ver nossa casa!
Ras deu um sorriso de amor para os irmãos mais novos.
— Bem, para ver alguma coisa lá de cima eu teria que ter olhos de falcão! Mas posso contar sobre as ondas gigantescas e como era a colheita de caramujos. Os monges das águas tinham essa tradição...
— Não devemos nos atentar ao passado. — Au-Dano interrompeu a contação de histórias antes mesmo de começar. — Olharemos para o futuro, em alguns dias o Pontífice ocorrerá. Nessa década, se dará na Terra Gélida. Partiremos rumo ao Refúgio da Neve ao alvorecer, quero chegar antes do pôr do sol, pois prometi a Benent Haude-Are um devaneio sobre o futuro de nossos reinos.
— Com a velocidade dos nossos navios do ar chegaremos antes do meio-dia, meu pai. — Nin deu um sorriso. — Sabe, Su-Ras, os navios estão ainda mais velozes agora que temos hélices maiores!
— Eu gostaria de ver isso. — Ras queria contar de sua jornada para seus irmãos, mas escondeu a frustração com um sorriso rápido, que logo murchou aos olhares mais perceptivos de sua mãe e irmã. O pai, se é que este notou sua frustração, não reagiu. Ras tinha por si que o Rei de Cahyst gostava de magoá-lo.
Naquela noite eles beberam e comeram. Houve um show de dança com garotas seminuas e um show de duelos de espadas com soldados de armaduras grandes. Depois, os armeiros do céu abriram uma bandeira com o símbolo da Casa Kiadarov. A festa se encerrou tarde e Ras foi para o seu quarto.
Custou a pegar no sono, pois nem tinha se tocado de que o seu retorno da reclusão havia coincidido com o Pontífice, uma celebração muito importante para os jovens nobres dos Cinco Clãs, quando eles recebiam seus nomes de adulto e seu Título de Príncipe.
Puxou a manga de sua camisa azul, expondo a tatuagem mística no braço. Era furta-cor, azulada e cinzenta, quase prateada, onde seu nome estava escrito: Kiadarov Nel Ras, primeiro filho do clã Kiadarov. Passou os dedos por cima dos dizeres, não sentia diferença de textura na pele. Ele sempre seria essa pessoa, pois era hábito de todos fazerem essas tatuagens.
Se tivesse sorte, seu pai daria a ele um título de Ayan, que mais tarde poderia se transformar em um título de Are, governante dos Céus e dos Mares. Ou seria "Issu" para sempre, um nobre de segunda classe. Tudo dependeria de ser capaz de passar pelas provas do Pontífice.
(continua)
❀
=== Notas ==
(1) Kiadarov é o sobrenome, sempre antes, porque o Clã é mais importante que a pessoa. Ras é seu nome infantil, só o usam porque ele ainda não tem outro. O nome dele no final da fase um receberá o nome de cortesia "Brewen", mas por enquanto ele é chamado de "Ras".
(2) Gesto que consiste em colocar a mão fechada por cima da palma, na altura do tórax, diante do coração.
(3) O pronome prefixo de tratamento entre irmãos é "Su-".
(4) Os trajes são compostos de um vestido de mangas longas, usado por cima de calças e botas, há quatro fendas no vestido e deve-se prender, por cima da cintura, um cinto de tecido nobre, onde carrega-se as insígnias e armas. Eles respeitam as cores do clã ao se vestir.
(5) O sufixo "-Are" significa governante supremo, Rainha ou Rei.
=== Notas da Autora ==
Yey! Espero que tenham gostado!
Há muito o que explicar e eu espero que o sistema de nome não tenha ficado confuso de acompanhar, aos poucos vocês vão compreendendo como funciona, eu prometo!
❀ Capítulo 29❀Kiadorov Brewen correu pela margem do rio procurando pela pessoa de cabelos brancos.Enquanto isso, Cnoll Shuyan encontrou Jasade Zisien em uma barraquinha de acessórios para cabelo.— Zisien. — Chamou, se aproximando.Como estava sem seus irmãos para protegê-lo, o ruivo apenas levou um susto e girou, com os olhos escuros arregalados. Ele percebeu o homem de vestes negras com um tambor na mão, que se aproximou dele com um terrível bafo de vinho.— Shuyan... Andou bebendo? E não foi pouco, pelo visto.
❀Capítulo 28❀— Para Jasade Vor, do Clã Jasade, o Bumerangue Chamas Vulcânicas. — O Professou pegou a arma da mesa e entregou para o primeiro sortudo a receber seus prêmios. Era também o que tinha mais pontuação. — A partir desse momento deverá usar o nome de Jasade Nel Vor Wydeni, nome de cortesia, Jasade Wydeni.E com um agradecimento, Jasade Wydeni deu um passo para o lado. Ele cumprimentou a plateia e foi enviado para uma nova fila, onde esperaria os próximos discípulos. Ficou maravilhado com seu Bumerangue, de metal dourado e pedras de fogo que brilhavam por dentro.— Para Jasade Jal, A Marionete da Alma. — O professor pegou um boneco de pano que
❀ Capítulo 27❀Xelmor Zuni-Puna sentia um gratificante orgulho ao olhar para seus discípulos enfileirados. Em breve daria início à conclusão do Pontífice.Pais, irmãos, primos, qualquer soldado que quisesse assistir, poderia fazer parte de uma extensa plateia no salão de apresentação, onde havia inclusive um nobre camarote.Enquanto todos se acomodavam, incluindo os discípulos na arena principal, Jasade Jal foi até a lateral do palco e interceptou Benent Mei, que usava vestes azuis e vermelhas, para a apresentação da cortina de fogo.— Ei. Mei! — Chamou, com um sorriso
❀Capítulo 26❀Com um pouco de esforço Kiadorov Ras subiu pelas pedras que contornavam o balcão de flores. Ele teve uma imagem do lago e viu soldados com suas armaduras reluzentes perto da porta em ruínas do Templo dos Cosmos.Ajustou a luva nas mãos e escalou para o outro lado, subindo pela pequena janela do segundo andar. Pulou para dentro de um recinto entregue à escuridão, rolando pelo chão até a porta. Abriu devagar, tendo uma visão privilegiada do interior. Seus olhos rastrearam cada aspecto daquela situação, mas seu coração já andava desconfiado das mentiras que o rodeavam.A luz do p&oci
❀Capítulo 25❀Cnoll Lux tinha a capacidade de reconhecer almas e portanto, ele foi o único a perceber que Benent Mei não era exatamente quem estava dizendo ser. Porém, todos os outros discípulos do Pontífice se convenceram que aquele novo aluno era filho do General Benent Uren-Issu.Ele chegou a se aproximar furtivamente de Jasade Nian e questionar sobre isso.— Não! Espera... Como...— Não adianta mentir, Nian. — Cruzou os braços. — Eu posso ver almas. É isso. Você não lembra de mim, mas eu lembro de você. Temos uma história no passado.
❀ Capítulo 24 ❀Benent Nah abriu os olhos na escuridão da noite. Os ventos uivavam e ele não reconheceu o teto que estava encarando. De repente, foi como recuperar o fôlego e sentou-se tossindo.Um lampião acendeu. Uma sombra surgiu por entre os panos brancos que caiam do dossel da cama em que estava acomodado, usando apenas roupas de baixo azuis celestes.— Quem é você? Onde eu estou?— Vossa Alteza, não se assuste. — Uma voz rouca soou pelo recinto. — Você está seguro e em Noord'Laren.— Meu... Cabelo? — O jovem príncipe do gelo segurou em suas mechas, que
Último capítulo