Depois de dois longos anos sozinhas em uma ilha perdida no mapa, Susi e Lila veem suas rotinas mudarem depois que um rapaz salta de paraquedas de um jatinho em colisão com uma montanha. E junto com ele chegam também muitos mistérios, perigos e a descoberta de um outro lado da ilha onde coisas ainda mais estranhas estão acontecendo.
Ler maisEu já estava o observando fazia alguns minutos. Em total silêncio. Tentava a todo custo ignorar qualquer outra coisa que não fosse ele. Eu precisava ser certeira. Mesmo já tendo feito isso vezes o suficiente para me considerar uma especialista, ainda assim sempre é um grande desafio fazer esse tipo de coisa. Sempre! Ainda mais com um daquele tamanho. Seria um desafio e tanto, mas eu estava pronta para ele. E o momento não poderia ser mais perfeito. Ele parecia estar dormindo, bem tranquilo, debaixo da sombra de uma árvore. Nem sequer sonhava com o que estava prestes a acontecer. Provavelmente ele iria lutar muito quando eu pulasse em cima dele. Eu teria que ser forte para não ser derrubada logo de cara. Mas uma vez que eu estivesse lá, seria questão de tempo para que eu conseguisse dominá-lo por completo. Eu só precisava esperar a hora exata.
O sol não estava tão forte, mas não soprava vento algum. Qualquer coisa poderia quebrar a silenciosa paz daquela manhã. Se aproximar sem fazer barulho era mais que essencial. E pra mim essa era a pior parte. Um único suspiro dado na hora errada poderia colocar tudo a perder. E as coisas nos últimos meses não estavam sendo exatamente as mais fáceis. Eu não tinha o direito de me permitir perder. Não dava pra passar outra semana à base de peixe, água de coco e banana frita. Respirei fundo e me preparei para o ataque. Eu iria pegá-lo no três.
– Um... Dois... Trê...
– Susi, tem um javali bem na sua frente!
E lá se foi o jantar desta noite.
– Lila! – berrei. – Não era pra você estar vigiando a casa agora?
– Mas eu estava. Eu juro! – Lila beijou os dedos cruzados. – Eu saí de lá só por um minuto. Um minutinho apenas, Susi. Não foi por mal. E que era urgente!
– E que compromisso inadiável você tinha pra fazer agora? – eu nem tentava esconder a raiva que eu estava sentindo.
– Eu queria fazer xixi. – Lila abaixou a cabeça e coçou o cabelo como se isso resolvesse tudo. – Eu estava muito apertada.
– E veio fazer xixi justo aqui?
– É que este lugar é mais afastado. – ela continuava de cabeça baixa e um sorriso vagabundo no rosto.
– E pra que você quer fazer xixi em lugar afastado, criatura? – eu ainda berrava muito. – Está achando que alguém vai ficar te espiando?
– O macaco. – Lila abriu ainda mais o sorriso amarelado. E eu fechei ainda mais o meu.
– Macaco, Lila?! Sério mesmo? – respirei bem fundo para não acabar caindo dura de tanta raiva. – Macaco?! Francamente!
– Mas ele ficou me olhando muito. E ele tinha olhos bem grandes para um macaco.
– Até parece que você nunca fez xixi perto de um macaco! – bufei.
– Mas esse macaco era diferente. – ela começou com as explicações mirabolantes. – Ele nem parecia macaco, parecia uma pessoa. Ele olhava pra mim, virava a cabeça para o lado e depois piscava. Os dois olhos. E teve um momento que ele arregalou o olho e ficou me encarando. E você sabe que assim eu não consigo. Tive que vir pra cá.
– Mas pelo menos você fez? – a raiva já estava passando.
– Fiz o que?
– O xixi?! – mas logo voltou.
– Passou a vontade quando vi o javali. – ela tentou falar isso como se fosse uma piada, mas não funcionou.
– Lila – tentei ficar calma – não fale mais nada. Pode ser?
– Tudo bem, eu não falo. – ela se chateou – Mas duvido que você consiga fazer com um macaco te encarando. Eu jamais vou esquecer aqueles olhos esbugalhados.
Respirei ainda mais fundo e segui de volta para casa. Hoje dificilmente eu teria outra oportunidade de pegar aquele javali – ou qualquer outra coisa.
Lilian Laís é a minha irmã mais nova. Minha melhor amiga, mas também a cruz que eu carrego. E há pelo menos dois anos ela é a única pessoa com quem eu tenho contato. E quando eu digo única eu estou falando literalmente. Somos apenas ela e eu no meio dessa não tão imensa ilha. Um acidente que nos condenou por mais tempo do que eu achava que seria possível.
No começo, quando tudo aconteceu, foi um pouquinho difícil para nós duas. Não, minto. Foi extremamente difícil. Durante meses pensávamos que sequer iríamos resistir. Mas estamos aqui ainda. Resistimos e nos fortalecemos. Mas isso não tornou as coisas mais fáceis. Apenas nos acostumamos com essa dificuldade nível hard que nos encontrávamos.
Eu não sou muito fã de relembrar os primeiros meses que passamos aqui na ilha. E gosto menos ainda de relembrar como viemos parar aqui. Às vezes a Lila gosta de conversar sobre isso, mas eu prefiro não tocar no assunto. Tudo aqui é tão difícil e sofrido. Não acho que precise de mais dor. Mas o fato é que esta é a nossa nova realidade. E eu tento lidar com ela da melhor maneira possível.
A fome bateu assim que chegamos em casa. E dessa vez parece que mais forte por saber que teria que encarar mais um dia de banana, peixe e coco. Não que fosse assim tão terrível. Pelo menos agora tínhamos sempre o que comer. Mas não é pecado algum querer variar o cardápio uma vez ou outra. O que me consolava um pouco era lembrar que eu tinha encontrado recentemente algumas mudas de couve que eu logo tratei de trazer para perto de casa. E como tive sucesso na pequena plantação de feijão, estava muito esperançosa de que logo teria muita couve para comer.
– Susi, hoje eu vi uma andorinha. – Lila falava feito uma criança – Ela voou bem pertinho da janela do quarto e depois foi embora. Eu nunca tinha visto uma andorinha por aqui.
– Legal, legal! – eu ainda estava pensando no javali.
– Susi, uma vez eu li que as andorinhas podem ir pra África quando migram – Lila continuava falando distraidamente. – Será que nosso avião caiu perto da África?
– Lila, por favor! – me aborreci – Nós estávamos indo para o Canadá. Não tem como o nosso avião ter caído perto da África.
– E você não faz ideia de onde ele possa ter caído – Lila revirou os olhos. – Eu sei disso. Mas às vezes eu fico pensando que...
– Eu sei, eu sei. – tentei cortar logo o assunto – Vamos pra casa.
Nossa casa não era exatamente o que se pode chamar de palacete, mas admito que eu tinha muito orgulho de ter conseguido construí-la sozinha. Ou melhor, com uma pequena ajuda de Lila, serei justa.
Construí a casa apoiada em uma árvore grande. Era uma casa de dois andares, feita de troncos e cascas de árvores, galhos, cipós e folhas de palmeira – os únicos materiais que encontrei. Tentei deixá-la o mais próximo possível de um lar, com todo o conforto que as nossas atuais condições nos permitiam. Era uma casa bonita no fim das contas.
Construí próximo a algumas bananeiras. Achei que seria útil morar perto de algum alimento. E a sorte – neste sentido pelo menos – pareceu estar ao meu lado. Não muito distante dali tinha uma pequena cachoeira, o que me deixou aliviada por saber que eu não precisaria ficar esperando chover para pegar água. Também próximo dali eu encontrei uma área com terra boa. Foi onde plantei os feijões.
Um pouco mais distante dava pra encontrar alguns coqueiros e mais próximo ao mar ficava a minha “cabaninha”. Era uma pequena tenda que construí para quando eu fosse pescar e quando eu resolvia vigiar os céus e os mares em busca de qualquer coisa que pudesse nos resgatar dali. Confesso que ultimamente tenho feito isso cada vez menos.
Ao nos aproximarmos mais da nossa casa, percebi que o caminho estava escuro demais para aquele horário. E isso não era nada bom. E não precisou chegar perto para perceber o que tinha acontecido.
– Lila, o fogo! – gritei.
– Meu Deus! Meu Deus! Meu Deus! – Lila correu para a entrada da casa.
Nós tivemos a sorte de termos pais... Excêntricos. E isso acabou ajudando para que a nossa “estadia” na ilha fosse um pouco menos penosa. Uma dessas ajudas foi a obsessão do meu pai com isqueiros. Meu pai sempre levava com ele pelo menos dois isqueiros de sua coleção. Neste dia em especial ele estava com dois recém-adquiridos. E isso acabou sendo de extrema utilidade. Mas já se passaram dois anos e, por mais que fossem dois, uma hora eles iriam acabar. Então Lila e eu decidimos fazer um esquema estilo tocha olímpica para nunca deixar a chama se apagar. Tínhamos três tochas na entrada da casa e uma fogueira e nos revezava-mos para vigiá-las. E hoje era o dia de Lila.
– Desculpa, Susi. – Lila estava em desespero – Mas olha aquela ali! Ainda está acesa! Ainda dá pra acender as outras duas.
Lila correu toda estabanada com as duas tochas apagadas e foi acendê-las na única tocha sobrevivente. O desespero dificultou que ela voltasse com as duas tochas acesas para o lugar delas, mas Lila conseguiu. E aproveitou e ascendeu à fogueira também.
– Como você fugiu do seu serviço e ainda me atrapalhou na caça, amanhã você vai ficar responsável pelas tochas outra vez. – falei assim que entramos em casa.
– O que? – Lila falou quase em falsete – Não é...
– Justo? – completei a frase – Tem certeza?
– Não é altruísta da sua parte. – Lila sentou e bufou.
– Você nem sabe o que quer dizer a palavra altruísta.
– Sei sim. – Lila virou a cara – É uma coisa que você não é.
– Sei... – segurei o riso – Vou quebrar o seu galo e fazer a nossa janta hoje. É altruísta o suficiente pra você?
Lila virou ainda mais a cara e bufou bem alto. Mas eu sabia que ela não estava zangada de verdade. O fato é que Lila adora fazer um drama. Antes de acabarmos presas nessa ilha, costumava brincar de que a Lila deveria ser contratada para fazer novelas, tamanho o seu dom para o dramalhão.
A noite não demorou muito para chegar. E nem o sono. Se algum dia alguém me dissesse que eu iria me acostumar a dormir pouco depois do sol se pôr, eu acharia loucura. E acharia mais loucura ainda se também me dissessem que eu iria começar a acordar pouco antes do sol nascer. Mas eu acharia uma loucura ainda maior se me dissessem que um dia eu sofreria um acidente de avião e ficaria presa em uma ilha perdida no mapa. Então até que as outras duas opções não pareciam mais tão absurdas.
Fechei os olhos e dormi imediatamente.
Ouvi o som de portas se abrindo. Eram as portas do elevador. Eu ainda estava paralizado, mas consegui perceber uma movimentação ao nosso redor.– O que aconteceu aqui? – uma voz masculina falou – Por que ele falou da Susi? Achei que já tinham consertado esse bug.– Eu não sei dizer o que aconteceu. – outra voz masculina – Eu tinha certeza que tinha apagado todas as memórias dessa campanha.– Mas parece que ainda ficaram registros salvos neste aqui. – senti a pessoa se aproximando de mim – Quem ficou de monitorar o andamento dessa nova versão?– Vou chamá-la imediatamente. – senti a outra voz se afastando.–
– O que exatamente está acontecendo? – perguntei segurando a espada.– Uma invasão! – Day falou rapidamente enquanto tirava a sua espada da bainha.– Invasão? – me assustei.– Está surdo agora? – Day vigiava a entrada da cabana – Parece que os Rambeks nos seguiram. Ou alguém contou a nossa localização para eles. – Day olhou friamente para mim.– Você está achando que eu tenho alguma coisa com isso? – quase gritei.– Se eu estivesse achando realmente não teria te dado uma espada. – Day voltou a vigiar a entrada da cabana – Mas é sempre bom lembrar que estamos de o
Evitei fazer qualquer movimento – pelo menos enquanto eu estivesse com uma espada encostada no meu peito. Aparentemente todos nós estávamos do mesmo lado. Pelo menos no que dizia respeito a acabar com o líder dos Rambeks. Mas já estava claro que eu precisaria usar muito bem as palavras para que nada saísse do controle.– Meu nome é Richard e o dela é Amanda. – falei ainda com as mãos para cima – Nós estamos aqui em paz. Não temos nada contra nenhum de vocês.– Sem conversa fiada, Richard. – Day falou meu nome com um certo desprezo – Não foi isso que eu perguntei.– Está certo! – respirei fundo – Nós estávamos invadindo a tribo dos Rambeks. Não faze
Eu ainda estava tendo um pouco de dificuldade em entender o que estava acontecendo. Como Susi tinha engravidado e, principalmente, quanto tempo já tinha se passado? Porque era simplesmente impossível a Susi já estar com uma barriga tão grande. Pelo tamanho esse bebê já estava quase nascendo. Como isso era possível?– Pelo visto a sua amiga não está correndo todo esse perigo que você achava que ela estava, não é? – Amanda parecia tentar não dizer isso de forma debochada.– Isso não faz sentido algum. – falei comigo mesmo – Não pode ser verdade.– Richard, você perdeu a garota. – Amanda continuava em um tom que flertava com o de empatia e sadismo – Você dizi
Seguimos novamente em direção ao local onde o portal para o outro lado da ilha estava. Precisávamos chegar o quanto antes até Susi e Lila. Se a minha teoria estivesse certa, neste momento não teríamos ninguém nos vigiando, então cada segundo era precioso. Nós precisávamos chegar ao outro lado sem sermos percebidos. Mas eu estava esquecendo de um pequeno detalhe.– Tem certeza que é aqui mesmo? – Amanda perguntou.– Está fechada! – toquei na grande rocha como se isso fosse abri-la – Não acredito que ela está fechada de novo.– E agora? – Amanda fez o mesmo, mas parecia mais interessada em achar algum tipo de fechadura ou algo do gênero. Eu não estava conseguindo me lembrar direito das coisas. Eu estava com uma sensação de que algo muito sério tinha acontecido comigo, mas não me lembrava exatamente o que. Tentei refazer os meus passos mentalmente e a última coisa que me lembrava era de ter encontrado a Amanda na ilha. Mas era só uma sensação estranha. Minha cabeça estava doendo muito. E a sensação de já ter vivido exatamente a mesma coisa estava invadindo o meu peito. Dejá vù que eles chamam, não é? Eu não estava entendendo absolutamente nada. Mas resolvi seguir para perto de Amanda.– Amanda, Amanda! – gritei antes de me aproximar.Antes que pudesse dar mais um passo, uma lança veio em minha direção. Saltei instintivamente para tráCapítulo 15: Intervalo?
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