Capítulo 1 – Parabéns, papai.

Yalong, China. Território Luciferiano. Dias atuais.

Aquele portal do Inferno é realmente nauseante, mas confesso que cair por cima do mar de Yalong, na China, foi muito bom. Fazia muito tempo que eu não vinha aqui, muito tempo mesmo! Essa sempre foi uma das minhas praias favoritas, muito antes de saber que lá funcionaria a terceira rota para o Inferno na Terra. No mundo todo, devem existir uns seis portais como esse, na costa dos principais países, interligando-se os continentes. Quando cheguei, como sempre, o tempo havia mudado muito. Não no sentido geológico, mas cronológico mesmo.

Cada minuto naquele portal correspondia a aproximadamente uma hora aqui fora, então deduzi que as meninas já deviam ter se espalhado. Apenas pude ver Helena sentada em uma cadeira de praia, na orla de um Resort próximo. Os humanos ali vivendo normalmente, com seus sorrisos largos e seus olhos puxados. Atrás deles, legiões de demônios nus sedentos pelo ódio, repelidos pela felicidade dos mortais ali presentes. Suas cicatrizes de cortes nos pulsos, gargantas e cabeças denunciavam que lá era o clã dos Suicidas. E isso significava que estava em território Luciferiano, o que na verdade, vinha bem a calhar, já que, segundo minhas suspeitas, Miranda era filha de um Luciferiano, e de uma forma ou outra seria bom estar em território “amigo”.

Me aproximo de Helena, que já se encontra bem à vontade com o ambiente.

─ Oi, Dy. Como foi a viagem? Cansado? – ela bate com a mão na cadeira ao lado dela, acenando para eu me sentar.

─ Estou, mas vou esperar Miranda – eu disse, mas me sentei.

─ Qual é, Dylan, porque você não entra, toma um banho, come algo e depois volta? Você sabe que vai demorar quase um dia todo, na melhor das hipóteses, até ela chegar. As meninas estão todas lá dentro, deitadas.

─ E quem que reservou os quartos, posso saber?

─ Quem você acha querido? Cortesia dos donos do pedaço. – Ela me disse, recolocando os óculos escuros e voltando a fitar o vazio azul a sua frente. - Demora tanto que, entre cada um de vocês, seu carro chegou aqui.

─ Como assim meu carro chegou aqui? Ele veio tele transportado? - Falei incrédulo.

─ Mais ou menos isso. Suas coisas já estão no seu quarto. A propósito, de nada!

Eu não fazia ideia de como Helena estava avançada nessas artes de feitiçaria. Mas também podia ser apenas uma questão logística resolvida facilmente com dinheiro, o que ela, na realidade, tinha de sobra.

─ Você parece bem à vontade, não é mesmo? Já resolveu sua pendência aqui?

─ Pelo que andei pesquisando ─ ela sacou seu celular ─ acho que deu tudo certo.

Não entendi nada, mas fiz sinal com a cabeça para que continuasse.

─ Eu acho que, sem querer, consegui cumprir minha missão.

─ O que você está querendo dizer com isso, Helena?

Ela se sentou, abaixou os óculos escuros e respondeu:

─ Eu aXei a Herdeira Luciferiana, meu querido. – e voltou a deitar-se, triunfante.

─ Você está querendo dizer que… – Eu tentei dizer antes de sermos subitamente interrompidos por três guardas, aparentemente normais, mas que revelavam a tatuagem em forma de pentagrama no antebraço.

Eles ficaram de pé ao lado de Helena, sem esboçar nenhum sorriso. Ela se levantou, puxou a toalha que forrava a cadeira de praia e saiu com eles.

─ Cuide bem da Herdeira, Dylan. Em breve terá notícias minhas. – A moça disse, virando-se para mim e sorrindo. ─ Cuide bem da Anabele também.

Não entendi muito bem o final do pedido, mas essa atitude de Helena me confirmou todas as suspeitas que eu tinha. Olhei o céu e ele já assumia a coloração alaranjada, típico do pôr do sol. AXei que era melhor realmente descansar um pouco, talvez pela manhã Miranda chegasse e eu queria estar bem-disposto para recebê-la. Decidi entrar, tomar um banho e comer alguma coisa. Antes de amanhecer eu sairia e esperaria por ela.

Certifiquei-me de que Rachel, Anabele e Poliana estavam bem, sabia que seria a primeira coisa que Miranda me perguntaria. Como esperado, cada um tinha um quarto naquele hotel, e Miranda e eu estávamos em quartos separados, por enquanto. Tentei mudar isso, mas disseram que apenas com os dois presentes eles alterariam os quartos, então aXei melhor não criar caso e esperar por ela. Ainda assim, eles eram magníficos: havia uma antessala com televisão gigante, abastecida com frutas, sucos e flores. A cama era kingsize, com edredom extremamente macio e confortável, duas janelas imensas, que abraçavam a parede onde a cama estava encostada. Através delas, tínhamos visão da magnífica praia, e uma gigante cortina vermelha blackout caía sobre ela, deixando o quarto totalmente escuro, caso fosse do desejo do hóspede. Ainda havia um banheiro cujo piso era de mármore negro. A banheira era suficiente para um harém, o que me fez lembrar que isso costumava ser muito interessante no passado. Agora não, via tudo aquilo e só conseguia pensar no quanto me sentia sozinho por não a ter aqui comigo agora. Na verdade, tudo isso que eu via não fazia o menor sentido sem ela.

Porque ela era a alegria dos meus dias, de todos os dias desde aquele baile. E agora, a alegria não estava mais aqui, não conseguia me aquietar em nenhum lugar. Eu só queria estar com ela mais uma vez, mas ainda assim não tinha certeza se conseguiria vê-la novamente. Infelizmente, Cérberus não tem um telefone celular em que possa ligar e perguntar: “oi, e então, ela passou?”.

Nossa como isso é ridículo!

É melhor eu deitar e observar essa paisagem maravilhosa, pois tão logo Miranda chegasse, tudo mudaria.

Sim, eu sei que ela vai conseguir chegar.

(…)

Antes do nascer do sol, eu já estava pronto, sentado na praia em frente ao lugar onde apareci no dia anterior. Tudo parecia muito normal, aliás, normal até demais. De repente, ao longe, um vórtice foi surgindo. Do nada, um vulto de alguém com asas emergiu da praia, numa velocidade astronômica, rumo à floresta. Qualquer um que estivesse lá, naquela hora, já se desesperaria, mas por sorte, apenas eu estava lá. Me levantei e segui voando até onde ele havia pousado.

A praia era deserta, com areia fofa e gramas invadindo a orla. Uma mata densa cobria aproximadamente um quilômetro de profundidade até um lago translúcido. Nas margens desse lago há uma gruta escondida atrás de uma cortina de folhas. Eu sabia o que havia lá, mas não entendi porque o anjo, já que certamente era um anjo, havia corrido para lá. Ainda era escuro, mas uma luz azul me guiava para onde eles estavam: a caverna de Kalian. Me aproximei calmamente da entrada da caverna, e pude ouvir aquela voz conhecida gritando. Não entendia muito bem o que diziam, pois o som das gotas de água que caíam sobre as poças no chão ecoava aumentado pela caverna.

De repente, vi Benjamin saindo apressado, e corri atrás dele.

─ O que você está fazendo aqui? E quem é essa pessoa lá dentro? – Questionei-o, sem um pingo de educação.

─ Dylan, eu… eu… – ele tentou me falar alguma coisa, mas nem precisou, voltei correndo para dentro da caverna, e pude ver uma luz extremamente forte irradiar lá. Um vento sacudiu de dentro da gruta até a saída, balançando as folhas que fechavam a entrada. Benjamin me seguiu, e ao ver aquilo tudo, se revoltou.

─ Que Diabos está acontecendo aqui, Kalian? – Benjamin disse revoltado.

─ De nada, seu ingrato. Ela já está acordando. Eles passam bem.

─ Como assim, eles? Do que você está falando? – Benjamin não sabia o que ele queria dizer, mas se aproximou, abraçando Miranda que começava a abrir os olhos – Miranda… meu amor… você está bem? – que vontade de socar a cara dele até ficar desfigurado.

─ Olha só… ele não sabia? – Kalian disse rindo, mas antes de continuar, eu o interrompi.

─ Miranda! – Eu digo, ao mesmo tempo em que enxergo Miranda nos braços de Benjamin e logo parto pra cima dele, dando-lhe um soco na cara. – Seu filho da puta, o que você fez com ela? – é nesse momento que eu reparo no sangue no rosto dela e um arrepio frio me sobe a espinha.

─ Eu não queria, eu juro – Benjamin tenta responder, segurando o queixo.

─ Você não se cansou de fazer mal a ela? Quer matá-la agora? – Eu sei que perdi o controle, mas o ódio que senti contra Benjamin me impedia de agir com a razão. Benjamin não queria me agredir, eu percebi. Ele apenas se defendeu colocando as mãos sobre o rosto, e curvando o corpo para se proteger dos socos. Eu estava tão furioso com ele, e tão assustado em ver Miranda daquele jeito, que nem me importei com a conversa entre Kalian e Miranda. Apenas quando ouvi aquela frase que parei o que fazia.

─ Você está grávida, meu bem. Vocês dois estão bem. Você não sabia? – Kalian perguntou – De certo nem os cavalheiros ali atrás, não é mesmo?

Eles conversaram mais alguma coisa, mas não entendi, Benjamin me agarrou e começou a me socar, estava me protegendo e finalmente tinha me levantado voltando a atacá-lo quando a vi tomar algo marrom.

─ Obrigada – ela falou para Kalian.

─ Agora você pode se levantar. Vamos, você tem algo a resolver antes de continuar sua viagem, meu bem. Conte a novidade ao papai. – ele disse, apontando para nós.

Nesse momento, eu saí de cima de Benjamin, ficando de pé. Olhei, meio que sem acreditar no que estava ouvindo. Apenas fitei os olhos de Miranda, que nada precisou dizer. Ela estava grávida. Isso era inacreditável. Eu confesso que um misto de medo e nervosismo me consumiram, superados apenas pela vontade de abraçá-la. De abraçá-los. Nós estaríamos juntos, agora para sempre, em um novo ser que estaria a caminho. Eu não conseguia mais pensar em nada. Meu coração se aquietou no instante em que a peguei no colo e a beijei. Novamente em meus braços, pude sentir seu calor, a batida de seu coração acelerado. Ela estava nervosa e assustada, mas eu estaria com ela o tempo todo.

─ Meu amor, vamos sair daqui – eu falei, enquanto a pegava no colo. Ela me abraçou, colocando suas mãos no meu pescoço, fechando os olhos e apoiando sua cabeça no meu peito.

Passei por Benjamin, sem encará-lo. No fundo, eu sei que ele devia estar mal pra caralho com aquilo tudo e, só me ver com ela nos braços, já era o maior soco no estômago que ele poderia levar.

─ Onde estamos indo? – ela me perguntou, com a voz quase inaudível.

─ Estou te levando pra um lugar onde você poderá descansar. Calma, linda, vou cuidar de você. Aliás, de vocês.

Entrei no hotel, e ela quis se levantar e caminhar sozinha. A recepcionista pediu os documentos, e aí percebemos que, lógico, ninguém tinha saído de casa com passaportes. Miranda levantou o braço para mexer em seu cabelo, e logo que a atendente viu sua marca de nascença, se desculpou e entregou o cartão de acesso ao quarto dela.

─ Queira me perdoar, por favor, senhora. – ela disse.

─ O quê? Pelo quê? – Miranda não sabia o porquê daquilo tudo.

─ Vem, linda, te explico tudo. – e segui com ela pelo longo corredor forrado de tapete vermelho. O quarto dela era antes do meu, então sabia onde ir.

─ Dylan, acho que passamos do meu quarto… aqui está dizendo quarto 24, estamos no 25.

─ Eu sei. Esse é o meu quarto, eles não quiseram nos colocar no mesmo, então pensei que você fosse querer ficar aqui hoje. Se quiser podemos ir pro seu.

─ Não, não, estando com você, em qualquer lugar está maravilhoso – ela disse, me beijando.

Abri a porta,  pegando-a novamente no colo,  oloquei-a sentada na cama e retirei suas botas encharcadas. Vi o quanto ela estava diferente da menina ingênua que havia conhecido em Scottsdale e sorri.

─ O que foi? – ela me perguntou, porque certamente eu esbanjava um sorriso idiota na cara, aqueles que só os apaixonados conhecem.

─ Eu te amo, Miranda Smiths. – Me ajoelhei, ficando da sua altura, e a abracei, sentindo o Xeiro dela, acariciando seu cabelo. Depois me afastei, tocando o seu ventre, que ainda não era visível, mas que já acolhia o fruto do nosso amor. – Eu sempre gostei de crianças, sabia?

─ Sério, nossa, jamais imaginaria isso… – ela me disse, rindo.

─ Quando eu estava com Deus, meu nome era Daniel, e eu sempre estive envolvido com coisas de crianças. Mas nunca pensei que um dia teria o meu próprio filho. – Me abaixei, beijando sua barriga. – Estou aqui bebê… – voltando a Miranda – Eu vou te fazer muito feliz, meu amor. Te juro isso – e a beijei, invadindo sua boca com minha língua, tentando matar a saudade que senti esse tempo que esteve fora. Minhas mãos seguraram seu rosto, e ela parecia imensamente frágil do jeito que estava. Eu sei que ela estava fraca, e por isso me segurei para não forçar algo além do que ela aguentaria naquele momento.

─ Dylan… – ela me disse, enquanto eu me afastava, indo em direção ao banheiro.

─ Sim.

─ Eu te amo.

(…)

POV NARRADOR

Enquanto Miranda tomava uma ducha rápida, Dylan havia preparado uma mesa de café-da-manhã farta. Havia pães salgados, recheados, com frios, pães doces, broas, bolos, frutas, leite, café, suco de laranja, e várias outras comidas locais de que ele nem se lembrava o nome, se é que um dia os havia conhecido. Ela se alimentou e, olhando pela janela, viu a beleza daquela praia, praticamente deserta, irradiar um sol lindo que surgia.

─ Me leva lá pra ver – ela pediu.

─ Você tem que descansar, meu amor.

─ Só um pouco. A gente pode se sentar lá longe… – ela apontou para um lugar reservado na areia – e afinal, assim que encontrarmos as meninas, não vamos ficar por aqui mesmo, não é?

Ele concordou. Retirou de sua mochila um vestido simples de renda amarela que pertencia a Miranda, que ele havia pego de seu guarda-roupas antes de virem para cá, e deu para ela se trocar.

─ Tudo fica tão bem em você – ele falou, beijando-lhe a testa e segurando suas mãos. Eles andaram pelo corredor daquele hotel, e ela tentava, sem muito sucesso, esconder a surpresa e náusea que sentia quando se deparava com alguma alma penada, como ela costumava chamar antes de entrar no Inferno. Na verdade, ela começou a perceber que, se você não prestasse atenção, parecia realmente tudo muito normal, muito comum, como qualquer lugar do mundo. As coisas ali aconteciam muito sutilmente.

Sutilmente um homem olhava para outra mulher, que não a sua esposa. Sutilmente uma pessoa afanava o pertence de outrem e, sutilmente, um ou outro demônio influenciava as atitudes maldosas nos humanos presentes.

O que não era nada sutil era a beleza estonteante daquela praia. A água do mar estava morna e calma, e os dois andavam com os pés na linha d’água. O vento soprava o cabelo de Miranda e Dylan. Com a desculpa de ajeitá-los, ele passava a mão em seu rosto,  fazendo-a sorrir.

Eles chegaram em um lugar mais afastado da costa, onde o mar era tão translúcido e tão calmo, que parecia uma piscina ao ar livre. Dylan tirou suas roupas e entrou na água, nu. Miranda queria acompanhá-lo, e se certificou de que ninguém mais estava por perto. Ainda eram pouco mais de oito horas da manhã, e os hóspedes logo desceriam para tomar café no deck da piscina. Ela se encheu de coragem e retirou o vestido, ficando apenas de calcinha e sutiã. Entrou desse jeito na água quente e revigorante, e nadou até ele.

─ Nossa, que delícia – ela falou.

─ Muito. Você não imagina como você me deixa – Dylan brincou, sabendo que ela se referia à temperatura da água, se aproximando dela e abraçando-a pela cintura.

Seus corpos colaram, e ela retribuiu ao abraço, entrelaçando seus braços em seu pescoço, descendo suavemente suas mãos em suas costas.

─ Eu vou arrancar sua roupa se você continuar assim – ele disse bem sério para ela, enquanto sua mão subia de sua cintura até o fecho do sutiã, abrindo-o – Ops…

Ele riu, maliciosamente.

Ela corou, mas continuou se aconchegando em seu peito. Ele a levantou, fazendo-a cruzar os braços em torno de sua cintura. Beijou sua boca, mordendo e sugando os lábios dela. Ela puxava seu cabelo e arranhava seu ombro. Suavemente ela retirou cada alça do sutiã, expondo os seios na altura do seu rosto.

─ Eu estou com saudades – ela disse em seu ouvido, soprando um ar quente dentro da orelha dele, que imediatamente fincou os lábios e os dentes em seu pescoço, descendo até o ombro.

De repente, um galho fino atingiu a água, próximo de onde os dois estavam.

─ Dá pra vocês se vestirem e virem aqui… – Rachel gritava da ponta oposta da praia, com as mãos na boca formando um arco.

─ Ai meu Deus, que vergonha – Miranda disse, se escondendo no peito de Dylan ─ e agora ela vai me ver pelada! Meu Deus ela vai te ver pelado também!

─ Calma Miranda, vai na minha frente. Toma, coloca seu sutiã.

Eles caminharam em direção à loira, que nem olhava na direção deles, ao contrário, olhava para o hotel, acenando com as mãos para alguém, dizendo que já os tinha encontrado.

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