Eu sou Théo

Eu quase morri uma vez, pra alguns eu já estou morto. Na verdade, eu estou apenas existindo dentro dessa carcaça móvel, que eu chamo de corpo. Preciso constantemente de remédios para controlar minha ansiedade e a minha maldita depressão, sem contar com o alcoólatra que vive dentro de mim. Sou Théo Rodrigues e vou contar um pouco da minha história.

Naquela segunda acordei cedo, parecia que eu havia apagado novamente em cima do sofá. Estava fedendo a bebida, vestido com roupas caras, vi que tinha marcas de batom no meu pescoço, um perfume forte e feminino na minha camisa. Percebi que a noite passada tinha rendido pra caramba.

Coloquei meus óculos e olhei a hora, eram quase dez para as sete. Precisava tomar um banho e me arrumar rapidamente. Eu não poderia chegar atrasado na escola mais uma vez, estava correndo o risco de ser demitido, e com razão. Na semana anterior todos os dias estava deixando os primeiros horários vagos, me atrasava pra cacete, vacilo!

Fui até a escrivaninha, tomei três tipos de comprimidos diferentes, um era pra ansiedade, outro era pra psicose e o último apenas pra me deixar menos infeliz do que já era.

Tomei um banho rápido, vesti minha camisa social surrada de cor azul desbotada, coloquei um jeans velho e uma bota. Aquele era o meu uniforme.

Olhei no quadro atrás do guarda-volumes e vi:

Tenho que está na ativa as 18 h em ponto, não se esqueça seu punhado de merda.”

Compreendi a mensagem e retornei a me concentrar nos minutos seguintes. Peguei minha maleta e fui direto para a escola. Eu poderia ir dirigindo o meu Audi, mas além de eu não saber como dirigir um carro automático, as pessoas não aceitariam que um professor de ensino médio tivesse um carrão como ele, por isso preferia ir de ônibus.

Eu era professor de literatura, ensinava numa escola rigorosamente militar e rigorosamente religiosa, descolei aquele emprego por conta de um livro que escrevi nos anos passados.

Depois daquele romance o governo bateu a minha porta oferecendo um emprego de professor num dos melhores colégios da região. Eles queriam manter o alto padrão e o melhor índice de aprovações nos vestibulares.

Apesar de eu ter escrito um aclamado romance, naquela época eu estava sob um baita bloqueio criativo, não escrevia um soneto se quer, apenas dava aulas. Como as palavras vem do coração, minhas emoções naqueles dias estavam travadas, logo, nada produzia. Ou talvez era a minha maneira de acreditar que as merdas que aconteciam comigo era simplesmente culpa dos outros, sempre culpava as demais pessoas pelas minhas desgraças emocionais, era quase uma certeza de que estava fudido porque alguém me disse uma palavra indelicada, ou não queria fazer o que eu pedi.

Naquele tempo eu temia por coisas idiotas, tinha medo de quando alguém me encarava na rua, as vezes pensava estar com o zíper aberto, outrora, quando estava num dos bancos do ônibus e o meu lado era o único lugar disponível para sentarem, e ninguém sentava, pensava imediatamente que eu estava com mau cheiro.

Minha confiança foi abalada a muito tempo. Sentia como se estivesse a todo momento sendo vigiado. Ficava muito mal quando recebia criticas, e nada fazia para evitá-las. Aquela minha paranoia não se resumia a apenas momentos da minha rotina, ela se expandia para as questões sentimentais, fazia quase dois anos que eu não trepava com ninguém, não tive encontros e nem troquei flertes. A questão é que ao imaginar uma vida feliz ao lado de alguém, o medo do abandono vinha automaticamente e distorcia toda a visão.

Mas e a felicidade? Puff! O que seria felicidade? Uma família? Um emprego estável? Um carro sport do ano e os boletos todos pagos no fim do mês?

Estas coisas podem até atrair algumas pessoas, elas não tem culpa. Os livros ensinam isso, nossos pais ensinam isso. Não é comum andar pelas livrarias e encontrar um livro que assegura ter descoberto a fórmula mágica da felicidade, li vários, rejeitei todos. A questão era que, o que eles queriam que eu fosse para obter a felicidade era algo abstrato, eu não conseguiria ouvir uma pessoa me chamando de cuzão por eu ter escrito um romance e dormi bem a noite, sabendo que não consegui agradar um entre milhares de leitores. A ideia de felicidade está impregnada em contos infantis, tradições milenares, escritos filosóficos e em até preconceitos culturais.

Li uma vez que o fracasso é parte da vida, que embora passageiro, estamos destinados a passar por essa aterrorizante experiência em algum momento da nossa vida. No entanto, me vejo num labirinto, tentando encontrar a saída dessa específica fase da vida. Acredito que quem escreve tais bobeiras, dorme com um consolo no rabo. Elas nunca estiveram realmente no fundo do poço, numa floresta a noite em que o barulho da chuva e dos ventos te impede de pedir ajuda. Você então se ver obrigado a se sentar naquele lugar frio e escuro, tentando polpar a sua energia até que a noite passe milhares de vezes e você seja decomposto por vermes.

Nem sempre fui daquele jeito, já fui poderoso, não havia desgraças na minha vida. Acreditava que eu era um cara de sorte. Tive quatro anos de felicidade, algumas pessoas apenas têm 48 horas.

Cheguei na escola. Cheguei no horário. E imediatamente levei piadinha da vice diretora:

Parece que a última advertência fez efeito. — Ela disse — Vamos ter uns dez minutinhos após os alunos jurarem a bandeira, precisamos discutir o WOW.

Todo ano acontecia aquela mesma merda, word of work, a agência vocacionaria selecionava os melhores em sua área para palestrar, ou melhor, dizer umas duas ou três frases para um bando de adolescentes cheirando a esperma e excreção vaginal que não estavam muito empolgados com o futuro, e estariam pouco se lixando com o que eu fazia. A maioria odiava literatura. É uma questão sociológica, todos querem ter dinheiro, status, querem ser poderosos; Um reles professor jamais os proporcionaria tais realizações desses desejos. Mas o que eu poderia fazer? Tinha que ir, era pago pra fazer essas merdas, era foda.

Durante a reunião, a tenente Marla falava como funcionaria o evento e onde seria, disse o nome dos professores que deveriam comparecer, caso contrário seria descontado na folha. Porra! Ganhava menos de trinta reais por hora-aula, e ainda vinha aquela merda de desconto que reduziria ainda mais o salário miserável que mal dava pra comer uma puta – a qual eu realmente não comia –.

Na sala de aula, entrei e dei bom dia, ninguém escutou. Era sempre assim, ficavam conversando enquanto estavam virados de costas me ignorando, ou quietos mexendo em seus smartfones, então escrevia as páginas do livro que trabalharíamos naquele dia no quadro e com eles ainda conversando começava a explicar, muitos ainda ficavam a fazer barulho, a única que prestava atenção era a Sophia. Ela era uma aluna dedicada, inteligente, gostava de filosofia, além de tudo isso, ela era muito gostosa, tinha uns peitos bonitos e a sua buceta por dentro daquela calça colada de poliamida azul que ela usava como uniforme, era um dos motivos para eu chegar em casa e me masturbar.

Sophia tinha olhos azuis, seus cabelos eram castanhos claros e lisos, muito lisos, junto com aquela pinta do lado esquerdo do rosto. Tal pinta ia lhe dando uma sensualidade anormal pra idade. Ela tinha dezesseis, mesmo se eu tivesse chances, jamais poderia tocar nela, era cana na certa, era pedir pra ver só sol nascer quadrado, não tinha coragem suficiente pra muita coisa, mas pra essa questão em específico evitava até de olhar muito.

Durante a explicação a bagunça continuava, então uma das freiras da monitoria entrou na sala e deu um belo sermão na turma, eles mudaram suas posturas, guardaram os celulares e passaram a ficar quietos me deixando constrangido, ora, a irmã Celeste havia tirado a minha pouca dignidade na sala, quer dizer, eu não tinha a mesma autoridade como ela demonstrava ter, todos respeitavam aquela velha rabugenta que mais precisava levar uma rola no rabo, talvez este fosse o motivo pelo qual ela era tão chata e emburrada, mas, pelo menos, após os gritos da mulher de Deus, a sala ficou em silêncio e passou a prestar atenção no que eu queria explicar.

No intervalo, odiava ficar na sala de professores, era irritante, era caótico. Aquela porra de sala tinha uma merda de energia pesada pra caralho, odiava aqueles idiotas com todas as minhas forças, logo, pegava meu café e ficava de pé para um cartaz que nunca saía do mural, eu já havia lido aquele cartaz dezenas de vezes, era apenas um motivo pra eu não conversar com ninguém e quando me perguntavam por que não estava lá dentro, respondia que estava apenas observando o que aquele velho e malfeito cartaz dizia.

Na volta pra casa, umas 17h35min andava um pouco pela Rosa Cruz, poderia pegar um ônibus na frente da escola, mas gostava de andar para espairecer um pouco a mente. Ficava os exatos dez minutos andando com a cabeça baixa, envergado, mal olhava para as mulheres que passavam por mim, balançava a minha maleta enquanto as alças se arrastavam pelo chão.

Naquele dia meu primo veio pelo mesmo caminho que eu, ele estava de moto, perguntou se eu queria uma carona, faltava alguns quilômetros para chegar no terminal de ônibus, então aceitei.

O Miguel era um cara simpático, diferente de mim ele era bastante confiante e tinha uma postura bastante intimidadora. Ele era branco e um pouco acima do peso, apesar de estar constantemente procurando métodos para contornar sua obesidade, como o uso de termogênicos, exercícios físicos, dieta balanceada além de que todas as noites ele malhava e treinava boxe. Os resultados já estavam visíveis, nem parecia o cara que eu conhecia, o mesmo cara de dois anos atrás que precisava de um prendedor para segurar a banha, e só assim, com uma pinça conseguir tocar uma.

Ele me deixou em casa, entrou um pouco e apresentou o mesmo comportamento de todas as vezes que ele olhava meu apartamento. Surpresa, inveja, tudo isso misturado com a curiosa pergunta “Como um professor fudido de literatura mora neste lado da cidade, tem um apartamento nobre e um Audi zerinho na garagem?”

Como é o nome mesmo do cara que divide esse apartamento com você — Ele perguntou.

Ulisses. — Eu respondi enquanto servia um drink para nós, meio a meio de uísque.

O que ele faz mesmo?

Ele é supervisor de medidas no setor de fiscalização.

Parece que ser físico ganha bem — Ele disse — O que faz um supervisor de medidas?

Não faço ideia. — Eu disse — Ele não comenta muito sobre o trabalho.

Você também fez física, não foi? Por que não arruma um emprego como o dele?

Ele tem muitos contatos.

Tem certeza que ele não é traficante?

Ah, sim. Com certeza ele pode ser tudo, menos traficante.

Huuum!

Amanhã eu tenho uma porra de uma reunião vocacionaria, é lá do outro lado da cidade, tem como você passar aqui e me levar? Vai ser as oito.

Porra Théo, tu tem um Audi novinho na sua garagem e não pode ir dirigindo? Qual o teu problema, cara?

Já disse Miguel, esse carro é do Ulisses.

Então por que tu não pega emprestado?

Não sei dirigir carros automáticos — Eu disse — Além disso, ele tem o maior ciúme com aquele carro.

Não vem com conversinha pro meu lado não, porra! — Ele disse — Eu te vi sexta retrasada dirigindo esse carro a noite.

Foi mesmo? — Perguntei curioso.

Olha cara, chega. — Ele disse batendo o copo no balcão — Faça o que você quiser.— Veio até mim e bateu no meu ombro. — Te amo, irmão! Amanhã passo aqui pra te pegar. — Em seguida pegou o capacete e saiu.

Assim que ele saiu, chequei no quadro, apaguei a mensagem e não tinha nada pra eu acrescentar. Então novamente peguei a garrafa de uísque bebi mais um gole, fumei um cigarro enquanto ia vendo pela minha janela o final do crepúsculo, aquele maravilhoso gradiente entre o azul e o escuro da noite.

Me sentei de frente a TV, me masturbei pensando em Sophia e ainda com as mãos meladas de gala, peguei numa pequena madorna.

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