CAPÍTULO 03

      Cidade de “FT”, 13 de janeiro, segunda-feira.

      Estacionou o Corsa verde do lado direito da rua, diante da pensão. Olhou o relógio: 10h50min.

      Saiu do veículo e não pôde deixar de notar o cume do famoso morro do Palmor, a cerca de oitocentos e cinquenta metros dali. Morro reconhecidamente violento, apesar das constantes incursões da polícia. Na verdade, aquele bairro, em si, era violento.

      Sem perder tempo, abriu o portãozinho de entrada, percorreu a rampa de cimento, que dividia o pátio gramado, subiu os quatro degraus de madeira e parou na varanda, diante de um portão de ferro → fechado, naquele momento.

      Pensão pintada de vermelho fosco.

      Percebeu que havia um corredor, atrás do portão, com cinco portas do lado direito e cinco do lado esquerdo. Das duas janelas → ambas sem grades → que davam de frente para a rua, somente a do direito se encontrava aberta, apesar do vidro baixado.

      Sinal de que iria conseguir, sim, conversar com alguém.

      O piso cheirava a desinfetante. Aquela era uma casa humilde, porém limpa. Pelo menos isso, pensou.

      Um botão se destacava, na parede, do lado direito do portão. Apertou o referido botão e esperou.

      Tenso! De olho na rua. De olho em tudo!

      Minutos depois, uma senhora morena, gorda, baixa e de meia idade saiu do primeiro quarto da direita → o que tinha a janela aberta → e abriu o portão de ferro. Usava um vestido verde, com um avental encardido na frente. Os cabelos estavam presos, sob uma touca preta. Meteu apenas metade do corpo para fora e perguntou, séria e meio que desconfiada:

      → Pois não?

      → Bom dia! → Sorriu, para conquistar a confiança dela. → Meu nome é Macto e sou investigador da polícia civil. Posso...

      → É a respeito da morte do Nestor?

      Surpreendeu-se com a objetividade da mulher.

      → Exatamente. Posso conversar com a senhora?

      → Os policiais estiveram aqui ontem, filho. Você quer examinar o quarto onde o Nestor morava, é isso?

      → Oh, não. Como a senhora mesma viu, meus colegas já realizaram a vistoria nele. Na verdade, eu gostaria é de conversar com os moradores, se possível.

      → Posso ver tua identidade?

      Sem reclamar → não valeria à pena →, tirou o distintivo do bolso e o entregou a ela. A mulher deu uma olhada e pareceu pensar um pouco. Devia ter chegado à conclusão de que era autêntico, embora jamais tenha visto um, pois logo o devolveu. Em seguida, respirou fundo e, lentamente, escancarou o portão.

      → Entre.

      → Obrigado.

      Uma vez no corredor, esperou a mulher fechar o portão.

      → Esse bairro é muito doido, filho. Não podemos facilitar.

      Depois de ter trancado o portão, a mulher, ao invés de entrar no primeiro quarto, começou a percorrer o corredor. Foi atrás dela, até vê-la parar diante da quarta porta, situada do lado direito. O número sete se destacava, pintado de azul. Sentiu cheiro de comida, proveniente do quarto de número oito. Provavelmente um delicioso cozidão de carne de boi, o que só atiçou sua fome.

      → O Nestor morava aqui. → ela apontou a porta.

      Como não queria ver o quarto do morto e, sim, obter novas informações, aproveitou para iniciar suas perguntas:

      → O que a senhora achava dele?

      → Do Nestor?

      → Sim.

      → Você quer minha opinião pessoal?

      → Exatamente.      

      → Ah, meu filho, o Nestor era um bom homem. Era sim. Não incomodava, não se metia em confusões e não fazia arruaças na pensão. Nem barulho aquele coitado fazia, acredita? Saía cedo para trabalhar e só retornava à sete, oito horas da noite. De vez em quando chegava bêbado, claro, principalmente nas sextas-feiras, à noite, mas sem criar problemas. Era educado e prestativo. Estou realmente chocada pela forma horrível como morreu. Pregado numa cruz, como nosso Senhor Jesus Cristo. Uma blasfêmia! Que monstro desgraçado seria capaz de fazer uma coisa dessa? Era verdade que ele era ex-presidiário?

      → Sim.

      → Meu Deus! E todos nós pensávamos que o Nestor era honesto, a retidão em carne e osso. Como esse mundo está perdido. Apesar disso, era um bom homem. Uma pena que tenha morrido desse jeito.

      Decidiu mudar de assunto:

      → Quantas pessoas moram aqui?

      → No quarto um, o Paulo, a Renata e o filho deles, o Vítor, de dois anos, que passa o dia na creche. No quarto dois, eu e meu marido. Temos dois filhos, mas estão casados e moram em outro bairro. No três, o Rodrigo e a Priscila. No quatro, o velho “seo” Pirilo, que tem mais de setenta anos. No cinco, a Perla, que é viúva. No seis, o Marcos e a Lílian, que trabalham no mercado. No sete, que é esse aí da frente, morava o Nestor, que Deus o tenha em paz. E no oito, o Luís e a Mônica.

      Sacou a caderneta do bolso e anotou tudo.

      → E aquelas duas portas?

      → São os banheiros. Os moradores dos quartos da direita usam o banheiro da direita. Os da esquerda, claro, usam aquele ali. Infelizmente somos obrigados a nos adaptar a esse pequeno inconveniente, embora não nos atrapalhe muito.

      → Quem está aqui, agora, além da senhora?

      → Apenas a Mônica, do quarto oito. O restante da turma está trabalhando e só chega depois das seis.

      → A senhora sabe informar se o Nestor recebia visitas?

      → Visitas?

      → Sim. De homem ou mulher.

      → Ah, sim. Com relação a isso, vi o Nestor chegar com algumas mulheres, sim. Geralmente à noite. Mas adianto-lhe que não fizeram bagunça nem deram festa de arromba, entende? O Nestor era realmente um homem discreto, um excelente vizinho.

      → Homens?

      → No quarto do Nestor? Nenhum, que eu saiba.

      → Alguma dessas mulheres chamou sua atenção?

      → Como assim?

      → Por exemplo, alguma delas chegou a visitar o Nestor mais de uma vez? Ou usava algum tipo de roupa diferente?

      → Foi bom você ter perguntado isso. Lembro de uma mulher estranha, que chegou com o Nestor, certa noite. Era branca, feia, muito alta, muito magra, de peitões, cabelos pretos, lisos, longos e escorridos, lotada de tatuagens e que usava um vestido preto e longo. Na época, quando a vi, levei um susto, pois pensei estar diante de uma bruxa. Como as dos filmes de bruxas, entende? Não sei o porquê, mas não gostei daquela mulher. Sei lá. Posso estar enganado, mas aquela... mulher parecia ter alguma coisa a ver com o capeta. Era muito sinistra, entende?

      → A senhora a viu mais de uma vez, aqui?

      → Não. Pelo que eu saiba, ela só veio uma vez.

      → A senhora lembra o dia?

      → Ah, faz tempo. Acho que tem um mês ou mais. Claro que não posso informar o dia exato do mês. Impossível, né? Só sei que foi num sábado à noite.

      → Lembra do horário?

      → Com certeza depois das nove da noite. Digo isso porque eu estava assistindo a novela. De repente, ouvi o barulho do motor de um carro e fui dar uma olhada. Precaução, entende? Nosso bairro, infelizmente, é muito violento.

      → Ela tinha carro?

      → Não, não. Eles saíram de um táxi.

      → Sei.

      → Ela saiu com aquele horrível vestido preto.

      → Chegou a ouvir a conversa dos dois?

      → Não. Eles entraram em silêncio. Em silêncio mesmo, ele na frente e a mulher atrás, como se se conhecessem há anos.

      → Entendo.

      Sem querer tirar qualquer tipo de conclusão, a respeito dessa mulher misteriosa e macabra, realizou as anotações e perguntou:

      → Outra mulher lhe chamou a atenção, além dela?

      → Não. Todas eram mulheres de rua, feias e sem graça. O Nestor, convenhamos, tinha um péssimo gosto. Meu Deus!

      → Mulheres de rua?

      → Prostitutas, falando de modo bem claro.

      → Ah, sim → sorriu.

      → Teria a mulher de preto algo a ver com a morte do Nestor, policial? Pode me dizer?

      → Não podemos afirmar isso.

      → Vocês tem algum suspeito?

      → Temos, sim. Mas não posso falar. Bem, dona...

      → Judite. Meu nome é Judite.

      → Bem, dona Judite, a senhora tem algo mais a me dizer, a respeito desse caso?

      → Só um pedido.

      → Pois não?

      → Quando pegar o salafrário que fez isso com o Nestor, por favor, pode dar uma surra bem dada nele?

      → Surra? → sorriu novamente, abismado.

      → Sim. Uma surra de pau, para quebrar todos os ossos dele. Pode ser? Fará isso por nós?

      → Não posso lhe prometer isso. É contra a Lei.

      → Que se dane a Lei! Esse vagabundo, que gosta de pregar as pessoas na cruz, merece arder no inferno, isso sim.

      Decidiu interromper o fluxo de raiva da mulher.

      → Bem, dona Judite, irei conversar, agora, com a dona Mônica. Agradeço-lhe por suas informações e, caso lembre de algo novo, por favor, ligue para nós, ok?

      Entregou a ela um cartão branco, tamanho oito por quatro centímetros, com o número do telefone da 1ª Delegacia.

      → Tudo bem, meu filho. → Ela parecia de novo calma. → Peço desculpas pela minha indignação, mas é que não consigo me conformar com tanta crueldade. Boa sorte.

      → Obrigado.

      A mulher se afastou e entrou no quarto um.

      “Mais uma que gostaria de fazer justiça com as mãos”, pensou.

      Sozinho no corredor e dando prosseguimento aos trabalhos, bateu na porta do quarto oito.

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