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07/2070 – Momentos após o acidente.

Como nações aliadas, era comum o contato entre elas em casos de eventos que exigiam total sigilo. Os demais países pertencentes à Ordem também desejavam saber os detalhes das possíveis causas daquele incidente que suspeitosamente não teria sido provocado por um erro no acoplamento em uma das estações de construção da cúpula.

“Para o progresso é necessário praticar o desapego, acima de tudo, do poder. Solicito que o pratiquem. Para o vosso bem.

Aproveitemos o momento para saudar a memória, relembrando as orientações contidas em uma das primeiras mensagens enviadas pela líder anterior, Olória Law. Absorvendo os conhecimentos nela contidos, cada um de vocês perceberá possuírem a lealdade necessária perante o cetro Dimfloat, pois sei que a bravura é mútua às duas “dimensões”.

Portanto, declaro que a advertência está feita, e que o próximo passo será uma intervenção direta no sistema que se instaurou.

Do seu líder, Jonas Forth”

 

— A mensagem foi clara, eu não consigo ver outra explicação a não ser essa: Eles anunciaram anos atrás a insatisfação com a construção da cúpula, o ataque é para nos recordarmos disso. — Bernardo Théslert foi identificado para comparecer à reunião como agente responsável pela coleta de materiais e análise das informações no contexto do provável ataque à cúpula.

Hamilton, o oficial que representava a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), entrava pela base de teleporte presente na sala de reuniões. Ouviu com insatisfação as palavras de Bernardo, enquanto sentava-se ao seu lado. 

Hamilton fitou Bernardo e forçou uma expressão de desaprovação.

O objeto responsável pelo acesso à sala era uma pequena plataforma circular que parecia flutuar devido às luzes que eram refletidas no piso. Sempre que necessário, eles poderiam estar frente a frente. Era como se não existissem as centenas de quilômetros que separavam as superintendências da Abin e as demais organizações de inteligência que constituíam a Ordem. 

— As centrais de todos os países receberam a mensagem, eles não nos deram tempo para que nos articulássemos, como esperam que possamos apresentá-los como aliados para os que ainda não se uniram a nós, após fazerem um ataque? – falava Narcisa Trot, a chefe da CIA, que só estava presente em ocasiões realmente graves.

— Desculpe discordar, mas o diálogo se estabeleceu há anos, e muitos de nós temos negligenciado seus avisos e conselhos de pacificação. — Bernardo parecia compreender os esforços do Comando Superior e suas inúmeras tentativas de cessar conflitos.

— Me parece uma grande incoerência atacar uma de nossas estações de construção. — Falava Viktor, com seu característico sotaque, o membro representante do GRU (Serviço Militar de Inteligência Russo). — Jonas mesmo não enviou instruções de modificações, complementando nosso projeto?

 — Talvez eles não sejam ingênuos a ponto de não notarem que a cúpula que vocês resolveram projetar era apenas uma tentativa de interromper as interferências externas. — Narcisa Trot falava como quem estivesse arrependida de aceitar a ideia de iniciar a construção de uma cúpula em torno do planeta.

— Mas vocês nos apoiaram, e afinal, não sabíamos que eles estavam a par de todos os nossos planos. — Viktor ficou com a sensação de culpa pelo plano não ter se executado antes que o Comando Superior decidisse por se tornar evidente nos grandes centros.

— E acham que haverá retaliações caso continuemos com a construção? — Narcisa perguntava não apenas na intenção de saber a resposta para a pergunta, mas tinha medo de que os Estados Unidos fossem um provável foco em potencial para os contatos que até então só ocorriam nos campos, como nas fazendas isoladas de Iowa.

Todos ali dialogavam com o medo que se instaurava de que suas cidades fossem os possíveis alvos dos contatos, vistos como ataques, e que agora eles tendessem a se intensificar.

— Eu acredito que todos nós estejamos muito alterados com a mensagem enviada por Jonas, poderíamos pensar que na verdade o que ocorreu foi uma falha no sistema de propulsores durante o processo de acoplamento do módulo no anel principal da cúpula. — Hamilton disse.

— Os dados enviados por vocês pela Agência Espacial Brasileira indicam que não houve falha durante o procedimento de ancoragem da peça que estávamos anexando à estrutura. — retrucava Narcisa.

— Francamente, nós fazemos trinta procedimentos do tipo diariamente para conseguir finalizar a estrutura principal, os computadores estão com o software íntegro e não apresentariam uma falha tão grotesca na manobra. — Viktor confiava fielmente na tecnologia utilizada para enviar as peças que estavam se agrupando para formar o primeiro dos dois grandes anéis que se uniriam para formar a estrutura principal da cúpula.

— Talvez seja esse o problema. Estamos deixando o programa encarregado de realizar muitos acoplamentos simultaneamente. Além da sobrecarga nos centros de lançamento, principalmente na base de Alcântara, estamos deixando por conta dos computadores todo processo de soldagem das peças. — Entrava na conversa um membro chinês do MSE (Ministério de Segurança do Estado). Yan era um militar que já havia apresentado suas tendências a tornar o procedimento de soldagem um estágio menos robotizado, ele desejava enviar astronautas que realizariam o acoplamento individual de cada peça que chegasse para se unir às demais na enorme estrutura.

— Seu projeto será uma discussão para outra hora, no momento precisamos decidir que atitudes tomar perante as advertências que estamos recebendo. Mesmo levando em conta que o dano causado a este módulo não seja o início de uma intervenção, a carta de Jonas é um fato que não podemos ignorar. — Narcisa jamais imaginaria que Jonas, um líder tão amistoso, tomaria a iniciativa de atacar uma das estações de construção.

Embora não tenha ficado satisfeito com a tentativa de interromper os contatos, que era o real motivo de construção da cúpula, Jonas nunca havia dado indícios de que tomaria uma atitude ofensiva como essa. Sempre foi um líder pacífico. Afinal, foi ele mesmo quem pôs fim às duas guerras que vinham dividindo o planeta.

— De imediato, podemos dizer que o Guardião está com seus dias contados, o Comando Superior expressou que isso está atrapalhando nossos avanços. Precisamos anunciar uma nova fonte de energia. — Riki, o representante do Japão, havia recebido instruções para falar sobre os possíveis avanços tecnológicos que estavam sendo atrasados pela Ordem. As fontes de energia à fissão nuclear, embora eficientes, estavam sujeitas aos frequentes terremotos em seu país, o que era um risco à integridade estrutural das usinas, e as deixava sujeitas aos tsunamis.

— Isso não está em jogo, ele não pode nos obrigar. Nós somos responsáveis por decidir quando e quem descobrirá essas tecnologias. O Guardião prossegue até que possamos nos sustentar sem os recursos obtidos através das fontes de energia convencionais. — Narcisa não estava nem um pouco preocupada com terremotos ou possíveis vulnerabilidades das fontes de energia nuclear, seus reatores estavam localizados no centro do país, em locais afastados das grandes cidades.

— Jonas nos recordou de uma mensagem enviada por sua antecessora, que importância isso tem para nossas questões atuais? — Viktor, inconformado, colocava os punhos sobre a mesa.

— Olória Law enviou orientações sobre a invocação do cetro Dimfloat. — explicava Bernardo. — Há citações insinuando que ele pode apresentar poderes contra seres inimigos, quando conjurado por um humano.

 

 

07/2070 – Dias após o acidente.

O noticiário chegava ao fim e Diego já havia terminado sua rotina de preparação para ir à escola. Saindo de seu quarto com a leve mochila que continha apenas um caderno, uma caneta e papéis com os exercícios que nem sempre ele se preocupava em fazer.

— Tô indo, mãe.

— A rua que vai pro valão tá fechada por causa das obras.

— É, eu vou pelo outro lado.

— Vai com Deus.

Diego sabia que por mais monótona que fosse sua rotina, ele sentiria falta desses dias de aula, estava no seu último ano no colegial.

Após andar até metade do valão, que ele percorria também durante suas caminhadas pelo condomínio e incluía a passagem pela praça de atmosfera misteriosa, o único ônibus que poderia levá-lo ao seu destino estava chegando ao ponto. Foi necessário que corresse para não perder o horário e se atrasar para o primeiro tempo da aula de física.

Uma hora separava a casa de sua escola, que ficava na região central da cidade, e era cercada por altos e imponentes prédios. Era certo que ele tiraria um cochilo, com a cabeça apoiada no vidro que trepidava, durante o entediante percurso.

— E com isso, o indutor ficará carregado eternamente. — A aula já chegava ao fim, o cochilo do ônibus parecia ter se estendido também para o que havia sido o primeiro tempo. Ele não havia dormido, estava apenas em um estado de baixa concentração, olhando fixamente para o mesmo ponto do quadro, até que algo na explicação do professor lhe chamou a atenção.

— Professor — Diego levantava o braço direito indicando que queria falar.

— Sim, pode perguntar!

— Quando você diz “eternamente” quer dizer... para sempre!? Vai ficar carregado sem... — Diego sentia que estava fazendo uma pergunta idiota, os quarenta minutos de dispersão fizeram-no chegar a uma conclusão que parecia absurda. — Quero dizer, ele ficará carregado sem a fonte estar conectada?

— Olha só, pelo menos uma pessoa entendeu. É exatamente isso!

— Mas... como pode? — Diego apontava inconformado para o circuito elétrico no quadro, ele não sabia ao certo se tinha entendido como funcionava, mas tinha certeza de que era o ponto chave daquilo que o professor pretendia ensinar. — Por que não usamos isso para gerar energia?

Alguns alunos pareciam estar tentando compreender as perguntas, outros estavam tão dispersos e sonolentos como estiveram desde o começo da aula.

— Muito bem. — O professor de física estava realmente satisfeito. – Venha comigo.

— Diego se levantou e foi até a mesa onde o professor escrevia em uma folha de papel. Arrancou o pequeno pedaço que continha apenas uma palavra:

“Sérgio”

— Toma. — Diego pegava e lia o papel sem entender ao certo o que a palavra significava. — Leve isso na secretaria.

— Mas, e o resto da aula?

— Pessoal, por hoje é isso. Estão liberados!

Ele saiu passando pelo quadro memorizando cada detalhe do circuito, sentia que tinha algo importante.

O corredor era longo, ali havia cerca de dez salas até a descida que dava acesso ao primeiro andar. Uma curva à esquerda, ele estava em frente à porta da secretaria. Não sabia o que aconteceria a partir dali. Deveria explicar o que tinha aprendido para algum funcionário? Era um teste para ver se tinha realmente aprendido?

Ele virou a maçaneta e passou com muita dificuldade pela porta. Aquilo que tinha tudo para ser mais uma aula de física estava saindo para um rumo completamente inesperado.

— Olá, posso ajudar?

Havia quatro mesas ao redor da sala de médio porte que era a secretaria.

— Meu professor de física mandou eu entregar isso.

— Ah, certo. — O funcionário leu a palavra e rapidamente entendeu do que se tratava. — Quem é seu professor?

— O Felipe.

— Pode sentar aí.

Diego estava sentado na cadeira logo à frente da mesa daquele que era um dos quatro funcionários que trabalhavam no local, entre os dois estava o monitor do computador.

— Qual é o número?

— O... número?

— Isso, o número da sua conta bancária.

— Serve a do meu pai?

— Serve sim.

— Deixa eu falar com ele. — No celular de Diego havia poucos números nos contatos, raramente ele ligava para alguém que não fossem seus pais.

Diego passou os dados bancários ao funcionário.

— Certo, agora me fala seu nome e sua turma.

A conversa ficava cada vez mais estranha, ele passava os dados sem saber exatamente o que estava acontecendo. — Muito bem, é só isso.

— Só... isso? Mas, o que faço agora?

— Agora você entendeu o que o seu professor explicou, e tem que guardar esse segredo.

— Ainda não entendi, ninguém me contou segredo nenhum.

— Então ele estará muito bem guardado. — O funcionário dava um leve sorriso. — Ninguém precisa saber o que aconteceu aqui. Caso fale, você perde. Ok?

— É... Ok.

Ao fim da conversa, saiu rapidamente da sala. Havia perdido a segunda aula que seria de biologia, a que ele menos gostava. Parecia que não assistir aquela aula foi um prêmio dado inconscientemente pelo seu professor de física por ter entendido o funcionamento do tal circuito.

Saindo da escola, seria uma boa ideia ligar para seu pai e falar sobre o que havia acabado de acontecer. Ou não, será que seu próprio pai estava incluído no grupo de pessoas que não poderiam saber da conversa?

Diego atravessou a rua distraidamente com o celular na mão e ainda confuso com tudo que acabara de acontecer.

— Pai, você já saiu pro horário de almoço?

 — Já sim. Por quê? 

— Confere o saldo da sua conta aí pra mim. — Parecia fazer sentido, as peças estavam se encaixando, se ele estava certo sobre seus pensamentos, seu pai teria uma grande surpresa.

— Meu Deus, Diego. Que dinheiro é esse?

— Caiu um depósito na sua conta?

— Sim, tem dez mil além do que tinha antes.

— Ok, quando chegar em casa te falo.

— Não, não. Pode ir falando. De onde veio esse dinheiro?

(Continua)

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