Capítulo 2 - O encontro

Voltei para a sala e me sentei no sofá, ainda estava anestesiada, para todo lado que eu olhava só me lembrava dos olhos verdes hipnotizantes e de todos os ferimentos que o cobria. Se eu dormisse aquela noite, seria um milagre.

Ouvi meu celular tocar, mas ignorei, não estava com vontade de falar nem ver ninguém. Quem acreditaria em mim? Não tinha como provar o que eu tinha visto. Não sabia o nome, não anotei a placa. Não fiz nada. Só fiquei ali vendo aqueles homens levarem o homem de terno. Mas o que eu poderia fazer?

Irritada com minha falta de ação, fui até meu som e liguei uma das minhas músicas favoritas para tentar relaxar, somente isso me faria ter um pouco de paz naquela noite.

The Pianos Guys eram uma releitura da música clássica com a moderna, adorava como a junção me fazia respirar melhor em momentos de tensão como aquele. Ergui no máximo que pude, deixando que os vizinhos me interfonassem irritados. Naquele momento eu precisava me envolver com os acordes e instrumentos.

Os violinos, violoncelos e pianos sempre me transportavam para outro lugar.

Adormeci ouvindo a música, e acordei com ela e o som de vizinhos gritando de todos os lados. Desliguei e resolvi me importar com os problemas que causei somente amanhã. Eles não me ajudaram quando precisei, não iria querer ouvir suas reclamações agora. 

Estava exausta e apaguei assim que encostei na cama, contra todas as probabilidades.

Acordei com o celular tocando e me lembrei de tudo. Por mais assustada que eu estivesse, o sono foi realmente tranquilo, porém meu corpo não estava descansado. Parecia que tinha corrido uma meia maratona. Me espreguicei e voltei ao banheiro vendo as manchas pretas sob meus olhos. 

— Não vou poder esquecer de escondê-las hoje — escovei meus dentes e já puxei a maleta de maquiagens que eu pouco usava. Meus olhos azuis não brilhavam tanto e meu rosto parecia um pouco mais pálido que o normal. Amarrei meu cabelo em um rabo de cavalo que ficou um pouco espetado pelo comprimento. Peguei o corretivo e cobri as olheiras com leves batidas passando um pó em seguida para tirar o brilho.

 Uma máscara de cílios daria um pouco mais de cor para minha íris e pronto. 

Voltei para o quarto colocando uma calça jeans e uma blusa meia estação branca. Peguei minhas partituras que estavam dentro da pasta e sai pela porta. Não queria ter que encarar o síndico tão cedo pelo ocorrido de ontem. 

Abri a primeira porta do prédio indo em direção ao portão. Mal o abri e paralisei, analisando a porta do carro preto se abrir lentamente e dois homens virem em minha direção. Agora era a minha vez de ser morta!

— Bambina — o grandalhão falou e abriu a porta de trás para mim.

— Para onde vão me levar? — falei em um fiapo de voz.

— Para onde quiser — O outro falou se aproximando. 

— O que isso significa? — chacoalhei a cabeça não entendendo o que eles diziam. Dei um passo para trás e ouvi um pigarrear.

— Que bonito dona Betina. Sabe a quantidade de reclamações que eu tive que aturar por sua causa ontem à noite? — fechei os olhos ouvindo a voz do síndico. — Estou realmente muito irritado com você. Achei que era uma menina consciente de seus atos. — bufei abrindo os olhos e me deparando com os dois homens de preto a minha frente bem mais perto do que antes. Um deles passou por mim e encarou o síndico.

Me virei para ver sua reação.

— Qual o problema? — ele falou sério.

— O...o probl...problema é que ela escutou música alta até tarde da noite. Inco...incomodando a todos. — o homem gaguejava com a presença do grandão. — Essa é a notificação e a expulsão dela do prédio.

— O QUE?! — derrubei minha pasta. — Você só pode estar brincando.

— Ele está, bambina. Não se preocupe — o outro homem falou ao meu lado e encarou o síndico. — Não é? — o homem olhou de um para o outro e depois para mim. 

— Se me prometer que não fará de novo — concordei com a cabeça. Ele olhou de novo para os homens e entrou correndo para o prédio.

Minha pasta já estava na mão de um dos homens e a peguei rapidamente.

—Obrigada, não precisavam se incomodar, eu conseguiria resolver — falei sem confiança.

— Claro, então vamos? — eles voltaram para o carro e me vi com medo. — Para onde tem que ir agora?

— Para a faculdade, estudo na Belas Artes. — não sei por que falei isso. Mais um motivo para eles virem atrás de mim.

— Então entre que vamos levá-la até lá.

— Não precisam se preocupar, eu vou de ônibus. 

— Ainda estou pedindo, bambina — meu sangue gelou e resolvi entrar sem dizer mais nada.

O carro era muito luxuoso, mas meus olhos só conseguiam se focar nos dois homens a minha frente. Disquei em meu celular o número da polícia e bloqueei a tela, se acaso eu precisasse de algum tipo de ajuda. 

Vinte minutos depois eles estacionaram no campus e abriram a porta para eu descer.

— Obrigada — falei sem saber o que fazer — Mas não precisam se incomodar mais, posso vir de ônibus sem problema algum. — eles não responderam e trancaram o carro. 

Comecei a andar e percebi que ambos me seguiam.

— O que estão fazendo?

— Seguindo ordens.

— De quem? — falei olhando feio para eles. — Do homem de terno? Ele é seu chefe? Como ele está? — tive essa curiosidade desde que os vi, mas ainda não tinha certeza se eles me responderiam. Agora era diferente.

— Vai melhorar — o homem com barba respondeu.

Eles eram monossilábicos e por mais que eu tentasse persuadi-los, não consegui fazer com que se afastassem de mim. 

Por onde ia eles iam como sombras. Dentro da sala ficaram no fundo apenas acompanhando meus passos.

Meus professores estavam irritados, alguns alunos sussurrando sobre mim, tudo que eu nunca tinha imaginado acontecer. Com certeza a faculdade também irá querer me expulsar. 

Se eu soubesse que socorrer um homem faria minha vida virar de cabeça para baixo, eu não teria feito isso. 

Mentira!

 — Podem me dizer pelo menos os nomes de vocês já que pelo visto serão meus guardas costas?

— Mau — falou o cara grande.

— O nome dele é Maurício, mas todos o chamam de Mau.

— Entendo o porquê — o homem de barba era mais sociável. 

— E eu sou o Leandro, mas pode me chamar de Mor. — concordei com a cabeça.

— Vão ficar assim, me seguindo até quando?

— Até que suspendam as ordens. — ergui as sobrancelhas.

O dia praticamente se arrastou, eles não me deixaram sozinha nem naquele dia nem nos seguintes. No meu prédio ninguém mais se atreveu a falar qualquer coisa comigo. Na faculdade os professores e alunos preferiam evitar qualquer contato. Eu já estava farta de tudo aquilo.

Fui até o banheiro e tentei achar uma forma de escapar dos meus seguranças. Uma pequena janelinha dava acesso ao outro lado do pátio e escalei no vaso sanitário e pulei por ela. 

Corri o mais rápido que pude para o ponto de ônibus que por sorte estava encostando e entrei sorrindo. Tinha conseguido minha liberdade. Por quanto tempo eu ainda não tinha certeza, mas era melhor do que nada.

O ônibus avançou pelos bairros de São Paulo parando a cada ponto. Uma rotina que eu odiava antes e que agora me fazia tanta falta. 

Dois carros pretos passaram rápido pelas laterais do ônibus e pararam a sua frente atravessando a rua e impedindo a sua passagem.

Eu sabia exatamente quem eram e bufei de desgosto. 

O motorista começou a xingar e tentei me esconder entre os bancos olhando para a porta da frente. 

Mau subiu com sua cara ainda mais fechada e o motorista ficou em silêncio. Ele me localizou bem rápido e acabei me levantando para dar fim a mais esse vexame em minha vida.

Quando olhei para trás vi o homem de terno com um sorrisinho nos lábios me encarando e perdi o ar. Ele já não tinha tantos hematomas e o corte do supercilio estava praticamente cicatrizado.

O encarei por tempo demais até que ele estendeu a mão para mim me convidando silenciosamente a segui-lo. Olhei em volta e todas as mulheres estavam vidradas nele, seria idiotice tentar evitar mais esse confronto. Estendi a minha mão e segurei a sua o seguindo para onde ele quisesse me levar.

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