A Proposta Imperdível
A Proposta Imperdível
Por: Rafa Cabral
Capítulo 1

É impressionante como um único ato muda tudo em nossas vidas. Quando você pensa que tem tudo sob controle e está cheio de expectativas para um futuro promissor, a vida vem e te j**a no fundo do poço. É o que aconteceu comigo meses atrás, quando cheguei no trabalho em meio a um julgamento foi descoberto um erro no documento da minha alegação. O resultado foi que perdi não só aquela disputa judicial, como meu emprego.

Já era quase meio dia quando acordei, tem sido assim desde o fatídico dia. Não que eu seja preguiçosa, tenho trabalhado como freelancer em uma lanchonete até cerca de 1 hora da manhã, ainda assim, com o dinheiro só tenho conseguido pagar minha alimentação e transporte até o trabalho e por isso, assim que acordo, como alguma coisa e saio ou para entregar currículos ou para entrevistas de emprego. Cada dia que passa, me sinto mais inútil e começo a perder as esperanças de conseguir alguma coisa em Manhattan.

Visto um jeans velho, uma camiseta branca e um casaco para o frio, pego minha mochila e desço as escadas correndo antes que a senhora Davis me veja. Estou com três meses de aluguel atrasado e todos os dias, assim que me vê, ela me cobra o aluguel furiosa e em todas as vezes eu prometo que pagarei o mais rápido possível. Não é mentira, mas arrumar um emprego não está sendo tão rápido como imaginei que seria.

Pego a minha bicicleta e entrego dois currículos em lojas que estão contratando para a temporada de natal. Nunca fui vendedora, mas na situação em que estou, aceito qualquer emprego, desde que me possibilite pagar as minhas contas.

Às vezes me pergunto o que fiz de tão errado. Me formei em direito há dois anos, consegui o emprego dos sonhos graças ao meu desempenho na faculdade e tudo ia bem até que cometi aquele maldito erro em um caso extremamente importante, um mínimo detalhe que condenou tudo, incluindo as minhas chances de conseguir outro emprego na minha área. Quem iria contratar uma advogada que cometeu um erro tão bobo?

Um erro que sequer sei se realmente cometi, revisei tanto que parece mentira o que aconteceu, mas me custou caro, não só financeiramente como psicologicamente. Algo que me fez duvidar do meu potencial, desistir de sonhos e apenas tentar sobreviver e honestamente, nem sei se estou sobrevivendo.

Às 16 horas eu tinha uma entrevista numa empresa de tecnologia, deixei um blazer social na mochila e o vesti por cima da camiseta assim que entrei no local da entrevista. O lugar estava repleto de pessoas aparentemente inteligentes o suficiente para pegar a vaga no meu lugar. Ainda assim, eu não podia desistir. Quando chamaram o meu nome, meu coração acelerou, fui oradora da minha turma de direito, mas estava nervosa em uma entrevista para a vaga de auxiliar de telecomunicações... Como o mundo da voltas.

A entrevista não durou muito, a mulher me fez algumas perguntas e concluiu dizendo que eles entrariam em contato. Não entraria. Me senti completamente derrotada e novamente aquela sensação angustiante apareceu, um nó na garganta, um aperto no peito, a agonia de saber que se as coisas não dessem certo naquela semana, eu teria que voltar para Michigan morar com a minha mãe e eu sequer tinha dinheiro para a passagem. Eu não queria deixar o medo e a insegurança me dominar, mas eu estava quase que literalmente num beco sem saída e atrás de mim tinham 3 leões famintos, incluindo a Sra. Davis. Voltar a morar com minha mãe era definitivamente o fundo do poço.

Na volta para casa, parei em um pequeno parque próximo ao meu apartamento. Costumava ir para desenhar os transeuntes e as crianças brincando. Gostava de ilustrar pequenos detalhes que podem fazer muita diferença em nossas vidas e que muitas vezes nem notamos. Quando se está no fundo do poço, até a alegria de uma criança ao ganhar um algodão doce é um motivo para se alegrar também. Desenhar para mim é uma forma de colocar meus sentimentos para fora e como eu estava uma bagunça por dentro, me sentei em um dos bancos no parque para me distrair.

Ainda haviam folhas em tons de amarelo e laranja do outono e as nuvens cobriam parcialmente o céu, nos dando um pequeno vislumbre do vasto azul celeste e embora estivesse um belo dia, meus traços no papel mais pareciam rabiscos, um amontoado de linhas tortas, que tentavam descrever o dia, mas no fundo descrevia o sentimento da artista. Um misto de medo, tristeza, frustração e algo mais que nem mesmo um poeta saberia escrever.

Chego em casa e abro as mensagens do correio de voz, só havia uma da dona da lanchonete me dizendo que não precisava da minha ajuda naquela noite. Eu recebia uma diária de 30 dólares e mesmo sendo pouco senti minhas pernas tremeram, meu armário estava quase vazio, tinha três meses de aluguel atrasado, além de outras dívidas e eu nem vou citar a infiltração no banheiro e o reparo do aquecedor. Tomei um banho na água morna para tentar acalmar os nervos e pensar numa solução, mas tudo que consegui foi chorar e quase ter uma hipotermia.

Me agasalhei e me encolhi no sofá para assistir algum programa local, por volta das 20 horas bateram na minha porta. Estranhei, quase não recebo visitas, mas fui até lá e me deparei com a minha irmã gêmea Alison, vestida elegantemente num vestido justo com um casaco de pele. Nós éramos o oposto uma da outra. Ela trabalhava como assistente do CEO de uma empresa bilionária e ganhava muito bem, mas a verdade é que ela sempre foi mais interessada em ganhar dinheiro se casando com um homem rico. Nunca entendi os motivos dela, aliás, sequer perguntei, mas sei que ela é muito empenhada nisso.

— Alyssa! Minha irmã preferida, como você está? — ela sorria exibindo os dentes perfeitamente alinhados com ajuda do aparelho, bem, os meus também eram assim. Me lembro que sempre colocávamos as borrachinhas da mesma cor para ficarmos iguais. Gêmeas quase idênticas, a diferença estava nos olhos, os meus eram azuis, o esquerdo tinha uma pequena mancha em castanho escuro, demonstrando que a genética quis brincar com nós duas.

— Eu sou sua única irmã, Alison, e estou bem. — falei e em seguida me acomodei no sofá deixando espaço pra ela se sentar também. — O que faz aqui?

Era incomum receber visitas dela, nos víamos em raras ocasiões e até mesmo mensagens ou ligações eram raras.

— Eu também estou bem irmãzinha, obrigada por perguntar. Estou aqui porque preciso da sua ajuda e quero te fazer uma proposta.

—Que tipo de proposta? — semicerrei os olhos a encarando, sabia que vindo dela, boa coisa não era. Ela endireitou a coluna e olhou para mim, desajeitada e confortável no meu sofá velho.

— Bem, vou direto ao assunto, sei que você está desempregada e eu estou precisando de uma folga, pois conheci um ricaço e ele me chamou para passar férias com ele no Caribe. — ela não conseguia esconder o orgulho que sentia, sorrindo ela inclinou levemente o queixo. — Não posso deixar o meu emprego porque não é garantido que vou entrar em um relacionamento com ele, então pensei que você poderia se passar por mim. — ela sorria com a "ótima" ideia dela. Pisquei algumas vezes, ela não podia estar falando sério, nenhuma das frases parece ser dita por alguém normal, mas ela continuou. — Olha, enquanto eu estiver viajando, você recebe o meu salário e fica com ele só pra você, tenho certeza que vai te ajudar muito a sair dessa situação difícil. Talvez você até consiga uma vaga por lá.

Aquela era uma ideia maluca e eu não estava nada convencida, aliás, sequer fazia sentido eu conseguir uma vaga lá depois de, definitivamente, mentir sobre minha identidade. Alison trabalhava na Séculus Security, uma empresa especializada em equipamentos de segurança, desde softwares à produção, ela recebia muito bem por ser assistente do próprio CEO e era tentador aceitar, mas nossas personalidades não eram nada parecidas. Eu estava desesperada, mas isso não seria muita loucura?

— Alison? Tem noção de suas próprias palavras? Eu poderia dizer vários motivos para recusar isso, mas o principal é: somos muito diferentes, com certeza perceberiam e nesse caso nós duas saímos perdendo.

— Aly, você me conhece melhor que ninguém, tenho certeza que pode me imitar por alguns dias e pense no dinheiro, com um mês do meu salário você poderia pagar todas as suas contas e ainda sobraria dinheiro. Faz isso por nós, Aly. — ela pegou minha mão com as unhas enormes e fez um bico me olhando em súplica.

Olhei para a geladeira e mordi o lábio inferior, a incerteza do dia seguinte e dos próximos, me deixava tentada a aceitar algo que poderia, inclusive, me mandar para a cadeia. Mas o que eu faria? Depois de alguns segundos de silêncio olhando para o vazio, finalmente decidi aceitar. Aquilo era loucura, mas eu ia ficar louca se não resolvesse meus problemas, no fim parecia uma resposta dos céus depois daquele dia cheio. Alison deu um gritinho de animação com a minha confirmação.

— Agora você precisa treinar andar igual a mim e a falar como eu — me olhou de cima abaixo — e a se vestir como eu. Já que começamos amanhã, precisamos treinar agora mesmo.

— O que?! Amanhã? — me sobressaltei do sofá e ela também se levantou.

— Sim irmãzinha, na verdade foi tudo muito rápido e eu só tive essa ideia hoje. — ela me puxou para o centro da sala e começou a me instruir.

Passei a noite toda treinando andar como a Alison, um pé na frente do outro, balançando os quadris, queixo erguido e coluna ereta. Tropecei no meu próprio pé durante o processo, estou acostumada a usar salto, mas sério? Um pé na frente do outro? Falar também não foi exatamente muito fácil, Alison tem mania de falar com uma doçura exagerada, um exemplo: ela chama o chefe de "chefinho", não sei se estou preparada para passar essa vergonha.

Na dúvida, perguntei:

— Chefinho? Vocês são... íntimos? — ela riu.

— Viktor é um gato, mas também é mais fechado que cofre de banco. Eu chamo de "chefinho" para quebrar o gelo. — explicou.

Ela também me passou informações sobre a empresa, os funcionários e o chefe.

• O Sr. Hopkins era o porteiro, ela sempre o cumprimentava com "bom dia, como vai Sr. Hopkins".

• Jessy Sullivan, a secretária, eram amigas e fofocavam sempre, ela provavelmente descobriria e não havia problema em contar.

• Viktor Bresson, o chefe, nas palavras dela: "cara gostoso e incrivelmente chato", trocavam poucas palavras e a maioria apenas ordens.

— O sr. Bresson não gosta que vamos de forma muito extravagante, então evite cores muito fortes. — ela olhou para mim.

— Acho que isso não vai ser um problema, no seu caso você vai ter que exagerar um pouco mais que o seu costume. E quanto ao serviço, tenho certeza que vai se adaptar bem, você só precisa organizar a agenda, atender telefones e bem, ajudar no que for preciso... você é uma advogada, vai tirar de letra. — olhou para a tela do telefone. — Tenho que ir agora, não esqueça que precisa chegar às 8 horas e que o chefe gosta de café puro sem açúcar. Ah, antes que eu me esqueça, aqui estão as lentes de contato no tom dos meus olhos, assim ninguém vai desconfiar.

Ela havia pensado em tudo. Minutos depois ela voltou para deixar a chave do apartamento comigo, para que eu pudesse pegar roupas dela ou em caso de alguma emergência.

Não queria pensar muito no quão louco era aquela ideia, mas muitas coisas poderiam dar errado. Se o chefe dela descobrisse... Bem nesse caso até eu tentaria encontrar um velho rico.

Minha intuição me dizia que toda essa mentira seria o ato inicial que mudará tudo em minha vida. E se mudaria para bem ou para mal, dependia das minhas escolhas e atitudes e bem, como saber quais são as escolhas certas na vida? Apenas sei que mesmo com medo, terei que enfrentar o que vier. Não dava para voltar atrás.

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