Capítulo 6

No dia seguinte, pela manhã, Bernardo tinha passado em nosso quarto: Raphael estava reagindo a medicação de forma “promissora”, porém iria precisar ficar no hospital por mais alguns dias, e eu poderia sair naquele mesmo dia, sob condição de que ficaria em repouso durante mais três dias em casa.

           - Estamos entendidos? – Bernardo disse me olhando.

           - Sim, Bernardo. Estamos entendidos – digo sorrindo enquanto assino os documentos. Bernardo dá de ombros e sai da sala nos deixando apenas com Agatha que ri e pede desculpa.

           - E quem cuidará de você nesses dias, Luis – ela pergunta depois que eu entreguei os papéis.

           - Realmente, essa é uma pergunta muito importante, Agatha – Raphael brinca e se mostra tão interessado quanto Agatha.

           - Cala a boca, Raphael – digo rindo.

           - Acho que poderia ser aquele menino chamado Miguel, sabe Agatha? O Lui parece gostar dele – Raphael brinca e ri ainda mais alto.

           - Eu não gosto de ninguém, até parece que tenho 16 anos. Eu vou encontrar alguém, Agatha, não se preocupe tanto – digo fingindo estar bravo enquanto olhava para Raphael, que ria ainda mais.

Porém, de repente as gargalhadas gostosas de ouvir se transformaram em fortes tosses que depois de algum tempo jorravam sangue na água que Agatha lhe dava. Antes de qualquer pensamento nosso, ela chama a equipe e todos colocam Raphael em uma nova maca, correndo pelo corredor com ele, junto com Bernardo que grita termos médicos ordenando para as enfermeiras injetarem alguns medicamentos nele. Sinto medo por Raphael, afinal a um minuto atrás estávamos brincando e ele estava totalmente bem, mas agora corria para a sala de cirurgia sem saber ao certo o que estava acontecendo.

(...)

Enquanto eu esperava ouvir notícias de Agatha sobre Raphael, mando mensagem para Miguel confirmando que saíra daqui a duas horas. No dia anterior, antes de dormir, Miguel me ligou perguntando como eu estava e conversamos por algum tempo, mas eu não havia comentado com ele que sairia no dia seguinte.

Luis: Bom dia, Miguel. Tudo bem?

Miguel: oii, tudo sim e você???

Luis: Estou bem. Então, eu saio hoje

Miguel: sério? Que notícia ótima!!!

Miguel: que horas você sai? Eu posso ir até aí e te acompanho até sua casa

Luis: Pode ser sim, saio daqui a duas horas

Miguel: ok, até daqui a duas horas então hahahaha

(...)

Na hora de sair, Bernardo me obriga a sentar em uma cadeira de rodas e esperar.

           - Podemos pelo menos esperar lá fora? – pergunto para Bernardo que concorda e entra em uma sala aleatória.

           - Como você consegue trabalhar com médicos tão arrogantes como ele? – pergunto indignado para Agatha.

           - Depois de um tempo você acaba se acostumando. Mas ele se preocupa de verdade com os pacientes, apenas é bruto mesmo... Mas é uma pessoa incrível fora daqui – diz sorrindo, como se estivesse apaixonada por ele.

           - Você disse como se estivesse apaixonada por ele, eu hein. Existem alguma coisa rolando nos quartos de descanso dos médicos, é? – digo rindo, e Agatha me dá um pequeno tapa no ombro. Entramos no elevador e ela aperta o botão que indica o térreo do hospital, me ignorando por algum tempo.

           - Não estamos em Grey’s Anatomy, Luis. Eu e o doutor Bernardo estamos juntos a alguns meses, mas apenas fora do hospital – ela diz envergonhada e corando aos poucos.

           - Que legal, felicidades para vocês. Formam um casal bonito, espero que ele nãos seja um pé no saco fora daqui mesmo – digo rindo enquanto saímos do elevador e vamos para a recepção, que não era muito longe.

           - Ele é ótimo, pode acreditar! – ela ri e sinto que se solta um pouco mais, como se estivesse tranquila em conversar cobre aquilo. - Mas e você, mocinho? Não está rolando nada entre você e aquele menino bonito do cabelo comprido? – diz se referindo à Miguel.

           - Não, não temos nada mesmo – digo cortando o assunto quando vejo Miguel na entrada do hospital.

Ele estava inquieto, batendo sem parar o pé esquerdo. Usava uma camisa preta, uma calça jeans colada ao corpo e um casaco amarrado na cintura. Seu cabelo caia sob seus ombros enquanto seus olhos brilhavam e seguiam as crianças que brincavam no playground em frente ao hospital.

           - Será mesmo? – Agatha ri e me empurra até a entrada do hospital. Miguel ao me ver, sorri e abre os braços para um abraço, logo desfazendo o sorriso e demonstrando uma certa preocupação.

           - O que houve? Você está na cadeira de rodas! – Miguel diz antes de qualquer coisa.

           - Ordens do doutor Bernardo, não se preocupe – Agatha diz.

Saio da cadeira com cuidado, seguindo as ordens de Bernardo e Agatha, e fico ao lado de Miguel parado esperando irmos embora.

           - Cuide-se, Luis. Qualquer coisa estamos aqui!

           - Eu gostaria de saber se posso voltar para ver o Raphael – pergunto apreensivo.

           - Sim, claro que pode, o horário de visita é das 14:00 às 18:00. Mas fique essa semana em casa, por favor. – Agatha diz e eu me sinto perdido, pois quero saber como Raphael estará ao sair da sala de cirurgia, estava preocupado com tudo desde o ocorrido.

           - Você pode passar meu número para ele então? Eu quero saber como ele estará depois da cirurgia. Por favor – digo com os olhos em lágrimas. A enfermeira concorda e sigo andando com Miguel para o outro lado da rua.

           - Quem é Raphael? – Miguel pergunta sorrindo para mim.

           - É o menino que estava na cama ao lado da minha, depois que você saiu a gente criou uma amizade. Ele começou a tossir sangue hoje e foi para cirurgia – digo voltando a me preocupar com Raphael, mas Miguel me distrai com algum comentário sobre o hospital.

           - Desculpa a bagunça, faz alguns dias que não venho aqui.

           - Tudo bem, Luis. Deixe-me te ajudar a sentar no sofá – Miguel sorri e me ajuda a sentar com cuidado.

- Você está com fome? – Miguel me pergunta olhando para a cozinha, que fica ao lado da sala. E sinto que era ele quem estava com fome.

           - Sim, que tal pedirmos algo para comer? Acho melhor não mexer em nada nessa cozinha, preciso arrumar certinho tudo – digo sorrindo e com vergonha da bagunça que minha casa está. Olho em volta e vejo roupas sujas por todos os lados, assim como uma grande pilha de louça na pia da cozinha.

           - Claro, o que você quiser fazer – concorda senta-se ao meu lado no sofá. – Então, o que houve com seu novo amigo? – Miguel pergunta depois de pedir comida por algum aplicativo moderno.

           - Você está perguntando como ele foi parar no hospital ou o que houve para ele ir às pressas à cirurgia? – pergunto sorrindo enquanto coloco meu celular para carregar.

           - Os dois – Miguel diz rindo enquanto procura o controle remoto da pequena televisão de plasma que eu ganhei de presente dos meus padrinhos, quando disse que iria embora daquela cidade.

           - Ele e um amigo foram vítimas de homofobia a alguns dias. Pelo que eu entendi, um grupo de homens violentos começou a esmurrá-los só porque eles estavam andando de mão dadas na rua... – digo e lembro do rosto aterrorizado de Raphael enquanto me contava essa péssima lembrança.

           - Não acredito que foi por causa disso!

           - Sim, eu fiquei desse mesmo jeito quando ele me contou – digo triste por ainda lembrar de Raphael, e dessa vez adiciono a minha preocupação com sua cirurgia urgente.

           - Mas e o amigo? – Miguel pergunta e mesmo sem eu responder de imediato, percebo que ele entendeu o que houve com ele por conta de minha expressão triste. – Eu não consigo entender isso, sabe? – disse levantando-se e caminhando até a janela, observando o fim de mais um dia ensolarado.

           - O que? – pergunto encarando a mesma janela que Miguel encara. Parece que eu e ele estávamos compartilhando o mesmo sentimento.

           - O fato de sermos odiados por amarmos – disse ainda virado para a janela. – Eu sinto muito pelos dois, não tenho ideia do que seja perder o verdadeiro amor – disse, dessa vez virando para mim com os olhos cheios de lágrimas, prestes a caírem.

           - Eu também não. Na verdade, não tenho nem ideia do que é ter um amor – digo ainda encarando a janela.

           - Nem eu – Miguel diz olhando para mim e antes que ele diga qualquer outra coisa, a campainha toca e eu dou um pulo do sofá, sentindo meu coração aumentar o ritmo de batimento a cada segundo.

Miguel atende e anuncia, em meio a risos e comemorações, que nosso lanche acabara de chegar. Não conseguia entender por que eu ainda sentia vergonha por ele estar ali comigo, me sentia corando a cada palavra dita por ele.

           - Então quer dizer que você nunca teve uma namorada? – digo enquanto assisto Miguel lavar a imensa pilha de louça que estava em minha pia. Antes de tudo isso, insisto para ele me permitir lavar a louça ao invés dele, mas percebo que é uma batalha perdida.

           - Não! – ele ri e joga um pouco de espuma em mim, que estou sentado a poucos passos dele – E muito menos um namorado – diz um pouco envergonhado, dessa vez não virando ou me jogando qualquer coisa de brincadeira.

           - Como não? Você é lindo, Miguel. Eu tenho certeza de que muita gente já teve interesse. – digo com total certeza.

           - Sim, tem razão, muitas pessoas já tiveram interesse. Mas eu nunca me interessei por ninguém... Tudo o que rolou foram apenas alguns beijos e coisas assim, na época do colégio ainda – ainda virado Miguel tenta mudar de assunto, aquela conversa estava o deixando nervoso, tanto que quase derrubara um copo de vidro no chão. – Mas e você, príncipe Luis? Tenho certeza de que já arrasou alguns corações por ai!

           - Eu? Não, absolutamente não! – digo rindo.

           - Como não? – insiste.

           - Nunca namorei, nem me envolvi com ninguém. Acho que o máximo que posso chamar de relação, foi uma sequência de beijos com um menino no fundamental, só isso – digo rindo e tentando evitar ao máximo lembrar de que meu primeiro contato sexual, infelizmente foi a força... E da pior maneira do mundo.

           - Mas eu tenho certeza de que alguém já gostou de você! Qual é, Luis, você é demais! – Miguel se vira comemorando pelo término da louça.

           - Se gostou, eu não sei – digo rindo e arrumando a mesa, o que era a única tarefa que fui autorizado a fazer por Miguel.

           - Vem, vamos assistir alguma coisa! – Miguel diz me puxando pelo braço para o sofá.

           - Miguel, já são 20:00, não é melhor você ir embora? – digo mostrando a hora em meu celular.

           - Eu vou dormir aqui, Luis – diz com os olhos grudados na televisão enquanto procura algo na Netflix.

           - Miguel?

           - Luis?

           - Miguel? Você não precisa fazer isso, sério!

           - Luis, você nunca vai conseguir ser mais teimoso que eu – Miguel ri passa seus longos dedos em meu cabelo já bagunçado. – Além de que você precisa realmente de ajuda aqui – diz estendendo o braço para a bagunça que ainda está no apartamento.

           - Mas... – Miguel me interrompe.

           - Mas nada, amigo. Vou dormir aqui nos próximos três dias, e antes que você diga alguma coisa sobre minha vida, não se esqueça que hoje é sexta-feira – ele sorri e volta a escolher algo na televisão.

A pior coisa de estar com uma costela quebrada e sentindo dor pelo corpo todo é o fato de você não conseguir tomar banho sozinho. Miguel e eu estávamos a duas horas assistindo uma série aleatória da Netflix e mesmo que eu sentisse que precisava tomar banho, não gostaria de ter que me submeter a pedir sua ajuda para isso.

           - Aonde você vai, Lui? – Miguel pergunta enquanto se espreguiça no sofá, pausando a série que assistíamos.

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