Capítulo 5

  - Luis – Miguel chama e levo meus olhos, que até então estavam grudados no céu azul do lado de fora daquele hospital, para Miguel, que sorri e quer dizer algo.

           - Fala, Miguel – digo prestando atenção.

           - Eu preciso ir para casa, avisar minha mãe onde eu estou e onde passarei os próximos dois dias – Miguel diz com seu tom de voz bem baixo, para não atrapalhar o sono do garoto da maca ao lado.

           - Próximos dois dias? Miguel, você não vai passar dois dias aqui comigo, sério, não precisa! – digo tentando não aumentar o tom de voz para parecer sério e confiante. Gostava da companhia de Miguel, mas era loucura alguém passar dois dias no hospital com alguém que conheceu a dois dias.

           - Não vejo problema, Luis. Não me incomoda estar aqui, você se incomoda com minha presença? – Miguel diz com um pouco de insegurança na voz, o que me deixa com um pouco de culpa por tentar “expulsá-lo” de lá. Mas ele não estava entendendo que era loucura estar ali tantos dias, sendo que ele tinha família e provavelmente coisas de verdade para resolver.

           - Não, claro que não. Você é um amigo maravilhoso e digo isso com segurança. Mas você não precisa mesmo ficar aqui comigo, eu vou ficar bem. Você deve ter coisas para resolver, trabalho, faculdade... Não sei... Alguma coisa – digo tento cuidado para não parecer um pouco grosso com Miguel. Um dos meus muitos defeitos era esse, não conseguia distinguir meus sentimentos e acabava expressando um modo de ser diferente do que pensava na hora.

           - Sim, eu trabalho em uma livraria, mas eu posso pedir para alguém me cobrir! – disse empolgado e tentando ser útil.

           - Miguel, eu sei que você não quer que eu me sinta sozinho, mas você não precisa fazer isso, vai por mim. Por favor, vai embora – meu coração pesa ao dizer isso, mas era a única maneira dele entender realmente o que eu queria dizer – Você pode anotar meu número e eu te aviso quando for a hora de eu sair daqui, tudo bem? – Miguel concorda, mas sua expressão muda para uma mescla de tristeza e decepção. Ele era uma pessoa incrível e eu o queria em minha vida, mas não tinha o direito de privá-lo de viver sua vida enquanto eu estivesse em uma maca hospitalar.

- Então eu vou embora agora, tudo bem? Qualquer coisa que precisar, pode me m****r mensagem, amigo. – Miguel diz ao me entregar um papel com seu número anotado, e sai do quarto, em silêncio.

Miguel Rogers – +55 04798756-4312 <3

Ao Miguel sair do quarto, adiciono seu número em minha lista de contatos e tenho um momento comigo mesmo. E pela primeira vez sozinho, choro durante alguns minutos. Sei que as lágrimas não iriam apagar tudo que aconteceu comigo nos últimos três dias, mas eu sentia que de alguma forma, aquilo acalmaria tudo que meu peito sentia. Toda dor e vergonha que eu sentia, estava sendo aliviada naquele momento e eu estava bem comigo mesmo, pelo menos por alguns minutos.

           - Você também chora para aliviar? – o menino da maca ao lado diz em voz alta, sem se virar para mim.

           - Às vezes – digo sem olhar para ele também. O menino vira devagar e dolorosamente e olha para mim, sorrindo.

           - Desculpe por estar um pouco estressado hoje, com você e seu namorado... Estou a duas semanas nesse lugar – ele disse sorrindo e tentando se ajeitar na maca, porém não estava tendo muito sucesso.

           - Você quer ajuda? – pergunto.

           - Acho que assim como eu, você não consegue se levantar tão rápido para me ajudar – ele brinca e nós dois rimos, porque essa é a mais pura verdade. Mesmo sem dor, meu corpo não estava 100%, na verdade, nem 30%.

           - É, você tem razão – respondo rindo, assim como ele.

           - AGATHA, PODE VIR AQUI? – ele grita para a enfermeira que surge na porta do quarto, mais rápido que eu provavelmente iria chegar.

A enfermeira, Agatha, ajuda-o a se arrumar e lhe entrega alguns comprimidos para dor. Também checa seus batimentos e outras coisas que todo médico faz ao entrar na sala de um paciente. Ela era uma jovem adulta, muito bonita, de descendência espanhola, possivelmente. Tinha um grande cabelo castanho escuro e uma pele bronzeada naturalmente. Seus olhos grandes e pretos nos acolhiam, sem que ela dissesse uma só palavra e seu sorriso era reconfortante.

Agatha também checa meus batimentos e minha dor e ao perceber que está tudo bem conosco, sai do quarto sorrindo e rindo de uma brincadeira feita pelo menino, que se mostra muito alegre e vibrante... Oposto do que Miguel e eu conhecemos algum tempo atrás... Talvez fossem os remédios e o fato de estar preso em uma cama de hospital por, sabe se lá Deus, quanto tempo.

           - Ele não é meu namorado – digo ao ver Agatha sair.

           - Não? – o menino diz confuso.

           - Não. Porque, parece? – pergunto intrigado e confuso, pois em minha cabeça, não parecia nem um pouco.

           - Eu achei – ele ri e respira fundo, depois de sentir uma pontada em seu estômago e colocar a mão tentando estocar a dor. – Ele parecia muito preocupado com você – termina.

           - Sim, acho que ele estava mesmo. Mas somos apenas amigos, nos conhecemos a dois dias – rio e observo sua cara confusa.

           - Dois dias? Como assim? – ele diz ainda confuso.

           - Sim, ele foi o estranho que me ajudou e trouxe aqui, quando eu esbarrei ensanguentado nele – digo torcendo para que ele não pergunte o que aconteceu para que eu ficasse assim, mas pressentia que ele iria perguntar.

           - Que ótimo! Ele deve ser uma pessoa maravilhosa, queria encontrar alguém assim quando eu estava todo machucado na rua – ele disse avoado e tenso, como se lembrasse o que tinha acontecido com ele. Conhecia esse sentimento e essa expressão, era exatamente isso que ele estava fazendo.

           - Mas... O que houve com você? – pergunto depois de alguns minutos em silêncio e torcendo para que ele não me ache intrometido.

           - Eu estava andando de mãos dadas com um amigo, perto de uma universidade daqui, e chegou um grupo de homens nos xingando... Quando percebemos, estávamos sendo chutados por muitos homens. – ele disse enquanto encarava a parede, como se naquele momento, se tornasse um fantasma.

           - Nossa, sério? – pergunto horrorizado e me perguntando onde está o amigo.

           - Sim, moramos em um país que mais mata pessoas LGBTs, então isso é comum, infelizmente! – ele diz soluçando e chorando muito.

           - Mas e seu amigo? – pergunto chorando junto com ele.

           - Ele morreu – respira fundo e continua soluçando – O dono de um restaurante ligou para a emergência e chegamos aqui juntos... Eu fiz algumas cirurgias, mais não sofri tanto quanto ele, que teve traumatismo craniano por conta dos chutes que levou na cabeça. Os médicos tentaram de tudo na neurocirurgia, mas ele teve morte cerebral... Pelo menos sua família optou por doar todos os órgãos... E eu sei que ele ajudou muitas pessoas, mesmo depois da morte – ele termina chorando e sorrindo, ao lembrar desse amigo. Me sinto mal e desconfortável depois de ouvir tudo isso... Nunca em toda minha vida, pensei que essa realidade faria parte da minha, mas lá estava eu: uma vítima de abuso sexual ao lado de uma vítima de homofobia.

           - E-eu sinto muito... Sei que não faz diferença nenhuma, mas eu sinto muito – digo triste, tentando ser o mais compassível possível, mas sei que nessas horas, nada do que dissermos vai aliviar a dor. A dor de perder alguém só pelo fato de sermos diferentes.

           - Tudo bem! – diz limpando as lágrimas do rosto – Ele não iria querer que eu ficasse chorando e me menosprezando... Estamos em um país preconceituoso, precisamos lutar dia após dia pelo nosso espaço de fala, e quando eu voltar as ruas, voltarei por ele. – diz vibrante e eu sinto orgulho pela sua existência – Mas e você, por que está aqui? – diz ainda limpando seu rosto, com as palmas das mãos.

Mesmo que eu sentisse medo e vergonha ao pensar em contar o que me aconteceu, não poderia deixar de compartilhar isso com ele... Não pelo fato dele ter contado sua história, mas por ele ser tão inspirador e forte ao ponto de usar a própria dor e o luto em prol daqueles que ainda sofrerão.

           - Eu fui vítima de um abuso sexual – digo tentando ser forte como ele e não começar a chorar novamente, mas sinto que começo a falhar.

           - Certo, isso é uma droga!

           - É, assim como sofrer homofobia.

           - Mas, como você está?

           - Na verdade eu não sei... Alguns policiais vieram aqui e me ouviram... E agora vão começar uma busca em toda região... Mas eu me sinto sozinho e assustado, sabe? – digo e começo a chorar com mais intensidade, pois era a primeira vez que falava aquilo em voz alta.

           - Acho que isso é tão normal quanto você imagina. O fato de você se sentir culpado e sozinho diante a tudo que aconteceu... Mas você vai ficar bem, nós vamos, certo?

           - Sim. Nós vamos todos ficar bem – digo chorando.

           - Agora vamos parar com essa choradeira. Me chamo Raphael e você? – disse sorrindo e tentando me fazer sentir-me bem naquele momento.

           - Prazer, Raphael. Eu sou o Luis – digo sorrindo, tentando fazer o mesmo com ele.

           - Muito bem, Luis. Parece que você tem alguém para conversar agora – ele ri.

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