#Madalena
Eu estava inquieta. O dia tinha passado rápido entre meus afazeres, depois daquele momento no salão não senti mais a presença do conde. Aproveitei que terminei cedo minhas atividades e liguei para Bella, até porque eu conhecia bem a minha amiga para saber que se ela não tivesse notícias minhas era capaz de aparecer por aqui com a polícia.
Dou risada com essa imagem. Mas, como nem tudo são flores, durante o jantar da noite a senhora Robinson nos deu a notícia de que o conde não autorizou a nossa confraternização natalina.
Fiquei triste e inconformada.
E foi por isso que agora estou virando de um lado para o outro na cama sem consegui dormi. Eu queria confrontá-lo. Queria pedir que reconsiderasse.
Era algo importante pra mim. Mesmo depois que me mudei para Londres e em meio a todas as dificuldades, nunca deixei de celebrar o natal, as vezes com Bella e sua tia, ou no orfanato no qual sou voluntária.
Era uma forma de manter a memória dos meus pais viva. Eles adoravam essa época do ano, minha mãe sempre preparava uma ceia deliciosa e meu pai e eu organizávamos o recital de natal.
Sorriu com as lembranças deles e a saudade faz meu coração ficar apertado. Às vezes me pego pensando como seria minha vida se não tivesse ocorrido o acidente...
Se eles ainda tivessem por aqui...
Suspiro e decido levantar. Pego meu robe e visto por cima da velha camisola vermelha. Abro a porta e o corredor está completamente escuro, vou me apoiando na parede até a cozinha.
_ Droga! _ exclamo ao bater meu pé no que parece ser um centro. Eu e a minha atração por acidentes.
Continuo meu caminho até a cozinha e me sento na cadeira fria. Não acende a luz. Eu sei que ele não se aproximaria se ela estivesse acesa. Fico quieta e sinto meu coração acelerar na expectativa.
Não sei exatamente quanto tempo passou, mais sei o exato momento que o conde adentrou o cômodo. Sinto um arrepio percorrer meu corpo, e, de repente, tive medo dele.
Respirei fundo e fiquei criando coragem para falar. A presença dele preenchia aquele lugar, um mistério o envolvendo.
_ Quero pedir que reconsidere sobre o natal! _ disse ainda de costas para ele.
Pensei que ele não iria me responder depois que se passou alguns instantes sem que se pronunciasse.
_ E porque eu deveria fazer isso, senhorita? _ sua voz grave invadiu meus ouvidos, sem deixar passar a ironia do 'senhorita'.
Me virei em sua direção e apesar da escuridão, era possível ver a sua silhueta e ele parecia ainda maior do que na noite anterior. Inconscientemente dei um passo para trás que não passou despercebido.
_ Porque é uma época especial, que celebramos a vida e a oportunidade de estarmos juntos. É a celebração da esperança e da generosidade. _ disse a ele.
Como resposta ouvi uma gargalhada amargurada.
_ Acha que eu tenho algo para agradecer, senhorita?! Pois eu não tenho e acredito que você sabe o porquê já que parece ter a mania de se meter onde não é chamada.
Sério?! Ele me chamou de intrometida?!
_ Pois eu acho que o senhor tem muito a agradecer sim. Apesar de tudo está vivo e isso é o que importa. _ disse me aproximando mais dele, foda-se o medo.
_ Você não sabe de nada, garota. _ ele disse com raiva. _ está vivo é o meu castigo.
_ É agora que devo senti pena do senhor? _ perguntei arqueando uma sobrancelha. _ porque se espera isso de mim, está enganado. Lamento o que houve, de verdade, mas não pode se fazer de vítima o resto da vida. infelizmente fatalidades acontecem e não foi só com o senhor.
Minhas palavras parecem tê-lo deixado com raiva e senti suas mãos fortes apertarem meus braços. O seu toque me deixou arrepiada, em partes de medo e a outra eu não sei explicar.
_ Deveria medir suas palavras, senhorita! _ ele disse com o tom de voz mais rouco e um tanto assustador. _ você deve saber que eu não sou muito bom com pessoas... sabe o que dizem de mim não é de tudo mentira.
Sério que agora ele quer me fazer sentir medo dele?! Engulo em seco com a ameaça explicita em sua voz e respondo:
_ Bom, dizem que o senhor é assustador, que ataca quem lhe incomoda com sua arma e, se não estou enganada, até come criancinhas indefesas. _ disse e não pude evitar o sorriso de descrença no final.
_ E você não acredita nisso? _ ele perguntou sarcástico, mas pude senti uma certa curiosidade nele.
_ Não. Pelo menos, acredito que sua dieta esteja mais para massas e carnes animal, já que dona Catarina parece amorosa demais para cozinhar crianças. _ disse e pude sentir um sorriso se formar naquele que consistia em um mistério para mim.Estranhamente, eu gostei da sensação de vê-lo relaxar perto de mim. Suas mãos me soltaram suavemente e senti falta do calor que emanavam delas.
_ Nem tudo é verdade, senhorita. Mas, ainda sou o conde desfigurado e antissocial. _ ele disse e pude senti mágoa em suas palavras.
Dor.
_ Colocou mesmo o homem para correr daqui com uma arma?_ perguntei para matar minha curiosidade.
Ele riu.
O conde misterioso riu.
De verdade, sem qualquer sarcasmo.
E eu fiquei feliz.
_ Ele era um idiota e queria ganhar prestígio com os amigos babacas as minhas custas. Dei a ele um motivo para não tentar novamente, e deixar gente como ele longe de mim.
Sorri para ele.
_ Deve ter sido engraçado e pelo visto sua estratégia funcionou. _ disse indo em direção a garrafa térmica com chocolate quente que dona Catarina tinha feito mais cedo. Serve duas xícaras, tateando com a pouca luminosidade do lugar. Estende uma para ele e me surpreende ao vê-lo aceitar.
Bebericamos o chocolate em silêncio. Não um silêncio ruim, só silêncio.
_ É uma época importante para mim, o natal. _ eu disse quebrando o silêncio. _ também não tive um ano fácil, mas mesmo assim sinto a necessidade de agradecer por poder respirar, por poder continuar lutando, pela esperança de um amanhã melhor.
_ Talvez esse amanhã nunca chegue, senhorita. _ ele disse pesaroso.
Me virei para aquela figura imponente a minha frente. Era tão estranha a sensação de querer diminuir a sua dor, de trazer luz para ele.
_ Madalena. Meu nome é Madalena. _ disse para ele e completei, _ a nossa manhã melhor somos nós que construímos. Eu não vou desistir da minha e nem o senhor deveria.
Ele não falou mais nada. Terminamos em silêncio nosso chocolate e depois eu me retirei ao meu quarto. Não pude evitar pensar nele quando fechei meus olhos aquela noite, o misterioso conde preencheu meus sonhos.