A Última Orquestra
A Última Orquestra
Por: Artemis Cassana
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O sol era intenso, e mesmo que os raios causassem certo incômodo com a quentura de meio dia, seus dias já se encontravam nublados a muito tempo e era só questão de tempo até a tempestade começar a ruir. Embora os sintomas derivados escassos, suas visitas ao hospital eram sempre por incentivo de sua mãe ou Cassiel, já que a vida para ele havia se tornado um quadro preto e branco monótono desde a partida de alguém que achou que seria presente por toda sua vida. Não que aqueles que partiram antes se tornaram irrelevantes, mas fora só mais um peso para que afundasse e se encontrasse no fundo do poço, onde muito mal chegava ar e luz.

Visto que as crises de ansiedade se tornavam severas, Alaric acabou por se isolar mais do que já havia feito, não era justo com as pessoas que o conheceram a anos atrás conhecessem uma versão desestruturada do que um dia já foi um um homem em pleno estado de sucesso. Ainda que administrasse a fábrica de tintas da família, já tinha tempo que não enxergava mais cor em nada.

Parecia uma piada, ele vendia cores e arco-íris para as pessoas enquanto sua vida ia ficando cada vez mais desbotada, como uma peça de roupa após lavá-la por tantos anos.

- Rowen? - A voz o tirou de sua reflexão melancólica diária, seus olhos captaram o sorriso meia boca de Olivia ao passar os olhos por ele - Venha!

Olivia Rysand vinha sendo médica da família a anos, desde que era somente uma criança para ser mais sincero. Acompanhou o sofrimento de Amara a muitos anos assistindo-a perder primeiro o marido, depois o filho mais velho e agora perdendo o único filho aos poucos. Alaric percebia que mesmo sendo médica, ela também sofria, não só por conhecê-los a tanto tempo, mas porque havia mais empatia em seu coração do que poderia caber.

Mas não foi como palavras de Dra Rysand que o sentenciaram ao que ele já desconfiava, mas sim o olhar de pena e lamentação que ela lhe dera quando passou pela porta barulhenta de sua sala.

- Bom dia, como tem ido? Me parece melhor - Ela exclamou feliz, mesmo que ele ainda pudesse enxergar a tristeza por trás da falsa felicidade.

- Já passam do meio dia, então ... Boa tarde —Retribuiu com a face assintomática.

Olivia puxou um aglomerado de folhas na mão chamando a atenção dos olhos bicolores de seu paciente enquanto ela os depositava na mesa. Viu a saliva descer por sua garganta confirma qualquer dúvida que ele carregou ao entrar ali.

- É verdade - Ela confirmou. Nada a preparava para aquilo, com um paciente qualquer teria sido profissional mas como o conhecia a tanto tempo, era como dar o laudo de validação ao seu próprio filho. Respirou fundo tentando encontrar uma palavra por onde começar. Sabia que Alaric nunca fora um homem de rodeios, mas por mais crítica que fosse a situação ela deveria ter a maior empatia possível, mesmo depois de ter dito que preferia a morte verificada de vezes, ele era humano e Era dever dela fazer com que ele sentisse essa transição de forma mais natural possível, mas ainda sim não existia formas naturais de contar para um homem que seu ciclo de vida estava se tornando mais curto a cada segundo, mas curto do que deveria ..

- Não precisa rodear, você sempre foi péssima em esconder as coisas.

Ela arregalou os olhos soltando o ar preso em seu peito.

- Sinto muito Alaric ... Eu não-

Ele levou a mão aos cabelos negros e desorganizados numa maneira de evitar que atrapalhasse sua visão.

- A morte um dia chega para todos, eu sou só mas um.

- Não viva como se já teve partido. Ela se foi Alaric, mas você não - O rosto agora inexpressivo masculino já havia dado lugar a um sorriso contagioso quando ele acompanhavava Charice nas consultas, mas a medida que cada exame era feito, o sorriso afrouxava e ele parecia se esvair junto com ela. - Então viva o pouco que lhe resta.

- Quanto tempo ?

- Acredito que doze meses, é difícil saber ao certo. Pode ser mais ou ...— Respirou.

- Menos. - Ele completou.

Olivia tirou os óculos de armação branca os depositando na mesa quando socorro como primeiras lágrimas descerem. Havia dado a noticia do falecimento de seu pai quando um ataque fulminante do miocárdio o atingiu em cheio, quatro anos depois dera a família Rowen a notícia da morte de seu irmão mais velho acabando com o pouco psicológico que havia sobrado desde a morte de seu pai , Dylan dormiu no volante enquanto voltava com a noiva para dar a mãe a notícia de que já carregavam o primeiro neto, foram oito meses em coma antes da morte cerebral, tendo Alaric a responsabilidade de assinatura dos documentos para desligar os aparelhos que alimentava seu corpo inerte, pois sua mãe se recusava ao fazê-lo.

- Meu pai, Dylan e logo depois ela. Não tenho intenção de construir o tempo que me resta. - Ele quase sussurrou como se tal assunto fosse proibido

- Como acha que Amara se sente vendo você desse jeito? Ela queria como eu-

Alaric assumiu uma posição dura quando a viu tentar administrar palpites que não cabiam a ela.

- Eu fiz a quimioterapia, fiz as transfusões, regrei a minha vida com todos os hábitos que foram solicitados, absolutamente tudo o que vocês me pediram, mesmo não querendo. Mas me pedir pra sorrir enquanto tudo que o que me sobrou são cinzas, já é demais.

- Amara não é nada pra você? Dê a sua melhor versão, pois será essa que ela ira guardar quando partir.

- Não existe melhor versão. - Se ajeitando a blusa branca social. Pôde jurar que a gola da roupa social azul marinho o sufocava, mas na verdade era toda aquela situação. Sempre exista que morreria de surpresa, nunca achou que havia uma probabilidade de ter uma data especial como uma data comemorativa fosse acertada com um deus que ele não acreditava mais, pois como únicas duas vezes que o pediu algo, lhe foi negado e arrancado sem piedade . - Não inventarei um homem que não existe.

- Não estou pedindo pra reinventar, estou pedindo que não seja egoísta, todos vocês perderam alguém, mas no final, sua mãe será a que sofre mais do que qualquer um.

Ele se oferece, vestido uma feição nostalgica.

- O ser humano já nasce sabendo que vai morrer, então porque tanto alarde? - Boa pergunta, que infelizmente não seria respondida.

Ele abriu a porta sem se importar um pouco com Olivia, seus olhos opacos ralhavam pelo lado externo do corredor onde tinha toda a visão do pátio ao ar livre do hospital.

- Você me pediu pra tentar e eu tentei, então ... me deixe em paz.

Os pedidos que fez a Deus foram apenas para que mantesse a vida de quem mais amou, em resposta, um a um de seus desejos lhe foram negados. E agora como ironia do destino ele pedia com urgência pela morte quando um dia, tudo oque mais desejou foi a vida.

Cada um que partiu se foi deixando apenas o vaso oco do que um dia já havia sido uma estrutura de um grande homem e agora era somente restos.

(...)

Ao ir para velórios quando era menina, seu pai dizia-lhe para tomar um banho de água corrente assim que chegasse em casa para afastar maus espíritos. Desde então nunca gostou de velórios ou enterros, eles traziam uma melancolia que não era de seu feitio, sempre foi muito feliz e a tristeza que aquele tipo de lugar carregava não combinava com o sorriso que andava sempre pregado em seus lábios. Era quase sua marca registrada, além de seus olhos é claro, os famosos olhos castanhos que intrigavam qualquer um.

Depois que descobri a doença de seu pai, o sorriso que sempre carregava no rosto morreu com o tempo. A responsabilidade de gerir uma casa já que seu pai estava acamado, desestabilizado e não podia trabalhar agora somente dela, junto da responsabilidade de cuidar de uma adolescente de dezoito anos que às vezes temia dar mais trabalho que aquele que criou sozinho. Como as coisas se tornam necessárias quando seu pai piorou e descobriram que Elain se envolve com as pessoas que não deveriam, mas o chão só sumiu de seus pés quando seu pai faleceu em casa solicitando que cuidasse da irmã mais nova. Aprendeu naquele momento que os cemitérios não eram recheados de maus espíritos, eram na verdade o resto da esperança que as pessoas enterraram junto que havia partido dessa pra melhor.

Chorou fitando a lápide sobre o amontoado de terra que escondia o caixão de alguns palmos de madeira embaixo da terra. Com o nome do primeiro homem que amou na vida, seu pai. Se indagou incontáveis vezes porque Deus aquilo, pois a regra da semeadura era clara. Mas nunca havia parado de se indagar: O que ela havia plantado para colher tanta tragédia e tristeza?

Pegou seu telefone no bolso da calça jeans discando o número em sua memória.

- Oi, Daf .. - Respondeu com a voz fanha da outra linha, algumas fungadas de nariz eram audíveis.

Ela se afastou de alguns amigos que deixavam algumas rosas na areia batida.

- Porque infernos você não está aqui? - Ela disse, firme. - Onde você está?

Um suspiro lento foi ouvido.

- Por deus, eu não tô ... bem pra aparecer aí - Ela responde calma, calma até demais - Eu também tô sofrendo, não posso aparecer aí desse jeito ...

As sobrancelhas escuras se estreitaram sem sentido.

- Por deus? nosso pai morreu e você deixou de vir no enterro dele pra se drogar, é isso? Pelo amor de deus, Elain - A tristeza da perda era o suficiente, seu psicológico esgotado, o peso do último pedido de seu pai tilintava em sua solicitando mais cautela e atenção com alguém que era quase indomável. Já havia perdido seu pai, não aguentaria outra perda. - Ele não merece isso!

Ela era forte, mas não era de aço.

- Você fala como se só você estivesse sofrendo, eu também. - Ela se desculpava.

- Mais que ... merda, estou enterrando nosso pai sozinha porque a única coisa que consegue fazer quando se sente triste é ficar fora de sí.

- Porque tudo pra você é droga? Mas que porra! - A voz fanha ficou ainda mais alta.

Mesmo que tentasse buscar em sua vasta memória uma recordação da antiga versão sã de Elain, ela não conseguiria. Porque todas as lembranças ruínas do que sua irmã vinha fazendo eram ruínas o suficiente para apagar tudo o que ela já lhe fez de bom um dia.

A mais nova estava diferente, desde a idade, a mudança, os amigos e principalmente suas ações.

- Eu juro que prefiro pensar que você está fazendo isso por causa dessas coisas ilícitas , porque se eu botar na minha cabeça que você idade dessa maneira porque é assim ... Eu juro pela vida do meu pai que abandono você, Elain - Quando menos esperou como lágrimas ganhavam uma cara pálida novamente. A quantidade de água que havia bebido no último dia não era compatível com as horas que passara chorando. Estava esgotada. Muitos acontecimentos para um final de semana. Desligou o telefone antes mesmo que ela pudesse lhe responder, não queria mais ouvir a voz de Palmer mais nova, não só a mais nova como uma única que carregava o nome da família além dela.

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