Capítulo 7

Depois de pouquíssimas horas de sono, Winnie bate à minha porta dizendo que me esperam na sala de reuniões. Ela coloca um vestido sobre a cama, e depois vai abrir as cortinas para a luz do Sol entrar enquanto vou ao banheiro.

   Aqui em Alroy não existe creme dental, eles usam uma espécie de pó verde para a limpeza bucal, que possui um gosto muito forte de menta e eucalipto, e só saberei o efeito deste produto a longo prazo. A escova de dentes é muito parecida com a que eu tinha na Irlanda, porém um pouco maior e com as cerdas um pouco duras. Shampoo e condicionador? Não sabem o que é isso. Eles usam o bom e velho sabão neutro para absolutamente tudo.

  Termino minha higiene matinal e tento controlar o meu cabelo apenas com água, o que é uma missão quase impossível, devido ao frizz. Volto para o quarto e reparo no vestido que Winnie me ajuda a colocar; é absurdamente lindo, como o primeiro que usei quando cheguei aqui.

   A peça possui uma cor muito semelhante a de um champanhe, com fitas douradas espalhadas por todo o tecido, mas que não ficam penduradas; elas dão a volta no vestido, ora lisas, ora trançadas, o que lhe dá muito brilho. Há renda branca e dourada nas mangas, que são no estilo bufantes; seu corte quadrado, ombro a ombro, valoriza meu pescoço e aumenta os meus seios.

   Prendemos uma parte do cabelo e a outra fica solta com os cachos naturais nas pontas. O resultado me deixa realmente igual a uma princesa, me fazendo lembrar das produções cinematográficas que cresci assistindo na TV com minha irmã. Saímos em direção a sala de reuniões, e vejo Sean nos esperando ao fim do corredor.

  ㅡ O Rei está a sua espera, Princesa. ㅡ diz ao mesmo tempo em que faz uma reverência.

  ㅡ Acompanhe-a daqui, Sean, depois a leve para o café da manhã. ㅡ Winnie diz e ele acena, indicando com a mão para que eu o siga.

   Descemos para o segundo andar e viramos para a direita. Ao fim do longo corredor há dois guardas parados em frente a uma enorme porta dupla, o que me indica que aqui é a sala de reuniões do Rei. Quando chegamos perto eles fazem uma reverência e abrem as pesadas portas de madeira escura.

  E ele está lá, sentado em um trono, me olhando.

  Caminho calmamente, sem desviar meu olhar do seu, e ouço a porta se fechar atrás de mim. Olho em volta da sala, que se parece muito com um escritório, porém mais rústico. Há uma grande prateleira, cheia de livros antigos e pequenos animais empalados, cortinas azuis de veludo e janelas de madeira idênticas a da porta. Uma mesa de carvalho lisa e envernizada, com papéis e mapas espalhados sobre ela, toma todo o espaço do fundo do lugar… e o Rei está sentado, em seu trono, do outro lado.

   ㅡ Bem vinda. ㅡ ele diz, indicando uma poltrona para que eu me sente ㅡ Está se sentindo menos cansada no dia de hoje?

   O olho nos olhos, tão escuros que é impossível ver a pupila, e o vejo com uma sobrancelha levantada e um quase sorriso de deboche nos lábios. E que lábios... São grossos e perfeitamente desenhados em seu rosto; sua pele morena, da cor exata de um caramelo, é um pouco maltratada, mas dá o contraste necessário com seus cabelos negros que chegam a altura de seus ombros. Barba grossa, nariz protuberante e rosto quadrado completam sua fisionomia. Sua feição é séria, e suas grossas sobrancelhas lhe dão um ar de alguém que não gosta de ser contrariado. 

Pena que eu estou aqui então.

  ㅡ Na verdade, não. ㅡ respondo ao me sentar, e sorrio falsamente ㅡ Meu sono foi interrompido para que eu viesse a esta reunião. Então vamos logo direto ao assunto.

  ㅡ O assunto é a guerra. ㅡ ele diz, sério ㅡ Quero saber o que você irá fazer.

  ㅡ O quê? ㅡ digo, exaltada ㅡ Eu não faço ideia do que irei fazer! Eu acabei de chegar aqui, vim parar em um lugar que nunca imaginei que existisse, no meio de uma guerra que começou há séculos! Eu preciso de ajuda primeiro, depois irei ajudar e fazer o que for preciso.

  ㅡ Você quer ajuda? ㅡ O Rei se levanta, furioso, e praticamente grita ㅡ Esperamos por anos a sua chegada, e agora você se mostra uma verdadeira… inútil! 

  ㅡ Cala a sua boca! ㅡ grito, ao mesmo tempo em que soco a mesa a minha frente, ele arregala os olhos e suas narinas dilatam com ódio ㅡ Nunca mais ouse gritar comigo, você entendeu? ㅡ digo, meus dentes trincados enquanto tento controlar a minha respiração ㅡ Aqui nós somos iguais. Você precisa de mim, não o contrário, então me respeite. ㅡ esclareço com uma falsa calma, mas minha voz exala veneno.

   Ele volta a sentar em seu trono, que na verdade é uma enorme poltrona acolchoada, e fecha as mãos em punhos.

   ㅡ Vamos conversar civilizadamente ou não? ㅡ cruzo as pernas e sorrio, cínica,, com minha melhor voz no estilo empresária ㅡ Primeiro: quero saber seu nome. Você pode saber quem sou, mas eu só soube da sua existência depois que o portal já tinha se fechado e não havia mais saída. Segundo: você não manda em mim, então se levantar a voz comigo novamente eu queimo você até que sobre apenas cinzas. ㅡ falo com ódio na voz, mesmo sabendo que nunca faria isso, mas preciso manter o blefe.

  O Rei me encara por longos segundos, e sua expressão vai se suavizando aos poucos. Então ele sorri, apoiando o cotovelo no encosto da poltrona, sua mão fechada sob o queixo e a outra mão passa nos longos cabelos. 

A exata imagem de um homem diante de um mistério a ser desvendado.

   ㅡ Já chegou mostrando as suas garras... melhor assim, para não haver decepção futuramente. ㅡ ele diz e solta um pesado suspiro, como se estivesse fazendo um enorme esforço para ser um pouco cordial ㅡ Sou Alaric Annaduff, Rei de Alroy. E sim, já ouvi contarem sua história centenas de vezes, mas eu não sei quem você é de verdade. Não ainda, por enquanto, mas pretendo descobrir.

  ㅡ Ótimo. ㅡ digo e me levanto para andar pela sala, preciso aliviar a tensão que toma meu corpo com esta conversa ㅡ Bom, já que você começou com o básico... Sou Alhana Rois.

   ㅡ Davan. ㅡ ele me interrompe, me fazendo virar para olhar em seus olhos ㅡ Seu nome é Alhana Davan, não Rois. Pode até usar os dois, se desejar, mas seu sobrenome do outro mundo não será nada aqui para você.

   ㅡ Está vendo? Eu não conheço a minha própria história, e eu preciso que alguém me instrua sobre isso. ㅡ digo, me exaltando um pouco e suspiro alto ㅡ Eu vim parar aqui de uma hora para outra, não conheço absolutamente nada sobre este lugar! Se me colocar no meio de uma batalha agora é muito provável que eu mate todos, sem querer.

   ㅡ Tens razão. ㅡ ele diz, pensativo ㅡ Mandarei que tragam um ancião do Povo Encantado, para te auxiliar o mais rápido possível em tudo que precisar. Mas terá que se esforçar, a proteção mágica está ficando cada dia mais prejudicada, fomos abandonados pela deusa há muitos anos, e esperamos por você tempo demais.

   ㅡ Irei dar o meu máximo. ㅡ falo séria e ele concorda. Nos olhamos por alguns segundos constrangedores, em que ele examina cada parte do meu rosto ㅡ Posso ir agora? Essa reunião já pode acabar, e estou faminta.

  ㅡ Sim, tenho compromissos agora. Fique à vontade. ㅡ quando estou prestes a sair, ele fala novamente e interrompo meus passos ㅡ A propósito, sua coroação é amanhã. 

  ㅡ O quê? ㅡ pergunto, em choque, me voltando para ele ㅡ Mas assim tão rápido? Por quê?

  ㅡ Sim, quanto mais rápido, melhor. Estou há tempo demais comandando esse lugar sozinho, não acha? ㅡ ele sorri, levantando a sobrancelha novamente ㅡ É amanhã o dia em que fecha o 22° ciclo lunar após o aparecimento da deusa, então se prepare, a cerimônia se inicia cedo e é um pouco cansativa.

   ㅡ Tudo bem. ㅡ sussurro, e saio da sala com meus pensamentos fervendo em minha cabeça.

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  Depois de um café da manhã repleto de risos e histórias de infância com meus novos amigos, decido caminhar para conhecer a área externa do Palácio. Esse lugar é imenso, e há tantos tipos de flores e frutas que nunca vi na vida! Preciso urgentemente aprender sobre cada uma delas; sempre fui fascinada pela natureza, sempre senti essa conexão especial, e agora eu sei que sempre foi meu sangue de fada falando dentro de mim.

   Ando ao redor do jardim real, até que não tenha mais nada de novidade, então me vejo entrando na densa floresta que fica nos limites do palácio. Assim que adentro em meio às árvores, sou recebida por uma leve brisa que beija meu rosto com um frescor delicioso, como uma saudação, e me sinto verdadeiramente bem recebida aqui. 

   As árvores são tão altas que não consigo enxergar o topo. Giro em volta do meu próprio corpo, com o rosto virado para o céu, sentindo esse arrepio único que a natureza me traz. Continuo andando sem rumo, parando para fazer um carinho em cada raiz velha ou apodrecida que encontro no caminho. O ar livre sempre me fez bem, mas aqui é muito diferente, é tudo mais real, pulsante, aqui eu sinto a natureza viva! 

  Continuo a caminhar, sem rumo, apenas me deliciando com essa sensação que nunca senti antes. Até que sinto um forte cheiro de pães frescos e alguma sopa com ervas, meu estômago ronca e reclama pedindo por alimento. Não faço ideia de que horas são, e me parece que estou bem longe do Palácio. Sigo o cheiro delicioso e começo a ouvir vozes ao longe, em uma língua que não consigo entender. Ao chegar mais perto, consigo entender que são pessoas cantando. Me escondo atrás de uma árvore e observo aquele povo de aparência estranha.

  É uma pequena vila de casas, todas coloridas e cheias de flores, com arabescos desenhados nas paredes. Há uma pequena clareira onde várias pessoas estão reunidas com tambores e violas, em volta de uma fogueira, enquanto algumas cantam e dançam, outras comem pães e sopa.

   É uma cena tão alegre e convidativa, que decido me aproximar lentamente, com cautela para não assustar nenhum deles. É tudo tão novo e lindo que me pego sorrindo sozinha, ao ver a alegria estampada em cada rosto. Ao chegar mais perto, percebo que todos são altos demais, seus rostos são parecidos, finos e com nariz pontudo, mas é ao reparar nas orelhas que meus pés travam no lugar. 

São enormes. E pontiagudas. 

Eles não são humanos.

 Logo eles percebem minha presença; estou a poucos metros de distância e não há mais como fugir sem ser vista. O canto e a música vão parando aos poucos, até que um silêncio incômodo toma todo o lugar. Todos estão me olhando assustados, parecem com um certo medo, então abro a boca para me apresentar, mas alguém fala antes de mim.

  ㅡ Filha da Lua. ㅡ alguém sussurra a distância, e um burburinho toma o local.

  ㅡ Princesa Alhana. ㅡ uma mulher se aproxima e tenho que levantar a cabeça para olhar em seus olhos ㅡ Não sabe quanto tempo esperamos ansiosos pela sua presença entre nós. Seja bem vinda de volta ao seu verdadeiro lar.

  A mulher se ajoelha e encosta sua testa no chão, e quando olho para atrás dela, todos estão na mesma posição. Fico estática por alguns segundos, vendo uma cena tão surreal bem diante dos meus olhos, mas logo saio do transe. 

  ㅡ Levantem-se, por favor! ㅡ digo alto e eles obedecem, me olhando com expectativa ㅡ Eu esperava conseguir um pouco de comida, caminhei por longas horas e preciso de um pouco de descanso. E adoraria continuar ouvindo a música, não parem por minha causa, por favor!

  ㅡ Ouviram a Princesa! ㅡ a mulher a minha frente grita, e aos poucos o batuque e as vozes voltam, desta vez com mais força e alegria que antes.

   Me junto à roda e, mesmo não entendendo o que diz a música, tenho uma tarde muito agradável entre o povo. Keshua, a mulher que se aproximou primeiro, me chama para conhecer as casas.

  Ela é a líder do clã das Fadas da Terra; são fadas que têm a magia de curar animais, árvores e fertilizar terras. A mulher tem um porte de general: é alta e esguia, com a cabeça raspada, e seus olhos verdes tem vários pontinhos vermelhos espalhados sobre a cor, algo que seria bem assustador, se não fossem tão gentis.

   ㅡ Quando foi me buscar, Farall disse uma coisa que não se encaixa nisso. ㅡ digo, me lembrando de um detalhe da história ㅡ Ele disse que a terra tocada pela magia das Manachs está morta. Mas se vocês têm o poder de fertilizar...

  ㅡ Fomos proibidos pela deusa. ㅡ Keshua diz, cabisbaixa, e a vejo fechar as mãos em punhos ㅡ Quando chegamos perto do lugar, nossa magia não funciona. É como uma punição pela guerra que a fada iniciou, ao matar o antigo Rei enquanto dormia, sem a chance de defesa. Não podemos tocar naquelas terras, muitos já tentaram, mas nunca ninguém conseguiu.

    ㅡ Mas eu posso? ㅡ questiono, confusa, e ela confirma ㅡ Eu preciso entender mais disso, tudo ainda é muito novo para mim, há muitas coisas que não consigo compreender...

  ㅡ Irei te entregar um livro. ㅡ ela sorri e consigo ver o quanto é linda ㅡ Um livro que vem sendo escrito há séculos, com feitiços para te ajudar a invocar magias de todas as fadas. 

  ㅡ Feitiços não são feitos por bruxas? ㅡ fico cada vez mais confusa. 

  ㅡ Bruxas usam magia própria, sem uma base, e chega uma hora que o poço de uma bruxa seca, se usado em grande quantidade e sem descanso. ㅡ ela entra em uma casa e sai rapidamente com um livro antigo em mãos ㅡ Fadas usam a própria natureza como base. Terra, fogo, água, ar, árvores, e, em últimos casos, os animais. Podem ajudar muito.

  Ela me entrega o livro e o abro, mas está em uma língua que não sei ler. Vejo algumas palavras transparentes, mas não consigo compreender o todo, e sinto uma pontada de decepção por saber que não me será útil.

  ㅡ Você vai entender quando ver com nossos olhos. ㅡ ela diz.

Olho em seus olhos estranhos, minhas sobrancelhas unidas em evidente confusão.

  ㅡ Não entendo... 

  ㅡ Você também é fada. ㅡ ela explica, e me olha com carinho ㅡ Deixe sua verdadeira natureza sair, e conseguirá entender a nossa língua mãe. 

  ㅡ Eu não faço ideia do que você está falando, Keshua. ㅡ digo, ainda mais confusa.

  ㅡ Me permite te ajudar? ㅡ confirmo com a cabeça, com certo receio, ela se aproxima lentamente e pousa as suas mãos em meu rosto ㅡ Feche os olhos e se concentre somente em minha voz.

   Olho para os lados e há um pequeno grupo formando um círculo em volta de nós duas, e mais fadas se aproximam rapidamente quando percebem o que está acontecendo. 

Fecho os olhos, com o medo me fazendo ter tremores nas mãos, e respiro fundo, ouvindo Keshua sussurrar em uma língua estranha palavras fortes e que arranham sua garganta.

  ㅡ Natyra jeton në ju, O premtoi një. ㅡ sussurra e sinto o meu corpo inteiro se arrepiar; sinto meus dedos gelados ao mesmo tempo em que minha cabeça pega fogo.

  ㅡ Lëreni të flasë. Lëreni jashtë saj. ㅡ minha cabeça queima e tento sair de suas mãos, mas ela aperta ainda mais e continua com uma voz alta, que vai ficando cada vez mais grossa conforme vai pronunciando as palavras ㅡ Na trego fytyrën tënde të vërtetë, O bijë e Hënës! 

   Eu grito, pois a dor é tanta que não aguento mais ficar com a boca fechada, e então ela me solta de uma vez. Caio no chão, tentando normalizar minha respiração, e a dor vai passando aos poucos. 

Meus olhos ardem, e minha cabeça lateja. 

Não, não minha cabeça, minhas orelhas. Passo a mão nelas e percebo o que aconteceu aqui. 

Elas estão grandes, pontudas… orelhas de fada. 

  Levanto e olho ao redor, e um por um vai se ajoelhando conforme meus olhos passam por eles. E, juntos, começam a entoar uma frase, repetindo-a sem parar, como um canto, uma adoração. 

  ㅡ Ajo është, ndër ne! Rroftë Mbretëresha! ㅡ cantam e choram, com suas testas encostadas no chão, só que agora eu consigo entender perfeitamente o que estão falando. 

"Ela está entre nós! Viva a Rainha!"

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Tradução:

"A natureza vive em você, Ó Prometida.

Deixe-a falar. Deixe-a sair.

Nos mostre sua verdadeira face,

Ó Filha da Lua."

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